Folha de S. Paulo
Descriminalização perde mais apoio, diz
Datafolha; ideologia explica pouco das atitudes
Os brasileiros ficaram ainda menos propensos
a aceitar mudanças em leis sobre aborto e
a posse
de um pouco de maconha, diz pesquisa Datafolha de
março. Por exemplo, 67% acham que a posse de pequenas quantidades de maconha
não deveria deixar de ser crime (ante 61% em setembro de 2023).
A maioria dos brasileiros está mais
"conservadora" ou inclinada a apoiar a restrição de direitos
individuais? Conservador ou antiliberal em relação a quê?
Datafolha de maio de 2022 que investigou opiniões sobre economia e comportamento registrava que 49% dos eleitores eram de esquerda, a maior taxa em nove anos; 34% eram de direita. Para 83%, o uso de drogas deveria ser proibido, 61% eram contra a pena de morte, 79% diziam que a "homossexualidade deve ser aceita por toda a sociedade". Para 63%, a posse de armas deve ser proibida.
Dos então eleitores de Jair
Bolsonaro, 29% estavam à esquerda; entre os de Lula da Silva,
23% estavam à direita.
Os brasileiros são muito intervencionistas em
certos temas de comportamento. Quanto a aborto e
descriminalização de drogas, são mesmo aberrantes, na comparação com países
similares. Mas o caleidoscópio de opiniões forma alguns grupos de pessoas com
um "mix" de ideias que não cabe em definições ideológicas estritas.
Isto posto, a opinião sobre aborto e drogas
se tornou um pouco mais dura. O aborto é autorizado pela lei em caso de estupro
e risco de morte para a gestante; por decisão do STF, também no caso de
anencefalia do feto.
Para 42%, a lei deve continuar como está,
ante 34% em 2018. Agora há menos gente que quer a proibição do aborto em
qualquer caso: 35%, ante 41% em 2018. Somados, os que não querem mudança ou
querem repressão total são 77%; eram 75% em 2018.
Para 52%, a mulher que interrompe a gravidez,
"independentemente da situação", deve ir para a cadeia. Em 2013, o
"ano das ruas", e em 2016, os adeptos da cadeia para a mulher que
aborta eram 64%. Em 2007, eram minoritários: 43%.
Por um lado, a grande variação na vontade de
vigiar e punir indica possibilidade de debate e mudança. Por outro lado, o fato
de haver 77% de avessos à mudança na lei ou adeptos da proibição total coloca o
Brasil perto de países em que a oposição ao aborto é mais extrema.
Segundo pesquisa do Pew Research Center (EUA)
de 2022, o apoio ao aborto em "todos os casos ou na maioria" deles em
países da Europa Ocidental ia de 74% (Espanha) a 95% (Suécia). Na Austrália,
82%. Japão, 81%. Coreia do Sul, 68%. EUA, 62%. Índia, 59%. Argentina, 53%.
México, 46%.
Na pesquisa Pew, o apoio ao aborto no Brasil
era de 26%; a rejeição, de 70%, perto dos 77% do Datafolha. Era um número de
rejeição mais próximo daqueles de Quênia (89%) e Nigéria (92%), onde a
restrição de direitos humanos é feroz. Em relação a países culturalmente menos
distantes, o Brasil parece uma aberração.
Povos que dão menos importância à religião
são mais liberais em relação à interrupção da gravidez, indica a pesquisa Pew.
Pessoas de esquerda aceitam mais o aborto do que as de direita. Nos EUA, há
"polarização", grande diferença de aceitação do aborto entre esquerda
e direita (62 pontos percentuais). Na Europa Ocidental, tal diferença fica
entre 6 e 25 pontos. No Brasil, em apenas 17 pontos, pois esquerda e direita
não diferem muito na oposição ao aborto.
No Datafolha deste março, 85% dos
bolsonaristas querem que a lei do aborto continue como está ou mude para a
proibição total; entre os petistas, não é tão diferente assim: 72%.
Para 55% dos evangélicos, a mulher que aborta
em qualquer situação deve ir para a cadeia; para os católicos, 56%. Mais pobres
e com poucos anos de escola são mais adeptos das proibições, mas as diferenças
de classe são pequenas. No caso da posse de maconha, 76% dos bolsonaristas são
contra a descriminalização; petistas, 59%; neutros, 67%. Na média nacional,
67%.
Em suma, há endurecimento ligeiro nas
opiniões sobre aborto e drogas. Mais importante, a oposição a mudanças liberais
continua enorme, mas classe, direitismo, esquerdismo ou conservadorismo não
explicam grande coisa sobre o assunto. Quem é adepto de mais luz e tolerância
deveria pensar em um debate em outros termos.
Muito interessante e informativo!
ResponderExcluirVerdade,eu sou de esquerda e contra o aborto,mas que o aborto é uma questão de saúde pública é inegável.
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