O Globo
Reapareceu no Senado a velha ideia de tabelar
os livros. Ela circula há mais de dez anos e, em 2018, esteve perto de sair,
tramitando pelo escurinho de Brasília. É um caso especial de tabelamento, pois,
enquanto o costume é tabelar uma mercadoria para impedir que se cobre a mais,
nessa girafa pretende-se impedir que o comerciante cobre menos.
Desta vez, a tentativa de tabelamento parte
do Senado. Lá, a senadora Teresa Leitão desarquivou um velho projeto propondo
que, ao lançar um livro, a editora estabeleça um preço. Nos primeiros 12 meses,
as livrarias não podem oferecer descontos superiores a 10%. Vai-se além: numa
segunda edição, o tabelamento vigoraria por outros seis meses.
No século passado, um jovem chamado Jeff Bezos trabalhava
no mercado financeiro e queria mudar de vida. Foi a uma série de palestras de
editores e livreiros, surpreendeu-se com a imperfeição daquele mercado e teve
uma ideia: fundou a Amazon.
Começou num galpão em Seattle vendendo livros pela internet e deu no que deu. Bezos revolucionou o mercado de livros e o próprio varejo. Entrega rápido e dá descontos. Hoje a Amazon é a maior livraria do mundo. Estima-se que tenha conquistado metade do mercado de livros no Brasil. Em seu rastro, editoras e outras empresas criaram serviços de vendas on-line. Algumas, como a rede varejista Americanas, deram com os burros n’água. Foi-se ver, e a rede havia sido saqueada.
Todo o comércio de varejo passa pela
destruição criadora do capitalismo. Num primeiro momento, os supermercados
tomaram uma fatia do comércio às lojinhas da rua. Depois, veio o comércio
eletrônico redesenhando a venda de livros a xampus. Mas só os livreiros querem
tabelar seus produtos.
Os livreiros têm uma aura apostolar. Afinal,
um livro não seria um sabonete. Ilusão. Livros, sabonetes e caminhões são
mercadorias. Tanto é assim que, há muitos anos, quando era mais barato imprimir
um livro na China, algumas editoras passaram a rodá-los em Xangai, trazendo os
volumes para o Brasil. As duas maiores redes de livrarias nacionais quebraram,
muito mais por causa de suas acrobacias financeiras que pela concorrência.
Quando as grandes redes afogavam as pequenas livrarias, ninguém falava em tabelamento.
Reclama-se que o freguês vai a uma livraria,
consulta os volumes e, ao voltar para casa, encomenda-o eletronicamente. Os
comerciantes que fazem essa reclamação fazem compras on-line e não pensam em
tabelar os sanduíches. Ademais, todas as grandes editoras têm operações de
venda eletrônica. Se cobram mais caro ou forçam a venda de livros físicos em
detrimento dos e-books (mais baratos), o problema é delas.
O tabelamento de livros existe em outros
países, como França, Alemanha e Espanha. A ideia é ruim, mas deve-se admitir
que essas nações funcionam direito. Valeria a pena copiar também seus sistemas
de saúde e educação públicos. Copiando só o tabelamento dos livros, o Brasil
correria atrás de uma jabuticaba passada. Replica-se o que há de pior,
reprimindo o que há de novo.
Eu leio livros gratuitamente na internet.
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