O Globo
A cada eleição, o financiamento de
organizações criminosas a candidatos ao Executivo e Legislativo aumenta
A resolução, que ainda pode se mostrar
parcial, da trama para executar Marielle Franco revelou um grau maior de
entranhamento do crime organizado no aparato político e policial do que aquele
que se supunha. A participação do responsável pela Polícia Civil em todas as
fases da arquitetura do assassinato foi aquele detalhe que, se não chega a
surpreender, ainda choca até quem pesquisa o tema ou quem acompanhou por seis
anos o vaivém das investigações, como a família da vereadora.
O comportamento da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados ontem diante da gravidade dessa infiltração é mais uma demonstração crua, rascante, de que as prisões de Domingos e Chiquinho Brazão e Rivaldo Barbosa não chegam nem a arranhar o edifício de conluio entre o estamento institucional e diferentes organizações criminosas, do tráfico à milícia, passando pelo jogo do bicho.
Demonstrando completa indiferença ao repúdio
nacional aos detalhes da trama macabra para matar Marielle, que ceifou também a
vida de Anderson Gomes, deputados do Novo e do Republicanos urdiram nos
bastidores um cínico pedido de vista, sob a alegação de que houve afogadilho na
prisão de seu colega Chiquinho. O próprio deputado preso apareceu em
videoconferência com semblante condoído, queixando-se do “ódio” que campeia.
Quem foi vítima de ódio? Ele ou a vereadora?
Ao deixar para depois de um feriado uma
decisão que lhe cabe por lei, a Câmara dos Deputados prefere ser omissa para
não deixar de ser corporativista. Age, assim, como o sindicato que Arthur Lira
se esmera em comandar.
Vinham avançando no silêncio das reuniões em
gabinetes tratativas para aumentar a blindagem — os deputados não gostam do
termo, mas como se chama a camada de proteção que se coloca nos veículos para
não serem alvejados por tiros que atingem os demais desguarnecidos? — em
investigações a que sejam submetidos.
A sucessão de casos em que filiados ao
sindicato da Câmara aparecem como citados ou envolvidos levou o espírito de
corpo a falar mais alto, e não devem demorar a sair do forno propostas,
inclusive de emendas constitucionais, tentando salvaguardar parlamentares de
ser submetidos a busca e apreensão e aumentar a inviolabilidade das
dependências do Congresso.
Isso, no entanto, ainda estava um degrau
abaixo na escala da imoralidade que é proteger alguém acusado de ordenar um
homicídio. E de uma igual aos senhores deputados, pois, como eles, Marielle era
uma representante do Estado brasileiro no exercício do mandato para o qual
havia sido eleita.
Que um dos seus seja acusado de tamanha
atrocidade deveria ser o motivo de espanto dos deputados, e não a “pressa”(!)
em resolver um crime que ocorreu há seis anos e para o qual se desejava
impunidade total.
O espetáculo dantesco promovido pela CCJ, já
sob nova direção, se soma à reprodução em série dos clãs políticos. Enquanto
dois expoentes da família Brazão estão presos, já há herdeiros sendo forjados
para substituir os patriarcas nos negócios da política.
Tornou-se um chavão, entoado até por líderes
políticos em postos de comando, criticar a “criminalização” da política. O caso
Marielle e outros tantos que evidenciam a tomada da política pelo crime atestam
a necessidade de aposentar esse chorume.
A cada eleição, o financiamento de
organizações criminosas a candidatos ao Executivo e ao Legislativo aumenta. É
notória a presença desses grupos nas cúpulas de diferentes partidos, e não são
poucas as evidências de infiltração no Judiciário, além da polícia.
É necessário um trabalho conjunto dos três
Poderes, de todos os entes federativos e das demais instituições do Estado para
sanear a política, que está gravemente criminalizada.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirTudo junto e misturado.
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