sábado, 6 de abril de 2024

José Pastore* - A inteligência artificial e o seu emprego

Correio Braziliense

A IA destrói e cria oportunidades de trabalho. Por isso, o mais importante é saber em que medida os seres humanos serão capazes de executar os nascentes trabalhos modernos

As notícias sobre o impacto destrutivo da inteligência artificial (IA) no emprego são cada vez mais alarmantes. "Perguntado", o ChatGPT-4 indicou cerca de 80 profissões que estariam com os dias contados. Fisioterapeutas, engenheiros civis e controladores de tráfego aéreo teriam uma sobrevida de 60 meses. Meteorologistas, gestores de energia e educadores físicos, 48 meses. Farmacêuticos, corretores de imóveis e contadores, 36 meses. Agentes de viagem, 12 meses. Atendentes de telemarketing, seis meses. Para aquele Chat, algumas profissões já teriam morrido — tradutor, redator e revisor de textos.

Ao lado disso, porém, há muitas notícias sobre o surgimento de inúmeras novas ocupações em decorrência do uso da IA. É o caso dos criadores de sites, "destiladores" de dados, "treinadores" de algoritmos, tradutores de bits para áudio, planejadores de viagens customizadas, supervisores de sistemas automáticos de controle de qualidade e outras.

Não há dúvida. A IA destrói e cria oportunidades de trabalho. Por isso, o mais importante é saber em que medida os seres humanos serão capazes de executar os nascentes trabalhos modernos.

Um estudo recente mostrou que os países avançados estão mais sujeitos à destruição de empregos porque grande parte deles engloba atividades intelectualizadas que a IA pode substituir — contador, advogado, jornalista, tradutor etc. Nos países em desenvolvimento, Brasil inclusive, a grande maioria dos empregos é ancorada em atividades pouco intelectualizadas e de difícil substituição por IA, como são os cozinheiros, zeladores, motoristas, massagistas etc.

Isso posto, seria razoável esperar menores estragos no Brasil do que nas economias avançadas. Falso. No Brasil, o risco de a IA destruir empregos é menor, mas a nossa capacidade para requalificar as pessoas para as novas oportunidades de trabalho é limitada. Nas nações desenvolvidas, dá-se o inverso.

Por um bom tempo, dois terços dos nossos empregos continuarão ancorados em atividades pouco intelectualizadas. Mas, no um terço restante, a entrada da IA será mais acelerada. É aí que surgirão os grandes problemas. Aliás, alguns já estão ocorrendo. Em várias áreas de trabalho mais sofisticado, há falta de pessoal qualificado. A precária educação oferecida para a maioria dos brasileiros é o grande entrave.

A recente aprovação do Projeto de Lei 5.230/2023, que reestrutura o ensino médio, é uma esperança. Além de uma boa carga das disciplinas básicas, os adolescentes receberão capacitação em tecnologias ligadas a linguagem, matemática, ciências naturais e ciências humanas.

Mas nada disso é automático. A execução desse plano é infinitamente mais difícil do que a sua aprovação como lei. Para tanto, será preciso determinação, conhecimento da evolução tecnológica e uma boa estimação da demanda. Nesse ponto, tenho grande preocupação com a possibilidade de aprovação do PL 235/2019, que prevê a gestão da educação no Brasil atrelada a entidades de interesse corporativo. Por esse projeto de lei, as atividades do novo Sistema Nacional de Educação serão formuladas por dezenas de dirigentes sindicais, associações de alunos e representantes políticos.

Nada mais desconcertante para um país que precisa ter boa pontaria e muita objetividade na preparação dos seus cidadãos para o novo mundo do trabalho. Sugiro ler atentamente esse projeto de lei que já foi aprovado pelo Senado Federal e aguarda a apreciação da Câmara dos Deputados. Envie a sua opinião aos parlamentares. Madison dizia que a democracia se constrói elegendo e controlando os governantes. 

*Professor da FEA-USP, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia Paulista de Letras

 

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