Valor Econômico
Antes das redes sociais, nossa consciência
das necessidades da vida tinha outros valores de referência, que eram valores
sociais próprios da condição humana
Na entrega do anteprojeto do novo Código
Civil ao Congresso Nacional, o ministro Alexandre de Moraes referiu-se a
variadas transformações ocorridas na sociedade brasileira, novos tipos de
contratualidade social, que o tornam necessário. Ressaltou “a questão de
costumes, novas relações familiares, novas modalidades de se tratar das
questões do direito de família e sucessões, a tecnologia, a inteligência
artificial, novas formas de responsabilidade civil”.
Ele poderia ter arrolado muitas outras modalidades de relacionamento que expressam a realidade atualizada do país e sofreram câmbios significativos. Aos olhos dos mais antigos, bloqueados no meio do caminho das mudanças, a sociedade está tomada por crescentes anomalias, até mesmo inaceitáveis para muitos.
Uma ideologia repressiva e punitiva, de cada
vez mais numerosas pessoas, já domina a formação de partidos e de bancadas
partidárias nas casas do Congresso; domina novas “religiões” e até mesmo
disfarça religiões em partidos políticos, o que viola a Constituição e as leis.
Um conjunto extenso de metamorfoses sociais tornou a sociedade brasileira
disfuncional e patológica.
As redes sociais tornaram-se não só poderosos
instrumentos de difusão cultural e de democratização do conhecimento. Mas, ao
mesmo tempo, diluíram e mistificaram a consciência crítica e reveladora dessas
graves anomalias e transformações. O anormal passou a fazer parte da
normalidade. A anomalia passou a ser concebida como um direito em nome do
direito à liberdade de opção, mesmo que antissocial. O que motivava estranheza
e repulsa tornou-se ódio, base ideológica de um programa de mudança para não
mudar.
Sociedades atrasadas mudam relativamente
depressa por impulso de fatores invisíveis. As causas da mudança eficaz que nos
move mais rapidamente nem mesmo estão aqui. E as que estão aqui só muito
lentamente se transformam em motivação e fator das mudanças sociais e políticas
que carecemos. Estamos sempre em atraso com nossos carecimentos.
O desenvolvimento das tecnologias das redes
sociais e a rapidez de sua disseminação são acompanhados pelo dedo indicador,
mas não o são pelo cérebro, pela cultura e pela consciência. Esse descompasso
abriu caminho para o poder de manipulação das consciências, à qual chegam os
aproveitadores dessa fragilidade muito mais depressa do que o bom senso.
A criminalidade econômica, a política e a
religiosa acrescentam-se rapidamente ao elenco de criminalidades que já
ameaçavam as sociedades antes das redes sociais. O crime se moderniza antes da
modernização da Justiça e o elenco de criminosos se dilata.
Há também as categorias sociais que não só
não mudaram como radicalizaram suas antiquadas concepções de vida e dos valores
que lhes são referências. Temos saudade do que nunca fomos, queremos voltar
para onde nunca estivemos.
É o caso dos militares, cuja organização é
estamental, de um passado que nunca teve um lá adiante atualizado à luz das
mudanças sofridas pela sociedade, como se não fizessem parte dela. São movidos
por carências suas e não da sociedade.
Já na ditadura militar, mas também
recentemente, no bolsonarismo, deram evidentes indicações de grande dificuldade
para aceitar e reconhecer as significativas mudanças sociais e políticas que
iam na direção até mesmo de uma nova concepção de democracia. Socializados para
fazer a guerra contra uma sociedade de inimigos imaginários, têm agido no
sentido de reduzir a sociedade brasileira aos limites de uma cultura
autoritária de quartel.
Também querem a volta a um passado que não
houve, os grupos que encontraram nas religiões antidemocráticas e não só
fundamentalistas mais do que um refúgio contra as tentações de satanás, uma
fortaleza da mentalidade de guerra que os motiva. São os de religiões
antirreligiosas de enquadramento dos pobres de espírito, que nas religiões do
poder se sentem seguros contra as crescentes incertezas do mundo. Insurgem-se
contra a necessidade de modernização das mentalidades.
Antes das redes sociais éramos felizes não
porque delas não carecíamos. Nossa consciência das necessidades da vida tinha
outros valores de referência, que eram valores sociais próprios da condição
humana. Havia uma consciência clara do que era ser gente e do que não o era.
Não sabíamos que éramos felizes porque nos
bastava a esperança do que éramos. Hoje achamos que somos felizes com o mundo
fantasioso das redes sociais, mas já não sabemos o que somos. Elas
desumanizaram o nosso mundo e o liquefizeram. Usurparam-nos a consciência da
esperança. Trocaram nossa consciência possível por uma consciência meramente
provável, o destino de todos como um mero e cinzento talvez.
Muito esclarecedor. Tínhamos necessidades tão claras e objetivas. Vamos compartilhar essa lucidez para lembrarmos quem éramos e quem podemos voltar a ser.
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