sexta-feira, 5 de abril de 2024

César Felício - Pauta das eleições de 2024 é ruim para Lula

Valor Econômico

Problema central para a esquerda é a agenda, mais que o jogo de forças partidárias

A campanha municipal dá a largada esta semana, com o fim do prazo para a filiação partidária dos que querem concorrer a prefeito e vereador. A corrida começa adversa para os comprometidos com a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O problema central para a esquerda é a agenda, mais que o jogo de forças partidárias.

Especialistas em pesquisas apontam que a polarização nacional entre Lula e o ex-presidente Jair Bolsonaro transbordou para o plano local, e essa não é boa notícia para o Palácio do Planalto. Sempre interessa a quem está na oposição nacionalizar a disputa, porque essa é uma forma de transpor a barreira natural das disputas locais, que é a força do incumbente.

A polarização nacional ganha força onde o incumbente é fraco, como é o caso de São Paulo, com Ricardo Nunes (MDB); e é mais fraca onde o incumbente é forte, cenário do Rio de Janeiro, com Eduardo Paes (PSD). Ainda assim é um dado que tende a ser mais relevante do que em eleições anteriores, conforme aponta Felipe Nunes, da Quaest.

Esse transbordamento muda a agenda da disputa. Tem crescido, por exemplo, a preocupação do eleitor com a corrupção. Mais do que um sinal de que os governos são mais corruptos, esse é um sinal de contágio do quadro local pelo nacional, apontou Andrei Roman, da consultoria Atlas Intel, um dos pesquisadores que identificou o peso da polarização nacional para o ambiente local.

Ele lembra que o peso no eleitorado das condenações sofridas por Lula na Lava-Jato não desapareceu pelo fato de os processos terem sido anulados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Esse segue sendo o principal atributo negativo do presidente. “É um tema altamente perigoso e destrutivo para qualquer aliado do presidente”, afirma.

Nesse sentido a semana foi ruim para o lulismo. Mesmo sem ter relação com o governo federal, a citação ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, em delação que menciona irregularidades na compra pelo governo baiano de respiradores durante a pandemia tem potencial para provocar dano eleitoral.

Segurança e a pauta de valores morais ganham peso e esses são temas que deixam a direita mais à vontade no processo eleitoral do que a esquerda.

Ainda não há uma resposta do Censo sobre qual a fatia dos evangélicos no eleitorado, mas ninguém acredita em reversão da tendência de crescimentos dos últimos 20 anos. A identidade do segmento com o bolsonarismo é forte e a preponderância da religião no processo decisório do eleitor brasileiro é mais relevante do que em outros países. “Essa deve ser a principal mudança demográfica do eleitorado brasileiro”, aposta Mauricio Moura, do Instituto Ideia.

O eleitor evangélico no Brasil está cada vez mais distante de Lula, e não é por acaso que, ao menos na retórica, o presidente busque alguma forma de diálogo com esse eleitor, como indicam as reiteradas menções a Deus no discurso presidencial desta quinta em Pernambuco.

Pesquisa da Ipsos em 2022 feita em 26 países mostrou que o Brasil é mais religioso que o conjunto dos países ocidentais. O levantamento mostrou que 70% dos pesquisados creem em Deus conforme as Escrituras (na Argentina são 53%) e 67% dos brasileiros creem e temem o diabo (no México, 56%). Aqueles que se dizem definidos pela religião como pessoa são 55%, perdendo só para a África do Sul fora da Ásia. Um em cada quatro afirma que não respeita aquele que não tem fé. Essa medida de intolerância é a maior entre os países de base cristã pesquisados.

A paleta das cores da eleição deste ano é mais conservadora, um complicador em São Paulo para Guilherme Boulos (Psol) e em Porto Alegre para Maria do Rosário (PT), ou em Belo Horizonte para Duda Salabert (PDT). Eles precisarão buscar um eleitor de classe média e em grande parte evangélico. Dados como esses explicam o potencial desestabilizador na corrida eleitoral paulistana da postagem nas redes sociais feita pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), vinculado a Boulos, em que centuriões romanos se dirigem a Jesus Cristo crucificado e falam: “Bandido bom é bandido morto”, em plena Semana Santa.

A possível intenção era associar a PM paulista à crueldade dos tempos de Pilatos. O próprio MTST apagou a postagem e a considerou inapropriada. As definições no dicionário para sacrilégio e blasfêmia bastam para justificar. Mas afora isso, será certo que a política de mão pesada adotada pelo governador Tarcísio de Freitas é impopular?

Pesquisa de vitimização da Quaest feita em novembro de 2023, em parceria com a UFMG, dá a dimensão do tema: 85% já haviam sido vítimas de assalto ou fraude ou conheciam alguém nessa situação e 79% disseram que a violência havia se deteriorado no último ano. Para 83%, o crime organizado cresceu. 58% dos pesquisados disseram confiar totalmente ou parcialmente nas polícias militares.

Governadores oposicionistas, como Tarcísio e Ronaldo Caiado, em Goiás, vendem uma resposta identificável para o eleitor. Qual a proposta visível do governismo? Nessa quinta, depois de 50 dias, foram capturados os dois fugitivos do presídio federal de Mossoró (RN). Atravessaram incógnitos Ceará, Piauí, Maranhão para serem pegos em Marabá (PA), a 1.630 quilômetros de distância.

Há uma evidente dificuldade da esquerda em geral no mundo em lidar com o tema. A direita apresenta tratamentos emergenciais. A esquerda fala em agir sobre questões estruturais. Em um momento de pânico, qual saída o eleitor prefere?

 

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