Folha de S. Paulo
Não me parece óbvio que Tarcísio, Caiado ou
Zema sequer tenham interesse em moderar o bolsonarismo
Poucas coisas fazem mais falta ao Brasil do
que uma direita responsável que, como o PT e o falecido PSDB,
se especialize em ganhar eleições presidenciais.
Desde os anos 1990, os partidos brasileiros
se especializaram em coisas diferentes. O PT e o PSDB, cada um com seus aliados
mais tradicionais (PC do B, PFL, etc.) disputavam a Presidência. Outros
partidos, como o PMDB ou
o PP,
se especializaram em vender apoio no Congresso a quem elegesse o presidente.
Entre 1994 e 2014, PT e PSDB discordaram sobre quase tudo, mas mantiveram ao menos um interesse comum: a Presidência da República, como instituição, tinha que continuar forte.
Com a crise do PSDB, a liderança da direita
passou para os bolsonaristas. Mas o bolsonarismo não se especializou em vencer
eleições presidenciais. Especializou-se em golpe de Estado.
Enquanto o golpe não vinha, Jair evitava o
impeachment entregando para o Congresso absolutamente tudo que o centrão
queria. E quando um Rodrigo Maia da vida aprovava alguma reforma por iniciativa
própria, isso até lhe ajudava: dava a impressão de que o Guedes trabalhava.
Desde a crise do PSDB, portanto, o PT não tem
um rival com quem compartilhe o interesse em preservar a instituição da
Presidência da República. E isso é ruim, porque a esquerda não tem força para
fazer isso sozinha. E o Executivo ainda é o único Poder que tem algum incentivo
eleitoral para, por exemplo, manter o equilíbrio das contas públicas.
Sim, às vezes o STF pode
ajudar a preservar a Presidência, até pela promiscuidade do centrão com o
golpismo. Mas isso não é um arranjo estável, e tem potencial de
descarrilhamento.
Não vejo cenário de estabilização
institucional sem que a direita brasileira volte a ser liderada por um partido
ou movimento não golpista com ambições presidenciais.
E isso não está acontecendo.
Para começar, a direita precisa decidir que
sistema de governo defende. As propostas de "semiparlamentarismo"
deram uma sumida, mas muita gente no centrão parece confortável com a tendência
de progressivo enfraquecimento da Presidência da República dos últimos anos.
Afinal, a direita sempre controlou o
Congresso, graças à gambiarra de começar nossa democracia com a classe política
herdada da ditadura. Já que não dá para ganhar a Presidência, pensam, vamos
levar o poder para o lugar onde a gente sempre ganha.
Do outro lado, os principais presidenciáveis
de direita até agora são postes do golpe. Até entendo que candidatos
conservadores busquem os votos bolsonaristas, ou o apoio das igrejas
bolsonaristas. Mas nenhum parece disposto a construir um movimento dentro do
qual os bolsonaristas sejam uma minoria disciplinável.
Não me parece óbvio que Tarcísio, Caiado ou
Zema sequer tenham interesse em moderar o bolsonarismo. Quando têm, topam
terceirizar a tarefa para Alexandre de Moraes.
Em algum momento dos anos 1990, o
social-democrata Fernando
Henrique Cardoso olhou para a direita brasileira, suspirou de
desgosto e disse "OK, dá aqui essa porcaria, vocês não sabem fazer".
Quem teria disposição para assumir essa tarefa civilizatória hoje em dia? Por
que, com as emendas dando grana e as igrejas dando voto, a direita de hoje se
deixaria civilizar?
Verdade.
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