quarta-feira, 17 de abril de 2024

Martin Wolf - Sombra da guerra cobre a economia

Valor Econômico

Desempenho econômico no curto prazo tem sido surpreendentemente bom, mas governos pisam em ovos

A decisão do Irã de intensificar seu conflito com Israel ao lançar uma série de mísseis e drones armados aumenta os riscos de uma guerra aberta entre os dois países, possivelmente provocando um envolvimento ainda mais próximo dos Estados Unidos. Não é segredo, afinal, que Benjamin Netanyahu, o assolado primeiro-ministro de Israel, há muito deseja destruir o programa nuclear do Irã. Alguns nos EUA sentem o mesmo. Esta não seria a chance dos linha-dura?

Em artigo publicado em outubro de 2023, argumentei que uma escalada como essa era o principal perigo que o ataque assassino do Hamas a Israel representava para a economia mundial. Mesmo com a “intensidade” de uso do petróleo na economia mundial tendo diminuído em mais da metade nos últimos 50 anos, o petróleo continua sendo uma fonte fundamental de energia. Qualquer interrupção mais séria no fornecimento teria grandes repercussões econômicas adversas.

Além disso, o Golfo Pérsico é de longe o produtor de energia mais importante do mundo. Segundo a Revisão Estatística de Energia Mundial (SRWE, na sigla em inglês) de 2023, a região contém 48% das reservas comprovadas no mundo e produziu 33% do petróleo mundial em 2022. Ainda pior, conforme a Agência de Informações sobre Energia dos EUA (EIA), 20% do suprimento mundial de petróleo passou pelo Estreito de Ormuz, na parte inferior do Golfo Pérsico, em 2018. Este é o gargalo do suprimento global de fontes de energia. Uma guerra entre Irã e Israel, possivelmente envolvendo os EUA, poderia ser devastadora.

Os responsáveis pela economia mundial reunidos em Washington nesta semana para as reuniões do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial são espectadores: podem apenas nutrir a esperança de que os conselhos mais sensatos prevaleçam no Oriente Médio. Se o desastre realmente for evitado, como ficaria a economia mundial?

Sobre este assunto, como de costume, o Panorama da Economia Mundial (WEO, na sigla em inglês), do FMI, traz esclarecimentos. Não porque suas previsões possam necessariamente vir a estar corretas. Se algo grande acontecesse, elas, sem dúvida, não estariam. Ainda assim, elas nos dão uma visão sistemática sobre em que situação o mundo está agora.

Principais lições deste relatório do FMI são o recente e surpreendente desempenho econômico, a não ser, de forma preocupante, nos países de baixa renda, junto com uma grande desaceleração no longo prazo, em parte em razão da queda no crescimento da produtividade

Em poucas palavras, como Pierre-Olivier Gourinchas, o economista-chefe do FMI, explica em sua introdução, o desempenho recente da economia mundial tem sido notavelmente melhor do que se temia, apesar dos choques na produção e na inflação provocados pela pandemia, do ataque da Rússia à Ucrânia, do aumento nas cotações das commodities e do forte aperto na política monetária. Como ele observa, “apesar de muitas previsões sombrias, o mundo evitou uma recessão, o sistema bancário mostrou-se em grande medida resiliente, e grandes economias emergentes e em desenvolvimento não sofreram paradas repentinas” nas finanças. De forma notável, o aumento da inflação não desencadeou uma espiral de preços-salários descontrolada. Em termos gerais, a economia mundial se mostrou mais flexível e as expectativas de inflação, mais bem ancoradas do que muitos imaginavam. Isso é uma boa notícia.

É digno de nota que o crescimento acumulado da produção em 2022 e 2023 superou as previsões de outubro de 2022 do FMI para a economia mundial e para todos os agrupamentos significativos dentro dela, exceto, de forma crucial, para os países em desenvolvimento de baixa renda (LIDCs). O mesmo ocorreu com o emprego, a não ser na China e, novamente, nos LIDCs. A economia dos EUA tem se mostrado particularmente sólida, embora a da região do euro, bem menos.

Uma questão interessante é saber por que o aperto monetário teve tão pouco efeito na atividade. Uma explicação é que a política fiscal trouxe sustentação, em especial nos EUA. Outra é que, em razão da inflação alta, as taxas de juros reais caíram, em vez de aumentar. Agora, isso vem mudando. Mais uma explicação é que uma alta porcentagem das hipotecas tem taxas pré-fixadas: houve um aumento particularmente grande dessa proporção no Reino Unido. Além disso, o forte crescimento da poupança na pandemia ajudou a financiar os gastos. Isso, porém, está chegando ao fim. Políticas monetárias contracionistas ainda podem ter um impacto defasado considerável.

Embora o desempenho de curto prazo da economia mundial tenha sido surpreendentemente bom, o desempenho de longo prazo seguiu o rumo oposto. Desde os primeiros anos deste século, têm ocorrido declínios acentuados no crescimento do PIB real per capita em todo o mundo. O colapso no crescimento da “produtividade total dos fatores” (PTF) - a melhor medida de inovação - tem sido particularmente significativo. Nos LIDCs, o crescimento da PTF até ficou negativo entre 2020 e 2023.

A desaceleração no crescimento da PTF foi responsável por mais da metade do declínio geral no crescimento. Segundo o WEO, a crescente má alocação do capital e do trabalho pelas empresas como um todo nos mais variados setores explicou grande parte dessa desaceleração. É possível mudar esse quadro. No entanto, não será fácil fazê-lo. Uma razão para essa desaceleração provavelmente é a perda de dinamismo no comércio mundial, que é sempre uma forte fonte de competição.

As principais lições deste relatório do FMI, portanto, são o recente desempenho econômico surpreendentemente forte, a não ser, de forma preocupante, nos LIDCs, juntamente com uma grande desaceleração no crescimento de longo prazo, em grande parte em razão da desaceleração no crescimento da produtividade da economia como um todo. No entanto, é desnecessário dizer que também existem grandes incertezas.

No lado positivo, podemos ver uma intensificação temporária no afrouxamento fiscal relacionado às eleições. Surpresas positivas, especialmente na oferta de mão de obra, podem acelerar ainda mais a queda na inflação. A inteligência artificial pode proporcionar um surpreendente choque positivo para um crescimento da produtividade, em termos gerais, baixo. Reformas bem-sucedidas também poderiam acelerar o crescimento do produto potencial.

No lado negativo, entretanto, o crescimento da China poderia ter forte desaceleração. Também existem riscos mais do que evidentes para a estabilidade financeira, fiscal, política e geopolítica mundial. O comércio internacional poderia ser abalado pelo protecionismo. Uma guerra de Israel e dos EUA contra o Irã poderia incendiar o Oriente Médio, com imensas consequências para os preços da energia e das commodities. As maiores vítimas de tal caos seriam, como de costume, os mais pobres.

Talvez tenhamos gerenciado os choques melhor do que o esperado. Mas estamos pisando em ovos e precisamos nos mexer com cuidado. (Tradução de Sabino Ahumada)

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