quarta-feira, 6 de março de 2024

Vinicius Torres Freire - A guerra dos impostos de Haddad

Folha de S. Paulo

Ministro recua, perde tempo político e tem agenda pesada em ano curto e de ambiente mais azedo

No último dia útil de 2023, o governo baixou uma medida provisória politicamente temerária a fim de aumentar ou evitar a perda de receitas, tentando em especial obter mais dinheiro de empresas.

Como previsto, Fernando Haddad apanhou, recuou e teve de renegociar as providências, que voltarão ao Congresso por meio de projetos de lei, fora o desgaste político e o atraso adicional no ano legislativo.

"Adicional": as lideranças parlamentares do centrão dominante criavam encrenca porque queriam em primeiro lugar emendas, mais dinheiro para emendas, cargos e cabeças de ministros e secretários, "business as usual".

O Tesouro e o ministro da Fazenda precisam desses dinheiros a fim de conter o tamanho do déficit primário e, por tabela, adiar a rediscussão da meta fiscal e da necessidade de contingenciamento (suspensão de gastos previstos no Orçamento por previsão de insuficiência de receita).

Haddad conseguiu aprovar muitos impostos no Congresso em 2023. Ainda é incerto quanto vão render. Por exemplo, não se sabe quanto dinheiro virá das vitórias contra contribuintes no Carf e das mudanças do uso do ICMS na redução do pagamento de impostos federais pelas empresas.

Para pessoas normais, o assunto é um tédio. Mas é sério. Ficará mais quente a partir de março, pelando a partir de maio.

Afora um milagre do crescimento da arrecadação, há risco de briga no governo, do PT com Haddad, do Congresso com o governo (menos receita, risco de menos emendas).

Mudanças na meta de "déficit zero" e contingenciamento tardio ou insuficiente, se algum, podem ter impacto em expectativas da finança e em juros.

Há mais riscos para o Tesouro Nacional no horizonte, conflitos de 2024 que podem estourar no máximo em 2025. Os servidores federais se pintam para a guerra do reajuste de salários —sem fazer reforma alguma, o governo das trevas empurrou o problema com a barriga.

Governadores de Sul e Sudeste voltaram com a conversa de não pagar as dívidas de seus estados com o governo federal, um escândalo, um rolo que está cozinhando em fogo baixo, mas que pode derramar a qualquer momento.

No meio disso tudo, o governo terá de coordenar a regulamentação da reforma tributária, que ainda pode ser desfigurada, mandar para o Congresso a reforma do imposto de renda e tentar aprovar mudanças importantes de regulamentação financeira, para o que pouca gente dá bola, mas faz país funcionar melhor.

Para quem gosta de ver o copo meio cheio de mel, é possível que Haddad ainda consiga arrumar algum dinheiro com as medidas ora derrotadas. Antes das medidas provisórias, a expectativa dessa arrecadação extra com empresas era nenhuma; a de perder mais, grande.

A medida provisória da quase véspera de Ano Novo, uma surpresa que derrubava votações reiteradas do Congresso, era o seguinte: 1) decidia a volta da cobrança de impostos sobre a folha de salários de vários tipos de empresa ("reoneração"); 2) derrubava a desoneração parcial da contribuição previdenciárias de prefeituras pequenas; 3) revogava benefícios para empresas de eventos, turismo, entretenimento, esportes e sabe-se lá mais o quê (houve rolo aí); 4) limitava a quantidade de dinheiro que as empresas podem reaver do governo, dívida decorrente de decisões da Justiça; o governo parcelaria o que deve (limitação da "compensação de créditos decorrentes de decisão judicial transitada em julgado").

São dezenas de bilhões de reais em jogo, talvez o equivalente a metade do déficit que "o mercado" prevê para este ano. O próprio governo é vago a respeito, até porque a previsão dessas receitas é difícil.

O tempo do ano eleitoral é curto. O ambiente político está mais azedo.

 

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