O Globo
Só uma possibilidade: não se trata mais de
questão jurídica, mas de política
Divergências entre juízes de Cortes
superiores são normais, isso no campo das interpretações jurídicas. Por isso
não foi normal a divergência verificada na semana passada no Conselho Nacional
de Justiça (CNJ),
entre os ministros Luis Felipe
Salomão, do STJ, e Luís Roberto
Barroso, do STF.
Passou longe do âmbito jurídico.
Tratava-se do caso de Gabriela Hardt, juíza que, em fevereiro de 2019, condenou Lula a 12 anos e 11 meses de reclusão, por corrupção, no caso do sítio de Atibaia. Foi o momento mais importante da Lava-Jato. O CNJ julgava o comportamento profissional de Hardt, mas não pelo processo de Lula. E sim pela acusação de envolvimento dela na criação de uma fundação para administrar recursos provenientes de pagamento de multas por empresas apanhadas na Lava-Jato.
A fundação não saiu, mas Salomão entendeu, em
resumo de leigo, que a intenção de criá-la já era forte indício de faltas
disciplinares e violações de deveres funcionais. Mais que isso. À juíza podem
ser atribuídos crimes de peculato-desvio, prevaricação, corrupção privilegiada
e passiva.
Com base nessa argumentação, o desembargador
determinou o afastamento da juíza, isso na segunda-feira desta semana. Um dia
depois, em reunião do plenário, o presidente do CNJ e do STF, Barroso, definiu
com palavras duras a decisão de Salomão: ilegítima, arbitrária, desnecessária,
sumária, prematura, injusta e perversa.
Como podem divergir tanto?
Só uma possibilidade: não se trata mais de
questão jurídica, mas de política. De um lado, a tentativa de arrasar tudo o
que se refere à Lava-Jato. De outro, o entendimento de que, problemas à parte,
a operação de Curitiba deixa um legado importante, a demonstração da existência
de grossa corrupção no país. E no exterior.
A maioria do CNJ acompanhou Barroso, e a
punição a Hardt foi suspensa. Foi o melhor. A acusação contra a juíza parte de
uma suposição perversa: que o pessoal da Lava-Jato queria meter a mão no
dinheiro das multas e que tudo foi feito para encher os bolsos de procuradores
e juízes da operação.
Já está praticamente consumado o cancelamento
das condenações da Lava-Jato. De novo, não se inocentam os acusados, mas
anulam-se processos. O pessoal, entretanto, quer sangue. Não basta desmontar a
operação, é preciso cassar e condenar promotores e juízes do caso. Daí a bronca
de Barroso. Parece dizer: calma aí, pessoal.
Foi correto. Mas o ponto é outro: não é
normal esse movimento radical para eliminar qualquer possibilidade de combate à
corrupção. A quem interessa? Também não é normal o modo tolerante, para ser
educado, com que se tratam ações de autoridades.
A Controladoria Geral da União (CGU) negocia
com empreiteiras um bom desconto nas multas que haviam concordado em pagar, por
meio de acordos de leniência. O chefe da CGU, ministro Vinícius Marques de
Carvalho, é dono de um escritório de advocacia que representa nessas
negociações a Novonor, ex-Odebrecht. Ele diz que não tem nada de mais, porque
se afastou totalmente do escritório para assumir o cargo público. Está longe de
parecer normal.
O ministro das Comunicações, Juscelino Filho,
também parece ter uma noção particular da normalidade na gestão pública. Ele
abriu seu gabinete para o sogro, Fernando Fialho, que lá despachava sem ter
cargo algum. O caso foi parar na Comissão de Ética da Presidência da República,
que considerou normal essa ajudazinha administrativa do sogro.
Outra: tendo seu gabinete informado que ele
estava em missão oficial, o que lhe dava direito a voar no jato da FAB e ainda
receber diária, o ministro passou três dias acompanhando leilões de cavalos.
Revelado o fato, veio a explicação do gabinete: falha no sistema, que registrou
indevidamente o pagamento de diárias para dias de folga. O jato da FAB? Estava
de carona. Afinal, é o que fazem muitos ministros.
E fica tudo por isso mesmo. Não pode ser
normal.
Pois é.
ResponderExcluirNão é normal um colunista informar tão mal os seus leitores. Não é só incompetência!
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