O Estado de S. Paulo
Muitos se remoíam, parentes que podiam render tinham falecido. Foram pedidas exumações
Tudo aconteceu depois que se viu a jovem levando o tio – talvez já morto – para conseguir empréstimo. Viralizou, provocou efeito cascata. Acendeu uma luz em cada cabeça. Levar parentes queridos aos bancos para cavar um auxílio usando a malandragem brasileira. Em um átimo estavam caçando parentes. Tem tosse? Vem comigo? Disenteria? Refluxo? Urina solta? Flatulência? Redes sociais funcionaram. Maioria dos políticos não se importou, vive de emendas parlamentares, rachadinhas.
Assim, desde o show da Taylor Swift não se
tinha visto tanta ansiedade, desespero, congestionamentos, desmaios, enfartes.
Semáforos no amarelo, trombadas, cruzamentos fechados, situação de guerra civil
nas imediações de agências bancárias. A Faria Lima e a Bolsa alucinadas.
Parentes iam aos advogados exigindo recuperação financeira com solicitações do
dinheiro bloqueado pelo Collor, exigindo revisão de vida na Previdência, fim
dos juros nos cartões, baixa da Selic nos juros. Parte lamuriava, inconsolável:
não tenho nenhum morto querido nesta cidade. Cemitérios foram saqueados, covas
abertas, vinham esqueletos de décadas, pedaços de braço com a mãos empunhando
canetas, prontas para assinar. Circo de horrores.
Todos procuravam um meio de chegar a um
posto, se inscrever, pegar o que desse, levando seu ente querido nos braços,
nas costas, em carrinhos de mão. Muitos se remoíam, parentes que poderiam
render estavam mortos. Foram pedidas exumações. Buzinação, sirenes, carros de
som, ambulâncias paralisadas, portas de aço baixadas. Filas gigantescas levando
parentes para assinar com uma caneta amarrada na mão. Todos aos gritos: estou
aqui há quatro semanas, sabe se chamaram minha senha? Há quantos meses o senhor
espera? Você pagou para passar à frente? Já tem mercado paralelo? Na terceira
semana, estava o País imobilizado. E as filas empurradas pelos parentes.
Apareceram vendedores de água, refrigerantes, sanduíches, sucos. Começaram a se
engalfinhar, socos, facas, polícia chegava (sem câmeras, claro) e tentava
empurrar a massa. Para onde? Não havia em nenhum ponto do País, um só espaço.
Gente desmaiava, pisoteada.
Lamentos, choros, desesperos, cabelos
arrancados, “meu tiozinho, minha madrinha, minha amante!”. “Me deem o dinheiro,
eles estão prontos para assinar.” Gasolina faltou em todos os postos. Há meses,
acampados esperam sua senha ser chamada. O País está paralisado, há falta de
água, comida, energia elétrica, gasolina, carne, inteligência artificial. Todos
esperam pela ressurreição dos mortos pra leválos aos bancos. E o Lira e o
Pacheco rindo à socapa.
Todo mundo querendo um morto-vivo pra chamar de seu.
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