quarta-feira, 17 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Mudança na meta fiscal dificulta rota do crescimento

O Globo

Governo põe em xeque credibilidade das regras que ele próprio criou e encarece investimento no Brasil

Logo depois de assumir, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parecia ficar ofendido quando questionado sobre seu comprometimento com a responsabilidade fiscal. Citava os números das administrações anteriores como garantia. No ano passado, o governo aprovou no Congresso um novo arcabouço fiscal, com o compromisso de zerar o déficit público neste ano, entregar um superávit de 0,5% no ano que vem e de 1% em 2026. Nesta semana, menos de um ano depois, as metas foram afrouxadas. A de 2025 agora é zero. Para 2026, 0,25%. A deste ano segue sendo zero, mas ninguém sabe se será mesmo mantida ou cumprida. Em resumo, o governo empurrou o problema de estabilizar a dívida pública para a próxima administração.

Contas públicas envolvem cifras bilionárias, mas não escapam de uma regra básica: enquanto o gasto for maior que a arrecadação, a dívida crescerá. Pelos cálculos do Tesouro, ela chegará ao pico em 2027, em 79,7% do PIB. Poucos no mercado concordam. As projeções giram ao redor de 86% em 2030. A escalada fica evidente quando se lembra que, em 2022, a dívida correspondia a 71,7% do PIB. Hoje está em 75,6%. Desde a posse de Lula, o Brasil já deve quase R$ 1,1 trilhão a mais, praticamente o triplo da alta no primeiro ano sob Jair Bolsonaro. O descompasso com o restante do mundo é patente. No ano passado, a média da dívida entre os emergentes foi de 68,3% do PIB.

O histórico do governo desde que assumiu não dá margem a otimismo. A tentativa de ajustar as contas públicas se concentrou no aumento da arrecadação, cobrando mais impostos. É preciso dar crédito ao Congresso, solidário em várias das iniciativas, muitas justificáveis. Mas a estratégia se exauriu. De agora em diante, dificilmente haverá apoio político para o governo criar mais impostos ou aumentar os existentes. Diante disso, era esperado que apresentasse um plano consistente para cortar gastos na medida necessária.

Inúmeros sinais mostram que não é a intenção do Planalto. O último foi a decisão de antecipar um gasto extra de R$ 15,7 bilhões. Por iniciativa da Casa Civil, a Câmara promoveu a primeira alteração nas regras do arcabouço fiscal, para liberação de recursos a que o governo teria direito a partir de maio se a arrecadação se mantiver em alta. Embora o Senado ainda precise votar, a aprovação é dada como certa.

O Brasil é um país com demandas sociais imensas. Quem ocupa a Presidência tem sempre promessas a cumprir. O calendário da política impõe medidas imediatas. Mas tudo isso não exime o governo de buscar objetivos de bem-estar para a maioria no longo prazo. A responsabilidade fiscal é pré-requisito para o Brasil manter taxas elevadas e sustentadas de crescimento, com aumento de renda e emprego.

Quanto mais o Estado deve, maior a dúvida sobre sua solvência. Assim que foi anunciada a mudança nas metas fiscais, os juros de longo prazo subiram, afastando o objetivo de elevar a taxa de investimento na economia (que foi de 16,5% no ano passado, ante uma necessidade em torno de 25%). Já devíamos ter aprendido que a visão de curto prazo pode trazer alívio imediato, para, em seguida, os problemas voltarem com força. O país precisa aumentar os investimentos. Isso depende da confiança no governo. Para haver queda nos juros de longo prazo, a dívida pública precisa ser reduzida. Isso demanda coragem para cortar gastos. Esse é o caminho, não existe mágica.

Lula enfrenta pressão de aliados com invasões do MST e greve universitária

O Globo

Movimentos historicamente ligados ao PT aproveitam proximidade para promover onda de reivindicações

Não bastassem a queda na popularidade e os desafios econômicos, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta pressão de sua própria base de apoio. Depois de ficar numa espécie de hibernação ao longo dos quatro anos do governo Jair Bolsonaro, o MST acaba de deflagrar, pelo segundo ano consecutivo, sua agenda de invasões conhecida como “Abril vermelho”. Ao mesmo tempo, professores de universidades, institutos e centros de ensino técnico federais — outro bastião histórico do PT — aderiram a uma greve nacional por aumentos salariais. Tanto os sem-terra quanto os professores acreditam que a oportunidade de sucesso é maior porque Lula está no poder.

O MST informou ter invadido na semana passada 24 propriedades, entre elas uma área de pesquisa da Embrapa, já ocupada no ano passado. É um contrassenso prejudicar o trabalho do laboratório público, maior responsável pelo avanço do agronegócio e da agricultura familiar. Na segunda-feira, Lula reagiu. Lançou o programa Terra da Gente, para “ampliar e dar celeridade ao acesso à terra”. “É uma forma nova de a gente enfrentar um velho problema. Isso não invalida a luta pela reforma agrária, mas queremos mostrar ao Brasil o que pudemos utilizar sem muita briga, isso sem querer pedir para alguém deixar de brigar”, afirmou numa tentativa de equilibrar interesses.

Ao mesmo tempo que agrada aos antigo aliados do MST, Lula precisa do apoio da bancada ruralista no Congresso para aprovar seus projetos. Estão previstos churrascos na Granja do Torto com produtores rurais, viagens a estados em que o agronegócio tem peso e visitas a obras do PAC em áreas de produção agrícola. Esses gestos têm grande importância para um governo com dificuldades de conviver com um Congresso conservador.

A greve dos professores das instituições federais foi deflagrada uma semana depois de a ministra da Gestão, Esther Dweck, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, terem decidido que neste ano não haverá aumento para servidores públicos. Dweck adiantou apenas que está em estudos reajuste de mais de 19% até 2026, quando acaba o mandato de Lula.

Os professores reivindicam aumento de 22%, dividido em três parcelas anuais. Também fazem uma exigência clássica do sindicalismo no setor público: a equiparação de benefícios e auxílios com os servidores do Legislativo e do Judiciário. É na busca por equiparações entre categorias diversas que o funcionalismo escala para níveis salariais acima do razoável e dos praticados no setor privado.

A greve dos professores universitários ocorre no momento em que o governo anuncia o afrouxamento de sua política fiscal, um estímulo evidente a reivindicações de toda sorte, de olho nos novos gastos. Das invasões de terra e da greve de docentes de instituições federais de ensino, restam mais dificuldades para o Planalto se aproximar do agronegócio, como deseja, prejuízos aos estudantes e à própria imagem dos professores e das universidades, já deteriorada diante da sociedade.

Economia oscila entre o medíocre e o arriscado

Folha de S. Paulo

Relaxamento de meta fiscal confirma recusa de Lula em rever gastos, o que limita expansão do PIB e torna país vulnerável

O afrouxamento precoce das metas para os resultados das contas do Tesouro Nacional não surpreendeu ninguém. Na verdade, nem mesmo se acredita que as novas metas serão cumpridas.

Nesse sentido, tampouco há alteração imediata e substantiva das expectativas para o desempenho econômico do país —que, conforme o ponto de vista, oscilam entre o estável, o medíocre e o arriscado.

Pela leitura mais favorável, o Brasil parece a salvo de desastres no horizonte visível. Espera-se um crescimento do PIB em torno dos 2% neste ano e nos próximos; o desemprego caiu a níveis relativamente baixos; a inflação está sob controle; há superávit comercial e abundantes reservas em dólar.

Tal cenário contempla um lentíssimo e duvidoso processo de ajuste do Orçamento. O equilíbrio entre receitas e despesas, que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) promete para este ano e, agora, para o próximo (em vez de superávit), só deve ser alcançado, pelas projeções independentes, em 2028.

Já a dívida pública escalaria dos atuais e já alarmantes 75,5% do PIB para 86,5% em 2031. Só aí, conforme as estimativas mais consensuais hoje, começaria a cair.

Tomar essa perspectiva como aceitável implica, em boa medida, conformar-se com a mediocridade. Se nada for feito, os gastos elevados e o endividamento do setor público continuarão impondo uma espécie de piso para os juros do Banco Central, hoje calculado entre 9% e 10% ao ano.

Esse piso, por sua vez, impõe um teto para o crescimento econômico, que tende a seguir aquém do necessário para a superação da pobreza e da miséria.

Ademais, a calmaria pode ser menos confortável do que aparenta, mesmo no curto prazo. Em março, o Datafolha mostrou que se ampliou a diferença entre os que consideram que a economia piorou (41%) e os que veem melhora (28%). Coincidência ou não, estreitou-se a distância entre a reprovação de Lula (33%) e a aprovação (35%).

A opção petista por mais gasto e déficit público ainda torna o país mais suscetível aos riscos da volatilidade dos humores domésticos e internacionais. É o que se vê agora com a alta do dólar decorrente da expectativa de juros elevados por mais tempo dos EUA, o que dificulta a queda da inflação e dos juros do Banco Central aqui.

Estão longe de afastados os temores de intervenção do Planalto na gestão do BC, que terá novo comando até o início de 2025, e da Petrobras —tudo isso significaria desordem certa na economia.

São perigos a que o país está submetido em razão da recusa em rever a expansão insustentável de despesas, por conveniências políticas ou obsessões ideológicas.

Trump e o impensável

Folha de S. Paulo

Julgamento começa a tornar plausível que um condenado conquiste a Casa Branca

Se um criminoso condenado for eleito presidente dos EUA, a sede do governo deixa de ser a Casa Branca e passa a ser o presídio onde cumpre pena? Ele poderia perdoar a si mesmo para sair da cadeia?

Tais perguntas, que até há pouco tempo teriam ar surrealista, começam a se tornar plausíveis diante da possibilidade de Donald Trump, que responde a quatro processos na Justiça, ser eleito presidente.

A única dessas ações que será certamente concluída antes do pleito de novembro começou a ser julgada nesta semana em Nova York.

Nela, Trump é acusado de ter cometido fraudes contábeis ao pagar uma atriz, com a qual supostamente teve um relacionamento sexual, para ficar calada durante a campanha de 2016 e, assim, evitar um escândalo que afetasse sua imagem.

Remunerar o silêncio de alguém não é em princípio crime, ainda que levante questões éticas. Mas Trump o fez por meio de um esquema em que possivelmente infringiu leis tributárias e de financiamento de campanha.

O problema é que nem a Constituição dos EUA nem a legislação federal colocam grandes empecilhos à eleição de um condenado. Outro detalhe insólito: se for sentenciado, Trump não poderá votar em si mesmo, já que está registrado como eleitor da Flórida, estado que proíbe condenados de votar.

Mais grave, entre as acusações contra Trump, está a de tentar fraudar o sistema eleitoral para não ter de deixar o cargo de presidente.

Uma emenda constitucional introduzida após a Guerra Civil impede pessoas que tenham participado de "insurreições ou rebeliões" de assumir cargos federais.

Mas a Suprema Corte já determinou que esse recurso não é autoaplicável —só poderá ser acionado se o Congresso estabelecer em lei como isso pode ser feito, o que certamente não ocorrerá até o pleito.

Se o cenário com um condenado eleito na Casa Branca se materializar, as questões que surgirem terminarão na Suprema Corte, que tende a favorecer o ex-presidente.

A melhor chance de os americanos se pouparem desses constrangimentos é não reelegerem uma figura tão extremista, divisiva e problemática como Trump.

O papelão do Itamaraty lulopetista

O Estado de S. Paulo

A má-fé da diplomacia do governo Lula ficou explícita na nota pusilânime que o Itamaraty soltou a respeito do ataque do Irã contra Israel, na qual não condenou o agressor

Na hipótese benevolente, a nota pusilânime por meio da qual o governo de Lula da Silva reagiu ao ataque do Irã a Israel no fim de semana passado mostra que a política externa brasileira está entregue a rematados ineptos. Na hipótese mais realista, considerando o alinhamento entusiasmado do Brasil sob Lula ao movimento antiocidental liderado por tiranias diversas, entre as quais o Irã, trata-se de mais uma prova de má-fé da diplomacia lulopetista.

Como se sabe, o Irã atacou Israel diretamente pela primeira vez na história, disparando mais de 300 drones e mísseis. O ataque, frustrado pelo sistema de defesa de Israel e pelo apoio de forças americanas, francesas, britânicas e de alguns países árabes, inaugurou um imprevisível capítulo nos conflitos da região. Por esse motivo, vários governos imediatamente condenaram, sem meias palavras, a agressão iraniana, e é provável que o regime dos aiatolás sofra novas sanções.

Enquanto isso, o governo brasileiro achou que era o caso de dizer apenas que acompanhava “com grave preocupação” os “relatos de envio de drones e mísseis do Irã em direção a Israel”. Mesmo para os padrões lulopetistas, é incomum tanto cinismo condensado numa única frase. Primeiro, tratou uma informação concreta como “relato”. Depois, chamou o ataque de “envio”, como se fossem cartas e encomendas por correio, e não mísseis disparados contra outro país. Por fim, nenhuma palavra de condenação ao agressor, o Irã – ao contrário, a nota brasileira conseguiu a proeza sugerir que foi a ação de Israel em Gaza que causou o “alastramento das hostilidades à Cisjordânia e a outros países, como Líbano, Síria, Iêmen e, agora, Irã”. É como se, pasme o leitor, todos esses países e territórios fossem vítimas – menos Israel, claro.

No dia seguinte, ao tentar se justificar, o chanceler Mauro Vieira ofendeu a inteligência alheia sugerindo que a nota havia sido produzida quando “não tínhamos claro a extensão ou o alcance das medidas”. Ora, no momento em que o Brasil se manifestava, as chancelarias do mundo inteiro já conheciam perfeitamente bem a extensão e a gravidade do ataque – inclusive o fato de que, não fossem a eficiência israelense e a ajuda de aliados e de países árabes, um sem-número de civis teria sido atingido. Ou seja, o Irã fez exatamente o que o governo Lula acusa tão furiosamente Israel de fazer, a ponto de comparações hiperbólicas com o nazismo: um ataque desproporcional e indiscriminado que poderia dizimar milhares de civis e precipitar a região no caos. Mas isso não mereceu reparos por parte do Itamaraty do sr. Vieira.

Quando oito oficiais da Guarda Revolucionária do Irã foram mortos provavelmente por Israel num ataque a um anexo consular na Síria, o Itamaraty foi rápido em condenar as mortes de “funcionários diplomáticos”. Como se sabe, os mortos eram integrantes da guarda pretoriana dos aiatolás responsáveis por coordenar as milícias de Teerã que praticam terrorismo mundo afora e oprimem populações do Oriente Médio, incluindo os palestinos de Gaza. Nem sequer a solidariedade com o povo iraniano é sincera. Se fosse, o Brasil não teria se abstido de votar na ONU pela continuação das investigações de violações dos direitos de mulheres, crianças e minorias pela teocracia xiita.

É constrangedor ver um diplomata de carreira com as credenciais de Vieira sujeitar-se a dar lustro ao tratamento privilegiado que o presidente Lula confere a ditaduras companheiras. Como se sabe, o Itamaraty do sr. Vieira, fiel à doutrina do chanceler de facto Celso Amorim, tem dificuldades de condenar o Hamas como terrorista, a agressão criminosa da Rússia contra a Ucrânia e a truculência chavista contra os venezuelanos.

Quando a torpeza moral se infiltra até a raiz dos cabelos, mesmo arremedos de platitudes humanitárias são vis. Vieira disse que “o Brasil condena sempre qualquer ato de violência” – desde que não parta dos companheiros do tal “Sul Global”.

A tragédia das crianças pobres

O Estado de S. Paulo

Com quase metade das crianças na pobreza, segundo o IBGE, o Brasil tem falhado no cumprimento de seus objetivos de desenvolvimento e precisa refazer suas escolhas

Uma evidência do quanto o Brasil tem falhado na melhoria do presente e na construção do futuro são as estatísticas relacionadas à infância e à pobreza. Uma publicação do IBGE expõe esse duplo e perturbador fracasso: segundo dados referentes a 2022, quase metade das crianças brasileiras vive em situação de pobreza. São 49,9% das crianças de 0 a 5 anos e 48,5% das crianças de 6 a 14 enquadradas na linha de pobreza definida internacionalmente, isto é, US$ 2,15 por dia. O patamar se torna ainda mais grave quando se sabe que é na primeira infância – período que abrange os primeiros seis anos completos de vida – que ocorrem o amadurecimento do cérebro e o desenvolvimento da capacidade de aprendizado, conquistas reconhecidamente prejudicadas quando se dão em situações de pobreza e vulnerabilidade.

Tais números constam do documento Criando sinergias entre a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e o G-20, publicado no contexto da presidência brasileira no G-20, grupo formado pelas 19 maiores economias do mundo mais a União Africana e a União Europeia. Ao reunir estatísticas relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 – o plano global estabelecido na ONU para que tenhamos em 2030 um mundo melhor para todos os povos e nações –, vê-se que a pobreza do Brasil afeta mais os jovens. Zero-5, 6-14 e 15-17 são as faixas de idade com os piores resultados entre dez grupos populacionais analisados pelo IBGE.

O problema não se resume à pobreza monetária, mas também à chamada pobreza multidimensional, que abrange indicadores relacionados a trabalho, educação, saúde, segurança pública, habitação, nutrição e assistência.

Ainda que tais índices apresentem leve melhora se comparados a 2021, e mesmo que a taxa brasileira de pobreza tenha se reduzido de 36,7% em 2021 para 31,6% em 2022, são níveis incompatíveis com o patamar de riquezas do Brasil e com quaisquer ambições de dignidade e oportunidade mínimas para os brasileiros. E não estamos sozinhos: de acordo com o Unicef, em termos globais, cerca de 50% das pessoas em situação de extrema pobreza são crianças, apesar de representarem somente um terço da população do planeta.

Os dados demonstram, contudo, a insuficiência brasileira no cumprimento de seus objetivos de desenvolvimento, a começar pela superação da pobreza. Não é de hoje que os maiores especialistas no assunto vêm sublinhando a necessidade de aperfeiçoamento das políticas de transferência de renda e de uma maior atenção à superação de problemas estruturais que nos permita remover a chaga da pobreza. Estudo recente que tem entre seus autores o economista Ricardo Paes de Barros, um dos pais do programa Bolsa Família, avaliou, por exemplo, a qualidade do Cadastro Único, a partir do qual o governo define quem receberá recursos de programas sociais. Desatualizado nos últimos anos, o chamado CadÚnico faz mais de cem perguntas para as pessoas, mas a definição de quem receberá e o quanto receberá é feita com base em apenas uma variável: a renda declarada.

Esse e outros problemas levam à dispersão dos recursos, que nem sempre chegam a quem mais precisa. É de Paes de Barros a avaliação corrente sobre o mau direcionamento dos recursos, algo mais perverso do que a própria carência de dinheiro. Mas como o documento do IBGE lembra, a desagregação dos dados para os indicadores ODS permite captar a população em situação de vulnerabilidade e as desigualdades, para então combatê-las por meio de políticas públicas. E assim se olhar para um dos princípios da Agenda 2030: não deixar ninguém para trás. É uma vergonha nacional constatar que, sim, estamos deixando parte dos brasileiros para trás, precisamente metade de nossas crianças – justamente a fatia da população que ajudará a pavimentar o futuro do País.

Não é vergonha voltar atrás e buscar o que se esqueceu, como ensina um provérbio africano. Devemos nos lembrar disso diante dos números da pobreza, sobretudo de crianças.

A ministra oficiosa

O Estado de S. Paulo

Janja se apresenta como ‘articuladora’ de políticas públicas e diz que Lula lhe dá ‘total autonomia’

A julgar pelo que disse em recente entrevista à BBC, a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, decidiu autonomear-se, certamente com a anuência do marido, como “articuladora” do governo de Lula da Silva.

“Meu papel é de articuladora, que fala sobre política pública”, informou Janja candidamente, numa reportagem sobre as funções exercidas por primeiras-damas na América Latina. Além de estar convicta de que precisa “ressignificar” o papel de primeira-dama, Janja disse mais: “(Lula) me dá total autonomia para eu fazer o que faço”, sem hierarquia entre ambos.

Pois fazer o que faz parece ser o grande problema da primeira-dama e seu esforço desmedido para exercer influência política e desempenhar papel prático no governo – tarefa para a qual não tem mandato concedido nem pelos eleitores nem pela legislação vigente. Pelo que Janja faz e da maneira como faz, o País corre o risco de ter uma espécie de poder paralelo nas mãos da primeira-dama, lastreado em sua condição singularíssima de cônjuge de Lula, borrando os limites entre o público e o privado.

Antes fosse, portanto, uma demonstração meramente retórica do ativismo político de Janja, ou antes se resumisse a uma tentativa de promover o debate sobre o papel de primeira-dama, historicamente associado a estereótipos. Não. O que Janja admitiu foi a tradução, em palavras, do que tem materializado em atos: imiscuir-se em assuntos do governo, interferir na ação de ministérios, direcionar escolhas de políticas públicas e demonstrar poder, pura e simplesmente.

Seus tentáculos políticos avançam inclusive em poder de veto em áreas como economia, defesa e comunicação. Ademais, Janja rapidamente aprendeu a cosmologia palaciana, segundo a qual a ocupação dos espaços físicos é também uma forma de exercício do poder: a primeira-dama é hoje um anteparo entre o gabinete presidencial e os visitantes, incluindo ministros que precisam despachar com o chefe.

Não se deseja aqui que Janja restrinja suas atividades à “organização de chás de caridade”, como sublinhou na entrevista. Nem se discute sua autonomia para exercer, na intimidade, o papel de primeira-conselheira do presidente ou a disposição de Lula para ouvi-la em assuntos para os quais deseja saber sua opinião. Tampouco a liberdade da primeira-dama para debater, publicamente, temas em que supostamente inspire conhecimento. Mas convém pedir bom senso.

Certamente há um caminho do meio entre o papel decorativo e o excessivo ativismo. Não à toa, recentes tentativas de definir cargos e protagonismos excessivos para primeiras-damas esbarraram em resistência e recuos em diferentes países. Foi o caso do Chile de Irina Karamanos, mulher do presidente Gabriel Boric, e da França de Brigitte Macron, mulher de Emmanuel Macron.

Acreditando ter prerrogativas para tanto, Janja já representou Lula numa visita ao BNDES para debater projetos do Fundo Amazônia e atropelou o rito de conversas da equipe econômica ao fazer um pedido expresso para redução dos juros do cartão de crédito. Como Janja é em tese indemissível, porque primeira-dama não é cargo, seria bom que ao menos não competisse com os ministros formalmente nomeados e remunerados para auxiliar o presidente.

Para FMI, ainda há risco de choques inflacionários

Valor Econômico

Investidores estão mais atentos à sustentabilidade fiscal de médio prazo

A inflação está acima das metas dos bancos centrais em boa parte dos países - com destaque para Estados Unidos e Europa -, e, pior ainda, por várias medidas, os índices pararam de recuar desde janeiro. A economia global não escapou ainda do risco de choques inflacionários, adverte o Relatório Financeiro Global do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgado ontem junto com o Panorama da Economia Mundial. Ainda que o cenário traçado pelo FMI seja positivo, em geral, no curto prazo é essa advertência que está causando uma reavaliação dos preços dos ativos pelos investidores nos mercados financeiros. Os riscos para a economia global estão hoje equilibrados, depois de uma longa série de relatórios que o apontavam como mais inclinados à piora das condições econômicas. O rebalanceamento dos desequilíbrios fiscais, porém, tende a reduzir em alguma medida o crescimento.

O FMI constata que há elevada incerteza a respeito da trajetória dos juros, o que está agitando agora os mercados financeiros. Uma das consequências possíveis é que os investidores reajam atabalhoadamente ao encurtamento do diferencial de juros vigentes nas economias desenvolvidas e emergentes. Os países emergentes tenderão a sofrer pressões externas maiores se esse gap cair abaixo do que está sendo avaliado hoje nos preços dos ativos, o que tenderá a ocorrer se os países ricos mantiverem taxas de juros mais altas por mais tempo para derrubar uma inflação que resiste a cair.

O Fundo assinala que os investidores estão prestando mais atenção à sustentabilidade fiscal de médio prazo, e uma prova disso é que os bônus soberanos em moedas locais dos países emergentes estão com rendimentos no nível superior de sua variação histórica em termos nominais. “Esses rendimentos podem continuar elevados nos próximos anos, com os investidores exigindo compensação adicional”, isto é, prêmios de risco maiores, para não abandonar papéis menos seguros em relação a títulos americanos.

A perspectiva é de que a política monetária possa continuar apertada por mais tempo, e talvez seja acompanhada, depois de muitos anos, por uma política fiscal menos pródiga. Foi o fato de seguirem direções contrárias uma das razões para a atual resistência inflacionária. Em bases trimestrais anualizadas, os índices de preços ao consumidor pararam de cair desde janeiro, e, no caso dos núcleos, houve até alta. O FMI acredita que tanto o Federal Reserve (Fed) quanto o Banco Central Europeu agirão no segundo semestre para reduzir os juros. No primeiro caso, a taxa cairá de 5,4% para 4,6%; no segundo, de 4% para 3,3%.

O Fundo julga que o balanço de riscos para a economia global está equilibrado. Do lado negativo existe a possibilidade de um salto nos preços das commodities (os conflitos geopolíticos estão se acentuando, mesmo depois dos estragos provocados pela invasão da Ucrânia pela Rússia) e de a inflação persistir longe das metas por um tempo maior que o previsto. Juros altos por mais tempo podem esfriar o mercado imobiliário e trazer pressão sobre compradores já altamente endividados, causando importante estresse financeiro, algo que já se observa no mercado de imóveis comerciais nos Estados Unidos e outros países desenvolvidos. A claudicante recuperação da China é outro motivo que pode diminuir a taxa de crescimento global. A cisão entre EUA e China, com fragmentação das cadeias produtivas, joga na mesma direção. A previsão é de que o comércio mundial, em decorrência, cresça 3% em 2024 e 3,3% no ano que vem, muito abaixo da média de 4,9% que prevaleceu nas últimas décadas (2000-2019).

Entre as possibilidades positivas estão, obviamente, a inflação passar a cair agora mais rapidamente do que tem feito, com afrouxamento correspondente da política monetária, ao lado de um aumento da produtividade pelos efeitos da Inteligência Artificial.

A economia global provou-se resistente e conseguiu atravessar um período de juros altos sem precedentes em décadas, evitando a recessão. O crescimento global estimado será de 3,2% em 2024 e 2025, abaixo da média de duas décadas de 3,8%. “As perspectivas de médio prazo para o crescimento e o comércio se mantêm como as menores em décadas, reduzindo o ritmo de convergência para padrões mais altos de bem-estar dos países de renda média e baixa”, registra o relatório.

A economia mais forte é a americana, que crescerá o dobro da taxa dos países mais ricos do G7 em 2024, 2,7%, para desacelerar a 1,9% em 2025. O FMI estima que a instância fiscal dos EUA não é sustentável a longo prazo. O país cresce acima de sua capacidade, com um hiato do produto positivo de 0,7%, um dos pontos que explicam a persistência da inflação acima da meta.

O Brasil melhorou um pouco nas estimativas do Fundo. Ele deverá crescer 2,2% em 2024 e 2,1% em 2025, em ambos os anos abaixo da média dos países emergentes, de 4,2%. O FMI calcula que para estabilizar a dívida pública até 2029 o país precisaria fazer ajuste equivalente a 2% do PIB. O governo brasileiro anunciou suas metas fiscais para os próximos quatro anos e elas estão a uma boa distância disso - o alvo é um superávit de 1% do PIB apenas em 2028.

Menos álcool e mais saúde

Correio Braziliense

Pesquisa revela que jovens nascidos entre 1995 e 2009 — Geração Z — consome menos bebidas alcoólicas em comparação com as gerações anteriores

Se jovem é curioso, costuma quebrar normas e gosta de exercitar a experimentação no último grau, um levantamento divulgado esta semana derruba esse padrão. Jovens da Geração Z — que incluem pessoas nascidas entre 1995 e 2009 — estão consumindo menos bebidas alcoólicas em comparação com as gerações anteriores, segundo pesquisa feita pela Martech MindMiner.

O dossiê das bebidas ouviu 3 mil pessoas de todo o país, de diversas faixas etárias. A pesquisa revelou que 45% da Geração Z consome álcool, enquanto os da Geração Y (nascidos entre 1982 a 1994) representam 57%; a Geração X (nascidos entre 1965 e 1981); 67%; e os Boomers (nascidos entre 1945 e 1964), 65%. Essa tendência de queda está relacionada principalmente à falta de interesse (58%) e ao sabor das bebidas (35%), contribuindo para uma mudança significativa nos padrões de comportamento.

O levantamento também mostra que 57% dos entrevistados consomem bebidas alcoólicas. Entre as categorias mais populares, a tradicional cerveja lidera com 44%, seguida de perto pelo vinho, com 37%; destilados, com 36%; as prontas para consumo, com 26%; e outras opções somando 24%. Para os especialistas, o estudo mostra uma mudança de paradigmas — em que a saúde e o bem-estar ganham destaque — e a Geração Z aparece como força impulsora dessa transformação, consumindo menos álcool e optando por estilos de vida mais equilibrados.

Se, de um lado, a cervejinha ainda é a "menina dos olhos" entre as bebidas alcoólicas; por outro, uma nova frente vem ganhando força: a cerveja sem álcool, o que demonstra uma crescente conscientização e aceitação por parte dos consumidores. O alto índice de familiaridade, com 82% dos entrevistados afirmando conhecer o produto, sugere uma penetração significativa no mercado.

Além disso, 47% já experimentaram cerveja sem álcool e a disposição desse público em pagar mais por bebidas que promovem benefícios à saúde é revelada por 57% dos entrevistados. Vale destacar, ainda, a associação entre cerveja sem álcool e atividade física — observada em 88% dos conhecedores da bebida. Seria um crescimento do estilo de vida ativo e saudável?

Está aí uma boa oportunidade para parcerias entre poder público, escolas e famílias. A organização de campanhas e eventos voltados à valorização da qualidade de vida e do bem-estar tem chance de receber grande quantidade de adesões. Podem ser ambientes propícios para se abordar questões como cuidados com o corpo, alimentação adequada, exercícios físicos e prevenção de doenças, por exemplo. Especialistas estão se dirigindo a pessoas que, segundo os números indicam, são mais abertas às recomendações para se obter uma vida saudável. 

 

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