Valor Econômico
Presidente pode ser visto como um político que se apresenta aos eleitores em camadas
No fim de fevereiro, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva anunciou que planejava ampliar a concessão de crédito consignado
para todos os trabalhadores, um mecanismo que é franqueado sem obstáculos para
servidores públicos e aposentados, mas com empecilhos para assalariados. O
presidente alegou que sua meta é “criar um país de classe média”.
Em entrevista à Rede TV!, argumentou que desejava ampliar o acesso ao crédito para que o dinheiro “chegue nas mãos das pessoas mais humildes”, e citou os trabalhadores das fábricas, as empregadas domésticas, os comerciários. “Queremos criar um país de padrão de consumo, de educação, de transporte de classe média”, exaltou.
Lula gostaria de divulgar a novidade nesta
quarta-feira (1º), Dia do Trabalhador. O Ministério da Fazenda já tem uma
minuta sobre o assunto, e havia expectativa de que o presidente discutisse o
tema ontem na reunião com o ministro Fernando Haddad. Mas ainda não há
confirmação do anúncio neste feriado.
A expansão do modelo de crédito consignado
faz parte da estratégia de Lula de acenar com mais clareza aos brasileiros da
faixa de renda a partir de R$ 5,2 mil e até R$ 13 mil, que formam a classe
média. Esse empenho intensificou-se após as pesquisas divulgadas entre o fim de
março e início de abril que apontaram o derretimento de sua popularidade,
especialmente neste segmento.
Na mesma linha de ação, Lula pediu ao
ministro das Cidades, Jader Filho (MDB), que ampliasse os contratos do Minha
Casa, Minha Vida (MCMV) também para esse estrato da população. Para as famílias
com renda mensal superior aos R$ 8 mil, fora do alcance do programa, lançou o
“Acredita”, com nova ferramenta de abertura de crédito imobiliário.
Na próxima semana, Lula vai divulgar ao lado
de Jader Filho os dados mais recentes do MCMV, uma das políticas de maior apelo
popular e eleitoral. A coluna teve acesso a alguns desses números que indicam a
classe média como uma das beneficiárias do programa: nos primeiros 15 meses de
governo, foram 226 mil novos contratos assinados com as faixas 2 e 3, e de
pró-cotistas. Traduzindo, são famílias com renda mensal de R$ 2,6 mil até R$ 8
mil, e aqueles trabalhadores com 3 anos de contribuição ao FGTS, e saldo de
pelo menos 10% do valor do imóvel.
Uma das missões de Jader Filho era retomar os
contratos da faixa 1 (famílias com renda mensal de até R$ 2,6 mil), que haviam
sido congelados na gestão de Jair Bolsonaro. Mas segundo o ministro, Lula pediu
que ele expandisse as negociações com todas as faixas de renda, e não apenas
com a população mais vulnerável.
Apesar do ambiente de incertezas na economia
e do mau humor do mercado, em especial, com a revisão da meta fiscal de 2025,
Jader Filho se diz otimista. Observou à coluna que a meta do MCMV no ano
passado eram 375 mil novos contratos, e foram alcançados 491 mil. Para este
ano, a meta é igual, mas a expectativa dele é chegar a dezembro com 550 mil
novas adesões.
Para famílias da classe média com renda
superior a R$ 8 mil, o governo lançou uma nova linha de crédito imobiliário que
prevê a Empresa Gestora de Ativos (Emgea), vinculada à Fazenda, como
securitizadora do crédito imobiliário. A meta é ajudar a recuperar a capacidade
de financiamento dos bancos.
Em paralelo, o governo e o setor da
construção civil pleiteiam que o Banco Central libere 5% dos compulsórios dos
depósitos da poupança para aplicação imediata no crédito imobiliário, com
projeções de uma receita de até R$ 30 bilhões.
Assim como ocorreu em seus primeiros
mandatos, Lula está obcecado pela ideia de que o dinheiro precisa circular para
impulsionar a economia, especialmente pelo consumo, e para isso, são
fundamentais a queda da taxa de juros e a ampliação do crédito. Um de seus
trunfos foi a migração de cerca de 30 milhões de brasileiros das classes de
baixa renda para a classe C.
Pesquisa Datafolha divulgada em 22 de março
mostrou que 35% dos brasileiros consideram o governo Lula 3 ótimo ou bom, 30% o
avaliam como regular e 33% como ruim ou péssimo. Em dezembro, a taxa de ótimo
ou bom era de 38%.
O levantamento mostrou que o governo é
aprovado, principalmente, pelos que possuem renda familiar mensal de até 2
salários mínimos (40%). Em contrapartida, a reprovação é mais alta entre entre
os que possuem renda familiar de mais de 5 a 10 salários mínimos (48%) - esse
índice era de 38% em dezembro. Outro público que rejeita a gestão petista são
os assalariados registrados (40%), um dos alvos da tentativa de facilitar o
acesso ao crédito.
Voltando à entrevista da Rede TV!, o
presidente rebateu críticas de que “o Lula só pensa em pobre”. Não são
aleatórias porque volta e meia ele alimenta essa crença. No ano passado, em um
discurso em novembro, ele alegou que contratar um viaduto ou uma ponte é
importante, mas é mais fácil. “Governar para pobre, para negro, governar para a
periferia, para pessoas com deficiência, para pessoas que compõem a maioria
desse país (...) é muito difícil”, afirmou.
Em 2007, ele declarou que se considerava uma
“metamorfose ambulante, mudando à medida que as coisas mudam”. Nessa linha,
Lula pode ser visto como um político palimpsesto, que se apresenta aos
eleitores em camadas. Sempre elegeu-se com a maioria dos votos dos brasileiros
de baixa renda, mas agora para sobreviver, precisa comprovar-se apto a ouvir e
atender os pleitos das classes média, A e B.
Enquanto isso, o sistema financeiro aplaude. Em pé.
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