CartaCapital
Será que os investidores estão em pânico, ou
apenas no exercício da sua peculiar racionalidade?
A política econômica do governo Lula sofre
implacáveis constrangimentos emanados dos poderes dos mercados financeiros. As
lendas mercadistas não cessam de afirmar a natureza “técnica” das postulações
dos operadores de mesa e de seus economistas.
A experiência histórica desmente os
preconceitos que insuflam os sabichões mercadistas a desconsiderar as relações
de poder envolvidas na assim chamada “Ciência Econômica”. No livro Power,
publicado em 1938, o filósofo e matemático Bertrand Russel observou: “A
economia como uma ciência separada é irrealista e enganosa se tomada como um
guia na prática. É um elemento – um elemento muito importante, é verdade – num
estudo mais amplo, a ciência do poder.”
No estouro da crise financeira de 2008, as maledicências sobre economistas, suas teorias, crenças e previsões corriam soltas, à velocidade da peste nos centros financeiros do mundo. Mas, passado o susto, os que fracassaram em suas antecipações já sobem o tom de suas arrogâncias e voltam a trovejar suas cambaleantes sabedorias.
A reputação dos economistas e o prestígio de
sua arte de antecipar tendências variam na mesma direção dos ciclos do velho,
resistente, mas talvez nem tão surpreendente capitalismo. Quando os negócios
vão bem, as previsões mais otimistas são ultrapassadas por resultados
formidáveis. É a festança dos consultores: o noticiário da mídia não consegue
oferecer espaço suficiente para os profetas e oráculos da prosperidade eterna.
Na era da informação a coisa é ainda pior: em tempo real, os meios eletrônicos
regurgitam uma fauna variada de palpiteiros e adivinhões. Todos, ou ao menos a
maioria, tratam de insuflar a bolha de otimismo.
Quando desabou a tormenta, as certezas dos
analistas mais certeiros entraram em colapso. Em pleno estado de oclusão mental
diante da derrocada dos preços dos ativos e da violenta contração do crédito,
um gênio da finança global proclamava na televisão: “Os investidores são
racionais, mas estão em pânico”. Imaginamos que antes da emboscada do subprime
e de outros créditos alavancados, os investidores racionais estivessem apenas
no exercício de sua peculiar racionalidade.
O filósofo Franco Bifo Berardi faz uma
investida ainda mais dura contra as cidadelas do cientificismo econômico
contemporâneo. “Os economistas não conseguem inferir nenhuma lei com base na
observação da realidade, já que preferem, em vez disso, que a realidade se
harmonize com as leis inventadas por eles. Como consequência, eles não
conseguem prever absolutamente nada, como a experiência tem mostrado nos
últimos três ou quatro anos. Por fim, os economistas não conseguem compreender
o que está acontecendo quando há mudança de paradigma social: eles se recusam
veementemente a redefinir suas estruturas conceituais.”
Diante da recente desvalorização do real, as
vozes de sempre descarregaram as culpas sobre os ombros do “risco fiscal”,
exibido como um pecado irremissível. Ignoram que países de moeda não
conversível, como o Brasil, se dilaceram entre o objetivo de manter a inflação
sob controle e o propósito de não danar o “arcabouço” de geração de renda e
emprego.
Para compreender as insuficiências que
machucam o paradigma dominante no debate econômico de nossos tempos, vou
relembrar uma citação de Willem Buiter. Na aurora da crise financeira, Buiter,
ex-membro do Comitê de Política Monetária do Banco da Inglaterra, hoje
economista-chefe do Citigroup, apontou as armas da crítica na direção dos
sistemas financeiros “intrinsecamente disfuncionais, ineficientes, injustos e
regressivos, vulneráveis a episódios de colapso”, um exemplo de “capitalismo de
compadres”, sem paralelo na história econômica do Ocidente. “É uma questão
interessante, para a qual não tenho resposta… Não sei se os que presidiram e
contribuíram para a criação e operação (desse sistema) eram ignorantes,
cognitivamente e culturalmente capturados ou, talvez, capturados de forma mais
direta e convencional pelos interesses financeiros.”
Imagino que Buiter poderia buscar resposta à
sua instigante perplexidade ao consultar a A Psicologia das Massas, de Sigmund
Freud. “A massa é extraordinariamente influenciável e crédula; é
desprovida de crítica; para ela, o improvável não existe. Ela pensa por imagens
que se evocam associativamente umas às outras, tal como ocorre ao indivíduo nos
estados do livre fantasiar, e nenhuma instância razoável afere sua
correspondência com a realidade. Os sentimentos da massa são sempre muito
simples e bem exagerados. Assim, a massa não conhece nem a dúvida nem a
incerteza. Ela vai logo ao extremo; a suspeita manifestada logo se transforma
em certeza irrefutável, um germe de antipatia transforma-se em ódio selvagem.”
*Publicado na edição n° 1308 de CartaCapital,
em 01 de maio de 2024.
Não sei se é o caso do articulista, mas deve ser duro viver em um sistema no qual durante a maior parte da sua vida você professou contra ele. Foram toneladas de livros cujos autores profetizaram o fim do capitalismo, mas ele, sempre dando um jeitinho, continua dando o ar da sua graça. E aqueles que se arvoravam em suas leis " científicas " alicerçadas em pensadores como Marx, continuam a dar murros em ponta de faca. Depois os outros é que são os crentes e integram as massas. Enfim.
ResponderExcluirMuito bom o artigo. Um sistema que permite (ou até ESTIMULA) o assassinato de 15 mil CRIANÇAS PALESTINAS em meio ano pela única (suposta) DEMOCRACIA da região realmente deve ser "parabenizado".
ResponderExcluir