Correio Braziliense
O Congresso pretende reduzir os impostos e
exigir do governo que corte gastos, desde que não sejam com as emendas
parlamentares ao Orçamento
Depois de um almoço com o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre
Padilha, voltou a defender a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de
entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal
Federal (STF) contra a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da
economia e municípios com até 158 mil habitantes. Argumenta que não há previsão
de receitas para reduzir as alíquotas de contribuição para a Previdência.
A regra permitiria que empresas de 17 setores substituam a contribuição previdenciária, de 20% sobre os salários dos empregados, por uma alíquota sobre a receita bruta do empreendimento, que varia de 1% a 4,5%, de acordo com o setor e serviço prestado. Estima-se que a medida pode gerar 8,9 milhões de empregos formais diretos, além de outros milhões de postos de trabalho na cadeia produtiva dessas empresas.
Os setores beneficiados são a indústria
(couro, calçados, confecções, têxtil, proteína animal, máquinas e
equipamentos); os serviços de tecnologia (TI e TIC, call center, comunicação);
os transportes (rodoviário de cargas, rodoviário de passageiros urbano e metro
ferroviário); e a construção civil e pesada. As prefeituras de municípios até
158 mil habitantes seriam beneficiadas por uma redução de 20% para 5% da folha
de pagamento. A desoneração valeria até 31 de dezembro de 2027, quando entrar
em vigar a Reforma Tributária.
A decisão do governo provocou forte reação do
presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que recorreu ao
plenário do Supremo, mas a votação está 5 x 0 a favor da liminar que suspendeu
as desonerações. O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro
Luiz Fux. Há amplo apoio nos meios empresariais, políticos e sindicais às
desonerações.
A Advocacia do Senado alega que a lei não
poderia ter sido anulada por decisão monocrática do ministro Cristiano Zanin.
De acordo com o documento, não há criação de novas despesas em relação à
desoneração desses setores, que fora adotada durante o governo Dilma Rousseff,
em 2011, como medida para combater a recessão.
Segundo Pacheco, o Congresso aprovou leis que
aumentaram em R$ 80 bilhões a arrecadação do governo, o que não justificaria a
cobrança feita por Haddad de que o Congresso deveria ter mais responsabilidade
fiscal. Esse valor cobriria em muito os R$ 10 bilhões/ano referentes à
desoneração dos municípios.
O Congresso, de fato, aprovou várias leis que
aumentaram a arrecadação: voto de Minerva Carf, apostas esportivas, offshores,
fundos exclusivos, subvenções de ICMS e o arcabouço fiscal. E aprovou uma lei
que veda cancelamento de legislação do Congresso por decisão individual de
ministros do Supremo, sem apoio da maioria absoluta dos membros do STF. Além
disso, o Congresso e a Procuradoria-Geral da República (PGR) também deveriam
ter sido ouvidos antes da decisão de Zanin.
Prerrogativas
Há três dimensões no embate entre o governo e
o Congresso. A primeira, por óbvio, é o fato de que o governo foi
fragorosamente derrotado no Congresso, com a derrubada dos vetos de Lula por
esmagadora maioria. Ao não aceitar a derrubada dos vetos, o governo força a
barra para disputar em “terceiro turno”. Embora exista a prerrogativa
institucional de o presidente da República recorrer ao Supremo sempre que
julgar uma decisão do Congresso inconstitucional, ganhando ou perdendo, haverá
um custo político para isso.
A segunda dimensão é o fato de que o
Congresso não tem compromisso com o equilíbrio fiscal pelo lado da receita. O
que significa isso? A maioria dos deputados e senadores tem muita dificuldade
para votar a favor de aumento de impostos, ao mesmo tempo em que não tem
nenhuma para aumentar os gastos. O governo quer aumentar impostos para gastar
mais com seus programas sociais e as obras do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC). O Congresso pretende reduzir os impostos e exigir do governo
que corte gastos, para manter o equilíbrio fiscal, desde que não sejam com as
emendas parlamentares ao Orçamento.
A terceira dimensão é a “judicialização” da
relação entre o Executivo e Congresso. O protagonismo do STF bateu no teto em 8
de janeiro, quando houve a invasão dos palácios da Praça dos Três Poderes. O
amplo apoio que obteve contra os golpistas, que estão sendo investigados,
presos e condenados, foi resultado de um amplo movimento em defesa da
democracia, no qual o Congresso teve um papel decisivo.
Esse apoio não se aplica à toda a agenda do
próprio Supremo, como nas questões do marco temporal, da Lei do Aborto e da
legislação penal. Nesses assuntos, o STF enfrenta forte oposição conservadora
ao seu papel contramajoritário, em razão dos direitos individuais e das
minorias. Mas precisa tomar cuidado em relação às decisões monocráticas de seus
ministros, muitas delas contraditórias e desgastantes do ponto de vista ético —
quando o assunto são decisões e prerrogativas do Legislativo, está escrito nas
estrelas que haverá uma reação do Congresso. Isso é leite derramado.
Sei.
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