O Globo
Ainda há tempo de evitar nova crise
institucional, para que a atitude do governo não se confirme como uma afronta
política ao Parlamento
O voto monocrático do ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin, bloqueando a decisão do Congresso de
desonerar a folha de pagamentos de empresas de 17 setores da economia, revela
uma tabelinha entre Executivo e Judiciário que há muito vinha sendo cultivada
pelo presidente Lula. O Legislativo aprovou a prorrogação com apoio da ampla
maioria dos parlamentares, inclusive de boa parte da base aliada, mas o
Executivo vetou. Veto que foi derrubado sem qualquer dificuldade, mas, mesmo
assim, o Executivo voltou à carga, editando, em pleno recesso, uma medida
provisória para reonerar a folha, insistindo em afrontar a vontade dos
legisladores.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um dos apoiadores mais consistentes do governo, anotou que a medida provisória foi editada após a aprovação de temas importantes da agenda econômica proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Alguns aspectos, fundamentais, só entrariam em vigor meses depois, o que parecia indicar a vontade de ganhar tempo para negociar com o Congresso.
Mas a Advocacia Geral da União (AGU) pegou de
surpresa os parlamentares ao protocolar uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) no STF no dia 24, às 14:03h, assinada pelo
presidente Lula. No final da tarde, ela foi distribuída por prevenção ao Ministro
Zanin. No dia seguinte à tarde, foi concedida a liminar, e um dia depois se
iniciou o julgamento no plenário virtual. Pouco mais de 48 horas após o
protocolo, e 24 horas depois de o relator receber a ação, já havia 4 votos
acompanhando o relator: ministros Flavio Dino, Gilmar Mendes, Luis Roberto
Barroso e Edson Fachin.
A rapidez da tramitação, a definição do
relator, e os primeiros votos antes que o ministro Luis Fux pedisse vista,
paralisando a votação no plenário virtual, esse conjunto da obra está dando a
impressão aos senadores de que tudo estava combinado entre eles. A ação foi
distribuída por prevenção com base na suposta existência de conexão com a ADI
nº 7.587, ajuizada pelo Partido Novo. No entanto, tais ADIs têm objetos
distintos.
A própria AGU reconheceu nos autos da ADI nº
7.587 que a ação perdeu seu objeto em relação à reoneração. Para forçar uma
prevenção, a AGU inseriu nesta nova ADI um pedido de declaração de
constitucionalidade justamente daquelas disposições da MP que ainda estão em
vigor. O correto seria a ação ter ido à livre distribuição, por sorteio, entre
os 10 ministros da Corte, atendendo ao princípio do juiz natural. Só assim a
sociedade teria certeza de que não foi “escolhido” um ministro para o
julgamento do assunto.
A base da nova ADI, além do mais, é
equivocada, pois não houve aprovação de novo benefício fiscal, não sendo,
portanto, necessário indicar a proveniência do dinheiro, que já está previsto,
pois a desoneração vigora há mais de 10 anos. O próprio STF, quando no governo
Bolsonaro a AGU questionou a prorrogação da desoneração, discordou dessa tese,
e o então ministro Ricardo Lewandowski não acolheu a liminar pleiteada.
Além disso, estudo dos impactos tributários
durante a tramitação do projeto de lei que prorrogou a política de desoneração
da folha de pagamentos dos diversos setores até 31/12/27 mostra que não há
impacto financeiro na prorrogação. O impacto na arrecadação foi estimado em R$
9,4 bilhões, mas o efeito positivo da desoneração é da ordem de R$ 10 bilhões,
pelos mais de 600 mil empregos gerados em 2022 com arrecadação de tributos dos
17 setores desonerados. Portanto, não há fundamento para a declaração de inconstitucionalidade
da desoneração.
O Congresso, através de seu presidente,
Rodrigo Pacheco, entrou com um recurso no próprio Supremo, enquanto o
julgamento está suspenso pelo pedido de vista do ministro Luis Fux. Ainda há
tempo de evitar nova crise institucional, para que a atitude do governo não se
confirme como uma afronta política ao Parlamento.
Sei.
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