domingo, 14 de abril de 2024

Amom Mandel* - Até agora, só fizeram de conta no quesito inclusão

O Globo

Não temos números de como essas pessoas cresceram, onde estão, se tiveram acesso a seus direitos, se estão estudando, se estão tendo a assistência prevista em lei

Era uma vez a promessa de uma sociedade digna. Um país em que as pessoas viveriam com respeito a seus direitos, em comunhão umas com as outras, principalmente com as diferenças. A palavra maior seria incluir e não excluir. Esse foi o storytelling contado na fotografia bem posicionada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na rampa do Palácio do Planalto, no dia 1º de janeiro de 2023. Na sua posse, ele estava de mãos dadas com representantes do povo brasileiro que, simbolicamente, passaram a faixa para que Lula assumisse seu terceiro mandato. Algo significativo, sim, mas não representativo. Os meses seguintes deixaram a lacuna perceptível: a continuidade da invisibilidade de grupos sociais, principalmente do autismo.

Existe hoje, no Brasil, um apagão de dados sobre a população autista. Temos instituições, pesquisadores na luta para trazer essas estimativas, mas não temos o governo federal oficializando essas informações. É sabido que nos últimos anos o autismo aumentou, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) incluiu o levantamento para esse grupo no último Censo, mas até hoje não é por meio disso que confirmamos a informação. O veredito veio com a evidente demanda e sobrecarga que os serviços tiveram na ponta. Somado a isso, há o expressivo aumento de denúncias de omissão do poder público, em todas as esferas, sobre o assunto.

Temos uma lei que garante a atuação de mediadores no ensino regular para acompanhar os alunos com diagnóstico do transtorno do espectro autista (TEA) e outras necessidades. Na prática, é uma luta para que essa lei saia do papel. Esses profissionais não substituem o professor em sala de aula, mas realizam o trabalho de apoio pedagógico e incluem essas pessoas na dimensão social do convívio escolar. Segundo o Censo Escolar de 2022, o autismo é o segundo distúrbio mais comum entre os estudantes matriculados na rede pública especial, com 429 mil alunos no país. Somente em Manaus, capital do Amazonas, pelos dados do governo estadual, há 1.478 crianças e adolescentes com TEA. A Secretaria de Educação do Amazonas (Seduc) informa que há 1.769 mediadores para as crianças na cidade. Mas as reclamações de pais atípicos é enorme, e o número de processos na Justiça do Amazonas para obter o direito a mediadores também. Os números não batem.

Onde está a base desse problema? Na falta das informações. Não temos números de como a população de autistas cresceu ao longo dos anos, onde eles estão, se tiveram acesso a seus direitos, se estudam, se têm a assistência necessária prevista em lei federal para que tenham qualidade nos seus estudos, se têm acesso a serviços de saúde, e assim por diante.

Esse buraco estatístico sobre o autismo implica grave emergência humanitária ao falarmos das pessoas com deficiência no Brasil. Como o presidente pode falar em abraçar essa causa sem que tenhamos dados sobre o cenário para destinar os recursos? Como podemos apresentar projetos para tentar resolver os problemas e garantir os direitos básicos dessa população?

Não aceito tamanha negligência sobre um assunto que afeta milhares de brasileiros, famílias e, principalmente, mães deste país. Apresentei a proposta de uma audiência pública, na Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, para debatermos o TEA, sobretudo a necessidade de inclusão de forma abrangente dessa população nos estudos e censos brasileiros. Para conseguirmos nos aproximar do convite proposto pela campanha do Dia Mundial de Consciência do Autismo deste ano, precisamos ter essas informações. A sociedade só irá além das diferenças e passará a valorizar o potencial individual de cada um dentro do espectro quando conseguir entender a complexidade desse distúrbio.

*Amom Mandel é deputado federal (Cidadania-AM)

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