O Globo
Não temos números de como essas pessoas
cresceram, onde estão, se tiveram acesso a seus direitos, se estão estudando,
se estão tendo a assistência prevista em lei
Era uma vez a promessa de uma sociedade digna. Um país em que as pessoas viveriam com respeito a seus direitos, em comunhão umas com as outras, principalmente com as diferenças. A palavra maior seria incluir e não excluir. Esse foi o storytelling contado na fotografia bem posicionada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na rampa do Palácio do Planalto, no dia 1º de janeiro de 2023. Na sua posse, ele estava de mãos dadas com representantes do povo brasileiro que, simbolicamente, passaram a faixa para que Lula assumisse seu terceiro mandato. Algo significativo, sim, mas não representativo. Os meses seguintes deixaram a lacuna perceptível: a continuidade da invisibilidade de grupos sociais, principalmente do autismo.
Existe hoje, no Brasil, um apagão de dados
sobre a população autista. Temos instituições, pesquisadores na luta para
trazer essas estimativas, mas não temos o governo federal oficializando essas
informações. É sabido que nos últimos anos o autismo aumentou, o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) incluiu o levantamento para esse
grupo no último Censo, mas até hoje não é por meio disso que confirmamos a
informação. O veredito veio com a evidente demanda e sobrecarga que os serviços
tiveram na ponta. Somado a isso, há o expressivo aumento de denúncias de
omissão do poder público, em todas as esferas, sobre o assunto.
Temos uma lei que garante a atuação de
mediadores no ensino regular para acompanhar os alunos com diagnóstico do
transtorno do espectro autista (TEA) e outras necessidades. Na prática, é uma
luta para que essa lei saia do papel. Esses profissionais não substituem o
professor em sala de aula, mas realizam o trabalho de apoio pedagógico e
incluem essas pessoas na dimensão social do convívio escolar. Segundo o Censo
Escolar de 2022, o autismo é o segundo distúrbio mais comum entre os estudantes
matriculados na rede pública especial, com 429 mil alunos no país. Somente em
Manaus, capital do Amazonas, pelos dados do governo estadual, há 1.478 crianças
e adolescentes com TEA. A Secretaria de Educação do Amazonas (Seduc) informa
que há 1.769 mediadores para as crianças na cidade. Mas as reclamações de pais
atípicos é enorme, e o número de processos na Justiça do Amazonas para obter o
direito a mediadores também. Os números não batem.
Onde está a base desse problema? Na falta das
informações. Não temos números de como a população de autistas cresceu ao longo
dos anos, onde eles estão, se tiveram acesso a seus direitos, se estudam, se
têm a assistência necessária prevista em lei federal para que tenham qualidade
nos seus estudos, se têm acesso a serviços de saúde, e assim por diante.
Esse buraco estatístico sobre o autismo
implica grave emergência humanitária ao falarmos das pessoas com deficiência no
Brasil. Como o presidente pode falar em abraçar essa causa sem que tenhamos
dados sobre o cenário para destinar os recursos? Como podemos apresentar
projetos para tentar resolver os problemas e garantir os direitos básicos dessa
população?
Não aceito tamanha negligência sobre um
assunto que afeta milhares de brasileiros, famílias e, principalmente, mães
deste país. Apresentei a proposta de uma audiência pública, na Comissão de
Saúde da Câmara dos Deputados, para debatermos o TEA, sobretudo a necessidade
de inclusão de forma abrangente dessa população nos estudos e censos
brasileiros. Para conseguirmos nos aproximar do convite proposto pela campanha
do Dia Mundial de Consciência do Autismo deste ano, precisamos ter essas
informações. A sociedade só irá além das diferenças e passará a valorizar o
potencial individual de cada um dentro do espectro quando conseguir entender a
complexidade desse distúrbio.
*Amom Mandel é deputado federal (Cidadania-AM)
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