Folha de S. Paulo
Ministro recua, perde tempo político e tem
agenda pesada em ano curto e de ambiente mais azedo
No último dia útil de 2023, o governo
baixou uma medida provisória politicamente temerária a fim de aumentar
ou evitar a perda de receitas, tentando em especial obter mais dinheiro de
empresas.
Como previsto, Fernando
Haddad apanhou, recuou e teve de renegociar as providências, que
voltarão ao Congresso por meio de projetos de lei, fora o desgaste político
e o atraso adicional no ano legislativo.
"Adicional": as lideranças parlamentares do centrão dominante criavam encrenca porque queriam em primeiro lugar emendas, mais dinheiro para emendas, cargos e cabeças de ministros e secretários, "business as usual".
O Tesouro e o ministro da Fazenda precisam
desses dinheiros a fim de conter o tamanho do déficit primário e, por tabela,
adiar a rediscussão da meta fiscal e da necessidade de contingenciamento
(suspensão de gastos previstos no Orçamento por previsão de insuficiência de
receita).
Haddad conseguiu aprovar muitos impostos no
Congresso em 2023. Ainda é incerto quanto vão render. Por exemplo, não se sabe
quanto dinheiro virá das vitórias contra contribuintes no Carf e das mudanças
do uso do ICMS na redução do pagamento de impostos federais pelas empresas.
Para pessoas normais, o assunto é um tédio.
Mas é sério. Ficará mais quente a partir de março, pelando a partir de maio.
Afora um milagre do crescimento da
arrecadação, há risco de briga no governo, do PT com Haddad,
do Congresso com o governo (menos receita, risco de menos emendas).
Mudanças na meta de "déficit zero"
e contingenciamento tardio ou insuficiente, se algum, podem ter impacto em
expectativas da finança e em juros.
Há mais riscos para o Tesouro Nacional no
horizonte, conflitos de 2024 que podem estourar no máximo em 2025. Os
servidores federais se pintam para a guerra do reajuste de salários —sem fazer
reforma alguma, o governo das trevas empurrou o problema com a barriga.
Governadores de Sul e Sudeste voltaram com a
conversa de não pagar as dívidas de seus estados com o governo federal, um
escândalo, um rolo que está cozinhando em fogo baixo, mas que pode derramar a
qualquer momento.
No meio disso tudo, o governo terá de
coordenar a regulamentação da reforma tributária, que ainda pode ser
desfigurada, mandar para o Congresso a reforma do imposto de renda e tentar
aprovar mudanças importantes de regulamentação financeira, para o que pouca
gente dá bola, mas faz país funcionar melhor.
Para quem gosta de ver o copo meio cheio de
mel, é possível que Haddad ainda consiga arrumar algum dinheiro com as medidas
ora derrotadas. Antes das medidas provisórias, a expectativa dessa arrecadação
extra com empresas era nenhuma; a de perder mais, grande.
A medida provisória da quase véspera de Ano
Novo, uma surpresa que derrubava votações reiteradas do Congresso, era o
seguinte: 1) decidia a volta da cobrança de impostos sobre a folha de salários
de vários tipos de empresa ("reoneração"); 2) derrubava a desoneração
parcial da contribuição previdenciárias de prefeituras pequenas; 3) revogava
benefícios para empresas de eventos, turismo, entretenimento, esportes e
sabe-se lá mais o quê (houve rolo aí); 4) limitava a quantidade de dinheiro que
as empresas podem reaver do governo, dívida decorrente de decisões da Justiça;
o governo parcelaria o que deve (limitação da "compensação de créditos
decorrentes de decisão judicial transitada em julgado").
São dezenas de bilhões de reais em jogo,
talvez o equivalente a metade do déficit que "o mercado" prevê para
este ano. O próprio governo é vago a respeito, até porque a previsão dessas
receitas é difícil.
O tempo do ano eleitoral é curto. O ambiente
político está mais azedo.
Vinicius sem acento agudo,como Vinicius de Moraes,rs.
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