domingo, 21 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Planalto e Congresso devem prestar atenção a Haddad

O Globo

É preciso trazer um mínimo de racionalidade aos gastos, para evitar deterioração fiscal ainda maior

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seus ministros e os parlamentares deveriam ouvir com atenção o que tem a dizer o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para trazer um mínimo de racionalidade às medidas com impacto nas contas públicas. A mudança nas metas fiscais de 2025 e 2026, aparentemente uma concessão de Haddad, já deteriorou a credibilidade do governo. O pior que Planalto e Congresso poderiam fazer agora é acreditar que está aberta uma nova temporada de gastos sem limite.

Deputados e senadores são antenas da sociedade. É natural que verbalizem demandas dos grupos que representam. Também são legítimas as tentativas do Executivo de pôr em marcha seu programa de governo. O que não pode acontecer é um e outro adotarem medidas em favor de grupos de interesse sem lastro algum. A responsabilidade fiscal é obrigação não somente do Executivo, como Haddad costuma lembrar. A História ensina que “pautas- bombas” teimam em explodir no colo do povo. Aqueles que ainda insistem em causar dano às contas públicas precisam ser informados da realidade.

Desde o início do ano, apesar dos recordes de arrecadação e do quadro róseo pintado em gabinetes de Brasília, o dólar já subiu 8%. Embora o efeito ainda não seja sentido na inflação, o Banco Central emitiu sinais de que haverá redução no ritmo de queda dos juros. A guerra no Oriente Médio pressiona o petróleo e a inflação, levando o Fed, banco central americano, a movimento parecido. Os juros demorarão mais a cair nos Estados Unidos do que se acreditava antes. Tudo isso significa que o dinheiro ficou mais caro — e não haverá o alívio que tornaria o Brasil atraente para os investidores.

Com a aprovação do novo arcabouço fiscal, o governo Lula havia transmitido um recado de compromisso com o controle da dívida pública. Apesar dos mecanismos de contenção embutidos no arcabouço, ele deixou aberta uma brecha para mais gastos: mudar as metas. A alteração anunciada neste mês alonga o prazo para equilíbrio do endividamento. O acúmulo de despesas já leva o mercado a prever déficit de 0,8% do PIB neste ano — a meta é zero. A especulação de que o governo alterará também a meta de 2024 transmite ainda mais insegurança.

O certo teria sido um cronograma de ajuste mais curto, respeitando as regras do arcabouço que o próprio governo elaborou. Tudo aquilo de que o país não precisa são mais mudanças ou descumprimento das metas. Para evitar isso, é crucial o Congresso parar de fingir que conta com orçamento infinito. Se apostarem no aumento das despesas para prejudicar o Executivo, os congressistas acertarão os cidadãos.

Duas ideias em tramitação exigem atenção. A primeira é a absurda proposta de restaurar reajustes salariais automáticos para juízes e procuradores, a custo estimado em até R$ 42 bilhões anuais. A outra é derrubar o veto de Lula a R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares (as emendas subiram de R$ 7 bilhões em 2016 para mais de R$ 50 bilhões neste ano; os parlamentares não precisam de mais). Haddad tentará convencer os congressistas a abandonar essas e outras medidas que contribuem para degradar ainda mais o quadro fiscal. Diante do ambiente desafiador, o Congresso e o próprio Planalto precisam se conscientizar da importância de conter gastos e recobrar a confiança na responsabilidade do governo com as contas públicas.

Autoridades de trânsito precisam incentivar uso do cinto de segurança

O Globo

Acessório obrigatório ainda é desprezado por motoristas e passageiros imprudentes

Obrigatório há 27 anos, o cinto de segurança ainda é um problema no Brasil. Não deveria, tantas as evidências de sua importância para evitar ferimentos em acidentes. Mas basta acompanhar as multas aplicadas a quem é flagrado sem usá-lo para perceber que muitos brasileiros continuam a dar de ombros para a própria segurança. Elas chegaram a 2,5 milhões em 2023, ante 2,4 milhões em 2019, antes da pandemia. Num país em que 34 mil pessoas morreram em acidentes em 2022, a segurança no trânsito deveria ser levada mais a sério.

Quem está sem cinto de segurança tem oito vezes mais chances de morrer num acidente, segundo estudos citados pelo ortopedista e traumatologista Marcos Musafir em reportagem do GLOBO. Ele equipara o uso do cinto a tomar uma vacina. São comuns, diz Musafir, traumatismos no crânio, causados em quem, sem cinto, é projetado com violência sobre o painel do carro ou para fora dele. A lista de ferimentos comuns também inclui traumas no tórax, lesões nos membros e rompimento de órgãos. Andar sem cinto não é negligência pequena nem inócua.

Isso vale também para quem anda no banco de trás, onde o risco é ser lançado para fora do veículo numa colisão. Foi o que aconteceu com o apresentador Rodrigo Mussi, quando um caminhão bateu no carro de aplicativo em que ele estava, na Marginal Pinheiros, em São Paulo. Mussi sofreu traumatismo craniano, várias fraturas e perdeu metade da visão do olho esquerdo. No Rio, a jornalista Louise Nogueira bateu o rosto no banco da frente e levou cinco pontos. Depois da experiência, ela garante que não deixará mais de usar o cinto.

O uso no banco de trás protege também quem está na frente. De acordo com o perito em trânsito Rodrigo Kleinübing, num carro em velocidade moderada, a força com que os passageiros de trás são lançados sobre os da frente numa colisão equivale a uma tonelada. Estudo da National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA), dos Estados Unidos, revela que o cinto no banco de trás reduz o risco de morte em até 43%. E em 60% a probabilidade de lesões na coluna cervical.

Policiais precisam realizar blitzes frequentes para verificar se os passageiros do banco de trás também estão de cinto, algo que nem sempre pode ser constatado pelos sistemas automáticos, mesmo os de tecnologia avançada. Para o motorista, a multa de R$ 195,23 e a perda de cinco pontos na Carteira Nacional de Habilitação são penas leves para quem é flagrado sem o cinto, diante do potencial de danos causados num desastre. Além de adotar punição mais dura, as autoridades de trânsito deveriam intensificar campanhas de conscientização.

Privatização da Sabesp dá um passo importante

Folha de S. Paulo

Câmara paulistana indica permanência do contrato com companhia; operação deve ajudar país a superar atraso no saneamento

A Câmara Municipal paulistana aprovou em primeiro turno alteração legal que na prática abre caminho para a privatização da estadual Sabesp. Uma segunda votação ocorrerá após audiências públicas, mas o placar, de 36 votos a 18, indica que não deve haver obstáculo para que a estatal de saneamento vá a leilão nos próximos meses.

O projeto garante o contrato de prestação de serviços ao município, que sozinho responde por quase metade do faturamento da empresa. Sem essa adesão, a desestatização seria inviabilizada.

Em contrapartida, os vereadores incluíram no texto a antecipação para a cidade de R$ 1,2 bilhão dos repasses do lucro da Sabesp direcionados a um fundo de saneamento e infraestrutura municipal.

Estão previstos, ainda, a permanência de tarifas sociais e o aumento de 13% para 20% do lucro que deve ser transferido para investimentos em proteção de mananciais e meio ambiente.

De sua parte, o governo paulista divulgou o modelo da privatização, que deve reduzir a participação do estado dos atuais 50,3% para algo entre 15% e 30%, a depender do interesse do setor privado a ser revelado no leilão.

O certame ocorrerá em duas etapas. Primeiro haverá uma competição entre interessados a se tornarem acionistas de referência com a aquisição de 15% do capital, posição que deve ser mantida por pelo menos cinco anos.

Em seguida, as duas melhores ofertas disputarão a preferência dos outros acionistas. Quem obtiver a maior adesão será o vencedor. O poder de voto de qualquer grupo de acionistas será limitado a 30%, e o governo do estado reterá uma ação com direitos especiais.

O conselho de administração terá 9 membros, sendo 3 nomeados pelo Bandeirantes, 3 pelo bloco estratégico e 3 independentes.

Quanto às garantias de serviço, haverá aportes de R$ 56 bilhões para a universalização do fornecimento de água e esgoto até 2029. O modelo prevê que os investimentos serão remunerados apenas depois de ocorridos, não de maneira antecipada na tarifa como hoje.

Em outro ponto positivo, a concessão cobrirá não somente as áreas urbanas formais, mas também as precárias e rurais.

Por fim, foram instituídos aportes de 30% do valor obtido com a venda das ações, mais os dividendos futuros do estado, para o fundo de apoio à universalização dos serviços, que também será usado para subsidiar a cobrança para famílias pobres. Segundo o governo paulista, o modelo permitirá a queda imediata de 10% da tarifa.

Que o plano seja bem-sucedido e sirva de exemplo para que o país supere seu vergonhoso atraso no saneamento básico.

Demarcação na prática

Folha de S. Paulo

Reconhecimento de terras indígenas aquém do esperado expõe dificuldades de Lula

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito com uma agenda de defesa dos povos indígenas, mas no seu governo a delimitação de territórios para esse estrato da população mostra-se difícil.

Na quinta-feira (18), foram demarcadas as terras Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT). Aguardavam-se, no entanto, outras quatro: Morro dos Cavalos e Toldo Imbu (SC), Potiguara de Monte-Mor (PB) e Xukuru-Kariri (AL).

É notório que Jair Bolsonaro (PL) desmantelou o setor ambiental, não demarcou terras e esvaziou os quadros da Funai. Contudo, assim como ocorre na área da saúde, o governo petista não pode mais usar descalabros da gestão anterior para justificar frustrações.

Flávio Dino, ex-ministro da Justiça e agora no Supremo Tribunal Federal, passou 13 meses na chefia da pasta sem emitir nenhuma portaria declaratória de terras.

O Congresso segue a apatia do Executivo e é cobrado por lideranças indígenas para que avance em políticas públicas para esses povos.

O atraso nas demarcações se deve a tensões causadas por conflitos fundiários em terras indígenas, que precisam ser resolvidos pela Justiça. Em outros territórios, como o Yanomami, o governo federal ainda não conseguiu aplacar a crise humanitária e de saúde.

Em 2023, 363 mortes foram registradas, ante 343 em 2022 —o Executivo diz que havia subnotificação antes, o que é plausível mas está longe de ser tranquilizador.

Ademais, pouco foi feito para a expulsão do garimpo nas Terras Indígenas Kayapó e Munduruku (PA) e Sararé (MT) —nesta, a área da atividade ilegal saltou de 36 hectares em 2022 para 252,3 hectares até outubro de 2023.

Garantida na Constituição, a demarcação requer um longo processo administrativo, que inclui estudos técnicos, contestação por terceiros e portaria do Ministério da Justiça, até a homologação por decreto da Presidência da República.

A definição de territórios garante maior segurança jurídica e física aos indígenas e permite a eles o acesso a políticas públicas, como as de saúde e educação. Nota-se, porém, que não bastam alegadas boas intenções nessa seara.

A volta dos que não foram

O Estado de S. Paulo

Festejar um José Dirceu e um Eduardo Cunha nos salões de Brasília, depois de tudo o que fizeram para desmoralizar a democracia e as instituições, equivale a fazer troça da República

Quando José Dirceu subiu à tribuna do Senado para discursar sobre a democracia brasileira, no último dia 2, o gesto disse muito mais sobre a qualidade do Senado e da democracia do que sobre Dirceu. O prócer petista ganhou tratamento de estadista na Câmara Alta da República duas décadas depois de ter sido escorraçado do Congresso por sua participação ativa no escândalo do mensalão – expressão que resume a corrupção da democracia no País. E ainda teve a oportunidade de dizer que quase não aceitou o convite porque, em outras palavras, o Congresso que o cassou não o merecia. “Zé, é uma honra, para nós, ter você conosco”, disse o senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), autor do convite a Dirceu a propósito dos 60 anos do golpe militar de 1964.

A soberba do “Zé” tem razão de ser. Perto de alguns dos muitos pigmeus do Senado e da Câmara de hoje, Dirceu é um gigante da sobrevivência política. A prova mais luminosa disso nem foi sua constrangedora participação em uma sessão solene no Senado, de resto feita para louvar aquele que os petistas chamam de “guerreiro do povo brasileiro”, e sim a festança de seu 78.º aniversário em Brasília. Compareceram o presidente da Câmara, Arthur Lira, e políticos de diversas extrações, além de vários ministros de Estado. Todos ali ouviram uma aula magna de Dirceu sobre o projeto de poder lulopetista. Portanto, ninguém pode dizer que não foi avisado.

Mas Dirceu não voltou sozinho do além. Quem andou circulando com enorme desenvoltura em Brasília recentemente foi Eduardo Cunha, cujo mandato de deputado federal foi cassado em 2016 em meio ao escândalo do petrolão e da ofensiva da Lava Jato.

Cunha ganhou a ribalta por ter presidido a Câmara no impeachment da presidente Dilma Rousseff e por ter formado uma bancada pessoal de deputados fiéis, movidos a verbas e cargos negociados pelo poderoso parlamentar. Caiu em desgraça por razões óbvias – de tal modo que 450 deputados votaram pela sua cassação e apenas 10 o apoiaram –, mas, apesar dessa punição acachapante, o ostracismo durou pouco: no dia 11 passado, Eduardo Cunha foi uma das estrelas da festa de aniversário do deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), que reuniu petistas, bolsonaristas e ministros do Supremo Tribunal Federal. Cunha foi até chamado de “presidente” pelo deputado comunista Renildo Calheiros (PE) e saiu a defender o deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado de mandar matar a vereadora Marielle Franco.

Já sabemos que a democracia brasileira não anda bem das pernas, seja pelo voluntarismo censório e inquisitorial do Supremo, seja pela captura do Orçamento federal pelos interesses paroquiais de parlamentares, seja pela naturalidade com que o golpismo ganha ares de legitimidade. Mas quando personagens que deveriam ser liminarmente rejeitados pelo mundo político são, ao contrário, recebidos ali como respeitáveis xamãs, constata-se que esse mundo político, já conhecido por seus escassos limites morais, se rebaixou ainda mais, convertido ao credo de que tudo vale – e, pior, de que malfeitos eventualmente abrilhantam biografias, em vez de enxovalhá-las.

Festejar um José Dirceu e um Eduardo Cunha, depois de tudo o que fizeram para desmoralizar a democracia e as instituições, equivale a fazer troça da República, cujo nome é pronunciado em vão por aqueles que a corroem por dentro, tal como as saúvas denunciadas por Mario de Andrade há quase um século. Dirceu e Cunha são os heróis sem nenhum caráter que tão bem representam o ideal político do Brasil de hoje: como Macunaímas atualizados, proclamam a quem interessar possa que não vieram ao mundo para ser pedra, isto é, para se apegar a valores como respeito à moral, às leis e à democracia, e sim para explorar todas as oportunidades que tiverem, sem qualquer peso na consciência, para acumular poder, influência e riqueza. É por isso, e por nenhuma outra razão, que tipos como Dirceu e Cunha são recebidos nos salões de Brasília não com repugnância, e sim com admiração e calorosos tapinhas nas costas.

Contas no vermelho até 2026

O Estado de S. Paulo

Ao projetar déficit até o fim da gestão de Lula, aumentando o descrédito já generalizado sobre o esforço fiscal, FMI sugere ‘esforço mais ambicioso’ do Brasil – que provavelmente não virá

O arcabouço fiscal será incapaz de estabilizar, no tempo previsto pelo governo, a dívida pública brasileira, que continuará crescendo neste e nos próximos cinco anos, pelo menos. Em resumo, é isso o que mostra um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), que retira de vez a credibilidade – se é que ainda havia alguma – do compromisso do governo de Lula da Silva de conter a dívida com a produção de superávit nas contas públicas. Pelos cálculos do FMI, as contas só voltam ao azul em 2028, e a redução da dívida dependerá de um “esforço mais ambicioso” do Brasil.

Os dados foram divulgados esta semana, dois dias depois de o governo anunciar as novas – e bem menos rigorosas – metas para os resultados fiscais de 2025 e 2026. O que significa que a avaliação do Fundo poderia ter sido ainda mais crítica diante do afrouxamento das métricas do arcabouço. É verdade que a promessa de déficit zero para este ano já estava eivada de descrédito, e por mera questão de prazo legal o objetivo permanece inalterado. Mas para o ano que vem as expectativas ainda se fiavam em algum superávit, mesmo que inferior ao 0,5% do PIB originalmente previsto. Agora, o governo praticamente jogou a toalha ao admitir continuar no vermelho também em 2025 e 2026.

A decisão de mudar a estimativa de superávit de 2025 para meta zero foi traduzida pela maioria dos analistas como a admissão de um novo déficit, já que há uma margem permitida de 0,25 ponto porcentual para cima (improvável, diante da conjuntura atual) ou para baixo. Para 2026, o prometido superávit, que era de 1%, foi revisto para 0,25%, o que foi entendido pelo mercado como um sinal de que nem isso será alcançado, principalmente por se tratar de um ano de disputa presidencial. Imperativos eleitoreiros têm prevalecido sobre a necessidade de concentrar o esforço fiscal mais na redução das despesas do que no aumento da receita.

Ao prever que a trajetória da dívida pública brasileira caminha para alcançar 93,9% em 2029 – o último horizonte de cálculo do Monitor Fiscal do FMI –, o Fundo emparelha o Brasil com países em dificuldade extrema, como a Ucrânia, em guerra há dois anos, e o Egito, em gravíssima crise econômica. Apesar disso, a projeção ano a ano para o Brasil ficou menos ruim do que o cenário anterior traçado pelo Fundo: a relação para a dívida em 2024 caiu de 90,3% do PIB para 86,7%; para 2025, passou de 92,4% para 89,3%.

Há um conjunto de bons parâmetros que, numa gestão responsável, poderiam contribuir para um planejamento eficiente de longo prazo. Por exemplo, a perspectiva de o Brasil ingressar, neste ano ou no próximo, no clube das economias com PIB acima de US$ 3 trilhões. Passaria, com isso, da 9.ª para a 8.ª posição entre as maiores economias do mundo. O País está num momento raro que permitiria elaborar uma equação combinando rigor fiscal e investimento, não fosse a visão eleitoreira, inconsequente e imediatista que caracteriza o lulopetismo.

Isso ficou muito claro no acordo recente firmado entre a Casa Civil e o Congresso para antecipação do gasto extra de R$ 15,7 bilhões, previsto apenas para maio, mas que poderia ser inviabilizado por receitas abaixo do previsto, conforme as regras do arcabouço – devidamente dribladas.

O equilíbrio fiscal é uma agenda a ser adotada pelo Executivo e pelo Congresso, mas é necessário que o governo demonstre genuíno compromisso com a consolidação fiscal, o que é posto em dúvida a cada novo ataque ao Orçamento e a cada declaração de Lula e dos petistas no sentido de que é preciso gastar mais para promover o crescimento econômico e, assim, gerar superávits por mágica.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, preferiu enxergar o relatório do FMI sob a ótica da projeção menos ruim da dívida pública para este ano e para 2025, desconsiderando que a relação de 90,9% prevista para o último ano do governo Lula da Silva colocará o Brasil em posição pior do que a da estropiada Argentina de Javier Milei. A equipe econômica calcula em 1% ao ano o superávit necessário para buscar a consolidação fiscal. Por tudo o que se viu até agora, este não é de forma alguma o espírito do governo.

Comissão de Ética sem ética

O Estado de S. Paulo

Órgão que zela pela ética pública não vê nada demais no uso de gabinete pelo sogro de ministro

Ao arquivar, em decisão unânime, uma investigação contra o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República resolveu dar uma demonstração inequívoca de sua inutilidade. No ano passado, o Estadão revelou a existência de um gabinete paralelo no Ministério das Comunicações: ali se aboletou o sogro do ministro, o empresário Fernando Fialho, para transformar a pasta em escritório privado. Sem qualquer função ou cargo oficial – nem no ministério nem em qualquer outro órgão público – Fialho recebia empresários, num flagrante uso da administração pública para interesses privados.

A farta evidência não foi suficiente para sensibilizar os integrantes da Comissão de Ética da Presidência. Oficialmente, o colegiado é responsável pela aplicação do Código de Conduta da Alta Administração Federal, por ajudar a interpretar o Código de Ética do Servidor Público e manifestar-se em consultas sobre a possível existência de conflito de interesses. Pois agora se descobriu que seus sete integrantes nada viram de interesses em conflito na vistosa agenda do sogro de Juscelino.

Não lhes importou que a rotina na pasta tenha sido admitida pelo próprio ministro, que garantiu tratar-se de um “apoio” devido à “sua experiência”. Uma experiência não em telecomunicações, faltou dizer, como atesta o histórico profissional do empresário. Também lhes pareceu mero detalhe um parente dar expediente no ministério, sem cargo oficial, sem credenciais na área e sem justificativa legal. Para o relator do caso, Bruno Espiñeira Lemos, tal atitude mereceu não uma reprimenda, mas uma recomendação – quase um pedido de amigo: sugeriu ao ministro que o sogro evite tal rotina.

Apoiado pelo voto dos seus colegas, Lemos assim justificou a atitude do ministro e de seu sogro: o primeiro ano do governo significou uma nova estrutura nos ministérios e “diversos órgãos foram completamente recriados”. Por isso, ele sustentou, “há de se entender as dificuldades que todas as pastas enfrentaram no período, inclusive o Ministério das Comunicações”. Ocorre que a pasta chefiada por Juscelino Filho já existia no governo anterior, e o ministro manteve a equipe que trabalhava com o antecessor, Fábio Faria. A marotagem não cola, portanto.

Resta questionar qual a serventia de uma Comissão de Ética que se mostra incapaz de condenar tão flagrante afronta ao interesse público. Se inútil para o interesse público, a comissão parece providencial para o próprio governo.

Inquestionável mesmo é o responsável pela preservação das estripulias privadas de Juscelino Filho: Lula da Silva. É o presidente, afinal, quem o mantém no Ministério das Comunicações, enquanto se acumulam suspeitas: o ministro já foi acusado de favorecimento pessoal no direcionamento de emendas parlamentares, usou avião da Força Aérea Brasileira para participar de um leilão de cavalos e escondeu patrimônio da Justiça Eleitoral, entre outras evidências. Também nada entende de Telecomunicações, e seu partido, o União Brasil, é incapaz de entregar votos no Congresso.

Mais misteriosa do que essa longevidade só a justificativa para a interpretação generosa de condutas antiéticas feitas pela tal Comissão de Ética da Presidência.

Mais investimentos, empregos e renda

Correio Braziliense

O avanço de 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023, com forte recuperação do mercado de trabalho, permitiu que a renda média dos brasileiros tivesse aumento de 11,5%, um ganho muito bom

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ampliam as responsabilidades dos Três Poderes em relação ao país. Conquistas como a queda da pobreza extrema a níveis históricos não podem ser perdidas por causa de disputas mesquinhas, que coloquem em risco a economia, cujo desempenho vem surpreendendo os mais otimistas.

O avanço de 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023, com forte recuperação do mercado de trabalho, permitiu que a renda média dos brasileiros tivesse aumento de 11,5%, um ganho muito bom. O foco do governo no Bolsa Família complementou o impulso do PIB, reduzindo a desigualdade social. Pelos cálculos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), 11,3 milhões de pessoas ascenderam à classe média no ano passado, mais do que a população de Portugal.

Portanto, é vital que Legislativo, Executivo e Judiciário aparem as arestas, deixem as divergências de lado e concentrem os esforços no que realmente interessa à população: a melhoria da qualidade de vida. Números preliminares apontam que a atividade teve um salto entre 0,6% e 0,9% no primeiro trimestre do ano ante os últimos três meses de 2023. Ou seja, a economia continua rodando, criando empregos e gerando renda, movimento fundamental num Brasil em que, apesar dos avanços, 8,3% da população continuam vivendo na miséria.

Há muito a ser feito, e parte importante do trabalho está no Congresso, que, nos últimos meses, tem se mostrado insensível às demandas da sociedade, aprovando projetos que representam retrocessos em vez de se dedicar a temas realmente relevantes. Além de não fechar brechas que permitem a determinadores setores avançarem sobre as receitas públicas, mesmo contribuindo pouco para o bom andamento da economia, cria despesas insustentáveis, como o quinquênio a juízes e procuradores, ao custo anual de R$ 42 bilhões.

O descompasso do Legislativo em relação ao desejo da população é tão grande, que deputados e senadores ameaçam a regulamentação da reforma tributária sobre o consumo. O projeto aprovado foi um avanço extraordinário depois de mais de três décadas de debate. Essa regulamentação permitirá que o país dê um passo à frente e avance na tributação da renda a fim de corrigir aberrações como a de o rendimento médio mensal do 1% mais rico da população — cerca de 2 milhões de brasileiros — corresponder a 39,2 vezes o ganho dos 40% mais pobres.

Isso, num país que registra deficit nas contas públicas. Quer dizer: são os que recebem mais que vêm se apropriando da transferência de renda feita pelo governo. Não que a tributação maior sobre a renda dos mais ricos vá resolver os problemas de caixa do Tesouro Social. Mas é questão de justiça. É para isso que o Executivo, o Legislativo e mesmo o Judiciário devem se atentar. Não há mistérios, basta apenas vontade desses atores para deixar os interesses partidários de lado e se voltar para o povo, como manda a Constituição.

Os últimos 10 anos foram terríveis para o Brasil. Mergulhou em uma severa recessão, enfrentou o impeachment de uma presidente, passou por um governo que tensionou até o limite a democracia, teve de encarar uma pandemia terrível e ainda viu uma tentativa de golpe de Estado fracassada. Independentemente de todos esses percalços, o país se refez, garantiu a solidez das instituições, voltou a crescer economicamente e reduziu a extrema pobreza ao menor nível (8,3%) desde o início da série histórica. Poucas nações têm a capacidade de mostrar tamanha resiliência.

Sendo assim, espera-se que os esforços, ainda que tímidos, no sentido de acalmar os ânimos na política e de estabelecer prioridades em favor da população dê resultados concretos. Em um ambiente de tranquilidade, transparente e de previsibilidade, os agentes econômicos cumprirão à risca o que lhes cabe nesse jogo: investir no aumento da produção, criar empregos e distribuir renda.


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