segunda-feira, 22 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Escassez de vacina contra Covid expõe falhas na Saúde

O Globo

Lula e o PT reclamavam com razão do negacionismo de Bolsonaro. Mas não compraram doses necessárias a tempo

Um dos desafios das autoridades de saúde tem sido convencer os brasileiros a se vacinar. Os índices têm ficado abaixo do recomendado, ameaçando a volta de moléstias controladas. Mas, para que a população possa se proteger, é fundamental haver vacina nos postos. Lamentavelmente, o Ministério da Saúde tem falhado nessa tarefa. Enquanto sobra vacina contra a dengue em razão do baixo comparecimento aos postos, estoques contra a Covid-19 estão em falta em vários estados, bem no período em que problemas respiratórios aumentam o fluxo de pacientes às emergências.

Na cidade do Rio, a vacina contra Covid-19 acabou. As últimas 500 doses foram aplicadas no dia 13, durante um mutirão de vacinação contra a gripe e outras doenças. Só restaram as pediátricas. O secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, diz aguardar receber novas doses do ministério. Situação semelhante vivem outras capitais, como Curitiba e Vitória. Em São Paulo, as vacinas já começam a desaparecer. Os estados do Rio Grande do Sul e Maranhão também enfrentam escassez. E as doses que existiam, desatualizadas, nem cobriam a variante em circulação.

Há um problema evidente de gestão no ministério, que compra as vacinas e as distribui a estados e municípios. A esta altura, era esperado que os postos de saúde as oferecessem. Não é o que se vê. Com a demora, corre-se o risco de a vacina ficar defasada diante de novas variantes. As mutações não obedecem ao cronograma leniente do ministério.

Em dezembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou uma versão atualizada da vacina da Pfizer contra a variante em circulação, a XBB. Em março, a agência liberou também outra vacina, da Moderna, que segue as últimas recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Os técnicos já deram sinal verde para o governo comprar ambas.

O Ministério da Saúde tem alegado que a aprovação da vacina da Moderna perturbou as compras, uma vez que o plano inicial era adquirir apenas a versão atualizada da Pfizer. Ora, o cidadão não pode ser punido pela falta de planejamento. Já é difícil convencer os brasileiros a ir ao posto de vacinação. Mais ainda a ter de voltar. Agora o ministério promete que as 12,5 milhões de doses compradas na sexta-feira chegarão num prazo de dez a 12 dias.

Em maio do ano passado, a OMS declarou o fim da emergência mundial de saúde pública para a Covid-19. Foi um alívio para o mundo depois da pandemia mais letal dos últimos cem anos. Hoje a doença está controlada. Mas, é sempre bom lembrar, a estabilidade só foi obtida graças à vacinação em massa. No Brasil, a recomendação é que recebam reforço semestral ou anual os grupos vulneráveis — idosos, gestantes, puérperas, imunossuprimidos, trabalhadores da saúde, pacientes com comorbidades etc. Para isso a vacina precisa estar disponível.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT passaram quatro anos criticando — com razão — o caos e o negacionismo na saúde durante a administração Jair Bolsonaro. Agora que estão no governo, precisam mostrar serviço. Está claro que há problemas de gestão no Ministério da Saúde. Não se pode deixar que os estoques de vacina contra a Covid-19 acabem, prejudicando a população vulnerável. O mínimo a esperar é que haja vacinas nos postos e que estejam atualizadas para combater as novas cepas do vírus. Só assim será possível prevenir mortes evitáveis.

Impacto econômico revela urgência do combate ao aquecimento global

O Globo

Renda da população mundial poderá cair 19% se metas do Acordo de Paris não forem cumpridas, estima estudo

As projeções sobre o impacto do aquecimento global na economia se as metas do Acordo de Paris não forem cumpridas consideram o histórico de temperatura e renda de países. Decididos a fazer uma análise mais detalhada, três pesquisadores da Universidade de Potsdam, na Alemanha, examinaram dados de mais de 1.600 pontos do planeta nos últimos 40 anos em busca dos efeitos da variação do clima nos rendimentos da população. Traçaram cenários detalhados até 2050. Norte e Centro-Oeste do Brasil estão entre as regiões onde a renda deverá cair mais no planeta, com médias superiores a 25%, na comparação com um cenário de aquecimento controlado. Regiões do Norte da África, da Península Arábica e Paquistão estão no mesmo grupo. Em maior ou menor grau, as populações de todos os estados brasileiros sofrerão perda.

Publicado na última edição da revista científica britânica Nature, o estudo prevê que os países ricos, como Estados Unidos, Japão e integrantes da União Europeia, também deverão ter prejuízo, mas em escala menor. Regiões mais próximas do Ártico, como norte do Canadá, Escandinávia e Rússia, são as únicas que experimentarão alta nos rendimentos. O saldo global, no entanto, será negativo. A estimativa é que a renda global caia 19% nos próximos 26 anos. Os US$ 38 trilhões de perda projetados para 2049 estão muito acima do valor necessário para manter o aumento das temperaturas abaixo de 2 °C, como estipula o Acordo de Paris.

Os danos decorrentes do aquecimento global já são conhecidos: queda na produtividade na agricultura, danos à infraestrutura causados por eventos climáticos extremos ou doenças e problemas de saúde relacionados a ondas de calor. Os pesquisadores alemães concentraram a análise nas alterações de temperatura, sem levar em conta fatores como elevação do nível do mar. Dizem que o futuro poderá ser pior. “Esses danos de curto prazo são resultado de nossas emissões passadas. Precisaremos de mais medidas de adaptação se quisermos evitar pelo menos alguns. E temos de reduzir nossas emissões de forma drástica e imediata para que as perdas econômicas não fiquem ainda maiores na segunda metade do século”, afirmou em comunicado Leonie Wenz, uma das autoras do estudo.

A pesquisa não pretende ser definitiva e ainda será debatida no meio científico. Sua contribuição está em chamar a atenção para a questão, não em ser um retrato fiel do mundo em 2050. Quanto mais potente o conjunto de estudos sobre os efeitos do aquecimento global, maior a chance de combater o que psicólogos sociais chamam de “desconto do futuro” (a dificuldade de atribuir o mesmo nível de realidade ao futuro que ao presente). Isso explica por que muitos não gostam da ideia de sacrifício hoje em troca de recompensa no amanhã. Como diz o sociólogo britânico Anthony Giddens, a política da mudança climática precisa lidar com um paradoxo. Como os piores efeitos ainda não são tangíveis, as previsões parecem irreais. Mas, se esperarmos para agir quando se tornarem realidade, será tarde demais.

Greve expõe distorções nas universidades

Folha de S. Paulo

Governo tem gasto elevado no ensino superior, mas recursos são engessados e corporativismo abafa debate sobre cobrança

Greves de professores foram corriqueiras por décadas nas universidades federais. O sindicato da categoria conta 21 delas entre 1980 e 2016, o que corresponde a mais de uma a cada dois anos. Sete se prolongaram por mais de 100 dias.

Chama a atenção a inexistência de movimentos do tipo sob Jair Bolsonaro (PL), o que provavelmente se deveu ao temor compreensível de represálias por parte de um governo ideologicamente hostil à academia. Fato é que os docentes voltaram a cruzar os braços neste 2024 em grande parte das instituições federais de ensino.

É notável o contraste entre essa insatisfação crônica —que vai de salários a verbas para custeio e investimentos— e o elevado gasto governamental no setor.

Segundo os dados mais recentes da OCDE, que reúne países mais desenvolvidos, a despesa anual por aluno nas universidades públicas do Brasil chega a US$ 14.735, bem próxima à média da entidade, de US$ 14.839, em valores ajustados pelo poder de compra das moedas.

O Orçamento da União destina neste ano R$ 64 bilhões a 69 universidades e seus hospitais. Trata-se de um aparato que passou por grande expansão em administrações petistas anteriores, a ponto de seus professores e técnicos administrativos somarem hoje mais da metade dos servidores civis do Poder Executivo federal (237,2 mil de um total de 443,5 mil).

Esse gigantismo amplifica distorções de um modelo custoso, de baixo incentivo à eficiência e socialmente injusto ao beneficiar estratos mais ricos da sociedade.

Os problemas mais visíveis começam pelo engessamento dos recursos. Tome-se por exemplo a UFRJ, a maior das federais: de sua dotação de R$ 3,736 bilhões neste ano, R$ 3,159 bilhões (84,6%) são despesas obrigatórias com pessoal —e destas, R$ 1,331 bilhão vai para aposentados e pensionistas.

Com o alcance exagerado da estabilidade no serviço público, nem mesmo é possível demitir por mau desempenho nas instituições. Privilégios previdenciários dos servidores, embora reduzidos em reformas dos últimos anos, ainda vão onerar a rede por muito tempo. Sobra pouco para despesas administrativas, obras e equipamentos.

As universidades públicas ganhariam não só com uma política de pessoal mais flexível mas também com um sistema de financiamento que incorporasse recursos privados, em particular dos estudantes mais abonados. Faz falta ainda uma avaliação mais rigorosa do aprendizado.

Esse debate é rechaçado pelo corporativismo acadêmico, que aposta tudo na pressão sindical. Assim não haverá dinheiro que baste.

Obstáculos à vista

Folha de S. Paulo

Projeção de médio prazo do FMI preocupa; Brasil precisa se preparar para desafio

Mesmo com desafios econômicos e tensões geopolíticas, as mais recentes projeções do Fundo Monetário Internacional sugerem alguns avanços no curto prazo.

A instituição elevou para 3,2% anuais a expectativa de expansão da atividade global para 2024 e 2025, ao passo que continua a indicar redução gradual da inflação para 2,4% até o final do ano que vem.

Trata-se de estimativa auspiciosa, impulsionada notadamente pela melhor perspectiva para os Estados Unidos e alguma revisão de alta para mercados emergentes. No caso brasileiro, o fundo espera que o PIB cresça 2,2% neste ano —0,7 ponto percentual a mais que antes.

Não há que se contentar, entretanto, com tais números. Primeiro porque há declínio considerável ante a média de 3,9% anuais observada no período 2000-2019, o que indica redução de dinamismo.

Mas é o cenário para os próximos cinco anos e adiante que inspira preocupação. Segundo o FMI, a taxa de crescimento potencial da economia mundial será de apenas 2,8% em 2030, patamar que provavelmente dificultará a continuidade do processo de redução de desigualdades, tanto no âmbito doméstico como entre países e regiões.

Com o envelhecimento da população, a força de trabalho crescerá bem menos no futuro. Outros obstáculos, como alto endividamento dos governos, que eleva os custos de financiamento, também devem impactar investimentos.

Há tendência de aprofundamento das diferenças entre nações. Fatores como qualificação de mão de obra, regulação de mercados que favoreça concorrência, uso eficiente de recursos e capacidade de mobilizar positivamente a inteligência artificial serão críticos.

Tais temas, contudo, não estão no centro do debate brasileiro, que continua dominado por emergências conjunturais e falta de visão política. O governo atual, assim como anteriores, não se propõe a formular estratégias contínuas e de longo prazo.

Qualificar mão de obra, impulsionar o setor do trabalho, reduzir ineficiências regulatórias, fomentar abertura e concorrência nos mercados, sem falar no essencial ajuste fiscal, são só algumas das iniciativas necessárias para preparar o país para os desafios vindouros.

O atraso que une governo e oposição

O Estado de S. Paulo

Governo sinaliza apoio à PEC de senadores bolsonaristas que fixa porcentual mínimo de gastos com Defesa, podendo agravar uma distorção da democracia: o engessamento do Orçamento

O governo do presidente Lula da Silva deu sinais de que pode apoiar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trava ainda mais o Orçamento. De autoria do senador bolsonarista Carlos Portinho (PL-RJ), a PEC fixa um porcentual mínimo para destinação de recursos para a Defesa – 1,2% do Produto Interno Bruto no primeiro ano de vigência, com aumentos anuais até chegar a 2%. Estivesse em vigor, a chamada PEC da Defesa teria elevado o Orçamento da pasta para 2024 dos atuais R$ 126,6 bilhões para R$ 130,8 bilhões.

Já se sabe que Lula está ansioso para agradar às Forças Armadas e reconquistar a confiança dos militares, mas colaborar para engessar ainda mais a peça orçamentária é um péssimo caminho. A bem do País, o presidente deveria direcionar seus esforços no sentido diametralmente oposto, vale dizer, trabalhar por um Orçamento cada vez menos travado. Afinal, essa é uma distorção que, a um tempo, reduz sensivelmente a discricionariedade do próprio chefe do Poder Executivo federal e, o que é ainda pior, abastarda a democracia representativa ao interditar o debate público sobre a destinação dos recursos dos contribuintes. Obviamente, não se pode falar em debate algum quando o Orçamento já nasce com 90% dos recursos comprometidos com gastos obrigatórios e apenas 10% destinados aos chamados gastos discricionários.

Convém lembrar que “o Orçamento é o coração da democracia”, como bem sintetizou o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco em uma de suas colunas publicadas por este jornal (O Orçamento público e a democracia, 28/11/2021). De fato, poucos atos da vida coletiva expressam com mais vivacidade a essência do regime democrático do que a discussão pública sobre os múltiplos desejos da sociedade e, principalmente, sobre os meios para materializá-los na peça orçamentária. Mais bem dito: uma democracia só estará plenamente consolidada quando a sociedade for livre e madura o bastante para elencar, por meio de seus representantes, as grandes prioridades nacionais, tendo como norte o bem comum. Em que pese o valor de cada um dos interesses sociais em jogo no debate público, dinheiro não brota do chão e, portanto, escolhas precisam ser feitas.

Deveria ser ocioso enfatizar que Lula da Silva – ou qualquer presidente –, a rigor, não tem de conquistar a simpatia ou a confiança dos militares, e sim manter com eles uma relação republicana e institucional. Portanto, as discussões sobre um eventual aumento de recursos para a Defesa deveriam se dar em razão das necessidades específicas do setor e em contraste com as necessidades de outros setores – porque, convém recordar, o dinheiro público é finito.

Ademais, no momento em que o próprio governo federal se vê em dificuldades para fechar as contas públicas, haja vista a recente revisão das metas de resultado primário para os próximos anos, é no mínimo contraditório, para não dizer temerário, expressar esse apoio a uma PEC que só tende a agravar a situação fiscal do País.

Não se discute aqui o mérito das demandas orçamentárias das Forças Armadas, assim como decerto são valorosos os pleitos por mais investimentos nas pastas da Saúde e da Educação, ou do Turismo, ou da Cultura – sempre haverá bons argumentos para investir em todas essas áreas e em tantas outras. A grande questão é que à sociedade não é dado nem sequer discutir essas alocações orçamentárias, uma vez que boa parte do dinheiro já está carimbada. Ao invés de contribuírem para a reversão desse cenário, governo e oposição se unem para agraválo ainda mais.

Com um Orçamento comprometido de forma avassaladora com os gastos obrigatórios – como o pagamento de salários do funcionalismo público, pensões e aposentadorias, além de benefícios sociais e privilégios setoriais que se perpetuaram ao longo do tempo –, sobra quase nada para a sociedade decidir onde e como investir. Ou seja, para definir melhor o seu próprio futuro.

O antilavajatismo e o neolavajatismo

O Estado de S. Paulo

A Justiça deveria estar empenhada em separar o joio do trigo. Mas, como se viu no CNJ, instâncias superiores estão imbuídas do mesmo messianismo justiceiro que corrompeu a Lava Jato

A Lava Jato desbaratou o maior esquema de corrupção de que se tem notícia no Brasil e, ao fazê-lo, restaurou na população a confiança – ou ao menos a esperança – de que ninguém está acima da lei, por maior que seja seu poderio político e econômico. Mas, ao se colocarem acima da lei e empregarem meios ilícitos para atingir seus fins, os próprios protagonistas da operação dilapidaram esse legado.

Intoxicada por um frenesi salvacionista, a Lava Jato se autoconferiu uma espécie de competência universal de combate à corrupção. As ilegalidades contaminaram a operação como uma metástase: conduções coercitivas e prisões preventivas arbitrárias; linchamentos públicos baseados em meras denúncias e delações; vazamentos seletivos; relações promíscuas entre juízes e procuradores; condenações sem provas e mais uma longa ficha corrida. O messianimo punitivista inflamou uma histeria antipolítica: todo político passou a ser visto como um corrupto em potencial; todo crítico, como cúmplice da corrupção. Assim, ao punir corruptos, a Lava Jato elevou a Justiça; ao justiçar políticos, o lavajatismo a desmoralizou.

Uma década após o início da operação, as instituições republicanas, em especial a Justiça, deveriam estar imbuídas da missão de separar o joio do trigo; debelar o câncer e restaurar o corpo. Mas não é o que se está vendo. Insufladas pelos ventos políticos, inflamadas por um ânimo revanchista, instâncias superiores da Justiça estão cometendo arbitrariedades a pretexto de combater arbitrariedades. São os mesmos métodos, o mesmo narcisismo, o mesmo maniqueísmo, o mesmo jacobinismo, mas agora com o sinal trocado. O antilavajatismo converteu-se em um neolavajatismo.

O Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, que por anos validou a operação, agora se empenha em fazer terra arrasada dos acordos e delações de criminosos confessos.

O capítulo mais recente é o julgamento no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o emprego dos recursos oriundos de acordos de colaboração e leniência. A Corregedoria acusa a juíza Gabriela Hardt, substituta de Sergio Moro, de uma “gestão caótica” do dinheiro e um “conluio” para alocá-lo conforme o “interesse exclusivo da força-tarefa”. Um juiz e três desembargadores são acusados de descumprir decisões do STF ao anularem decisões do juiz Eduardo Appio, que assumiu a Lava Jato, revertendo decisões de Moro.

São acusações plausíveis, que serão devidamente julgadas pelo plenário. Mas não é preciso entrar no mérito para reconhecer a desproporção e a arbitrariedade das medidas tomadas pelo corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão. Na segunda-feira, um dia antes do julgamento, Salomão afastou monocraticamente os juízes e desembargadores.

A Associação dos Juízes Federais reagiu prontamente, apontando que o alijamento é medida de última instância que pressupõe “motivos de natureza extremamente grave” e “contemporaneidade aos fatos”, “situações que não se verificam no caso em debate, já que os fatos imputados dizem respeito a matéria jurisdicional, cuja correção se dá através das instâncias recursais, e não por reprimenda correicional, sob pena de ofensa à independência do Poder Judiciário”.

Mesmo o presidente do STF e do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, um juiz conhecido por sua retórica contemporizadora, às vezes até melíflua, reagiu com palavras duras. Segundo ele, o afastamento foi medida “ilegítima, arbitrária e desnecessária”, lembrando que ela exige uma decisão colegiada ante faltas graves inequivocamente comprovadas. “Se chancelarmos isso, estaremos cometendo uma injustiça, senão uma perversidade.” Ao fim, o plenário reverteu a suspensão dos dois juízes, mas manteve a dos desembargadores.

A vontade de vendeta é indisfarçável. Há pouco tempo, o presidente Lula revelou que quando recebia procuradores na carceragem da Polícia Federal de Curitiba costumava dizer: “Só vai estar tudo bem quando eu f... esse Moro”. Ao que parece, não é o único a nutrir desejos inconfessáveis, não só em relação a Moro, mas a qualquer um que tenha relação com a Lava Jato.

Uma falha inaceitável

O Estado de S. Paulo

Poder público reduziu em 83% a contratação de agentes antidengue quando epidemia se avizinhava

Prevista desde meados do ano passado como desafio maior de saúde pública do último verão, a epidemia de dengue deixou até agora mais de 3,3 milhões de infectados e uma extensa relação de negligências do poder público. Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) indicam que, em 2023, apenas 822 novos agentes comunitários de endemias (ACEs) foram contratados para atuar na linha de frente do combate ao mosquito Aedes aegypti pelo conjunto dos 5.568 municípios do País. No ano anterior, quando não se vislumbrava crise sanitária tão grave, mais 4.313 haviam entrado em ação. Os números estampam a mais recente omissão das autoridades de Saúde conhecida até o momento.

Desde o grande surto de dengue de 2001, epidemiologistas enfatizam que o controle do ciclo natural do Aedes aegypti – transmissor também de febre amarela, do zika vírus e da chikungunya – é o principal meio de evitar os contágios. O combate à proliferação do inseto sempre exigiu esforços diretos dos municípios que, como bem dizia o ex-governador paulista Franco Montoro, “é onde as pessoas moram”. Mesmo os economicamente inviáveis não teriam justificativas para negligenciar a tarefa, visto que os salários de atuais e novos ACEs são cobertos pelo Ministério da Saúde.

Nesse sentido, a queda de 83,3% na contratação dos agentes entre 2022 e 2023 parece ter sido ignorada pelo Ministério da Saúde, assim como o grau de desconhecimento das prefeituras sobre a grave epidemia que se avizinhava. Em teoria, nenhuma autoridade local se omitiria no campo da saúde pública em ano de eleições municipais, como é o de 2024. Além da pulverização de inseticida e da inspeção de residências e áreas comuns, o trabalho dos ACEs é imprescindível para impedir o avanço da dengue e das demais arboviroses, especialmente quando o País ainda se encontra distante de imunização universal contra a dengue.

Ao curto-circuito na informação prévia de gestores municipais sobre o cenário de epidemia no verão, somou-se o corte de verbas do Ministério da Saúde à propaganda de alerta à cidadania. Em meados de 2023, os principais centros de pesquisa meteorológica e climática do mundo previram um verão com temperaturas alarmantes no Hemisfério Sul por causa do fenômeno El Niño. Calor é sinônimo, entre outros, de proliferação do Aedes aegypti. No entanto, somente em novembro a pasta divulgou nota sobre “a possibilidade de uma epidemia de maiores proporções que as já documentadas na série histórica do País”.

O Ministério da Saúde pode não ter se mantido totalmente omisso, como demonstram suas ações para manter estoques adequados de medicamentos contra a doença e os repasses de recursos para a vigilância sanitária de Estados e municípios no fim de 2023 e no início deste ano. Mas, diante das 1.457 mortes por dengue confirmadas até o último dia 17 – outras 1.929 continuam em investigação –, será difícil validar sua atuação como eficaz. A epidemia certamente custaria menos vidas se houvesse maior coordenação do ministério com os municípios. Inaceitável, tal falha não pode mais se repetir.

Compromisso com equilíbrio fiscal é dever conjunto

Valor Econômico

Executivo como um todo, não apenas, e o Legislativo precisam, de forma definitiva, abraçar a cartilha de equilibrar as contas, possibilitando o avanço do ambiente de negócios do país

Com a volta da instabilidade nos mercados, as incertezas fiscais no Brasil ganharam peso relativo maior na avaliação de curto prazo dos investidores. A mudança para pior das metas fiscais - mudança à qual o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teria precisado ceder - compôs, com as incertezas externas, os motivos pelos quais o dólar se valorizou, os juros futuros subiram e as ações caíram bastante nos últimos dias. É nesse ambiente que uma repentina coleção de “pautas-bomba” do Legislativo, capazes de explodir o já frágil novo regime fiscal, surgiu e terá de ser desarmada. Portanto, o Executivo como um todo - não basta apenas a iniciativa de Haddad - e o Legislativo precisam, de forma definitiva, abraçar a cartilha de equilibrar as contas, possibilitando o avanço do ambiente de negócios do país.

A fragilidade da base do governo estimulou o apetite de líderes políticos aliados, ou não. Uma das mais danosas iniciativas partiu do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de restabelecer o quinquênio - aumento de 5% dos vencimentos a cada 5 anos de serviço - para a elite do funcionalismo público, em PEC já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça. Coube ao relator Eduardo Gomes, do oposicionista PL, estender o direito para bem além da magistratura, Ministério Público e Defensoria Pública, ampliando-o para Tribunais de Contas federais e dos Estados e Polícia Federal.

A fatura fiscal é pesada, estimada em R$ 40 bilhões, mas os danos políticos são igualmente grandes. Servidores federais realizam protestos há semanas por reajustes salariais, negados pelo Executivo com a boa razão de que não há dinheiro sobrando - ao contrário. As demandas salariais podem se tornar incontornáveis se a elite no topo da hierarquia salarial receber mais um entre seus inúmeros privilégios, que tornam o Judiciário brasileiro um dos mais caros do mundo.

A justificativa de Pacheco para a PEC é ruim. A alegação de que os salários iniciais da carreira já quase se igualam aos do topo de longevos funcionários é uma disfunção que permeia todo o serviço público, e um dos meios de combatê-la é a reforma administrativa. A PEC vai a plenário em dois turnos e, se aprovada, segue para idêntico ritual na Câmara.

Pacheco, em campanha pelo governo mineiro, entrou na negociação de Minas, Rio Grande do Sul, Goiás e Rio de Janeiro, os Estados mais endividados, fora São Paulo, para obter desconto nos juros e abatimento no estoque dos débitos. A proposta, se aceita, é quase um presente da União a esses Estados - redução dos juros para IPCA mais 1% (hoje mais de 4%), federalização de estatais estaduais e, depois disso, corte de 50% no restante das dívidas. Ao não colocar suas contas em dia, sem deixar de conceder aumentos salariais, esses Estados querem se remunerar a uma taxa que nem a União, que assumiu suas dívidas, consegue. O Tesouro se endivida hoje pagando IPCA mais 5% a 6% ao ano. Seriam um prêmio e um alívio que os incentivariam a empilhar dívidas novamente, à espera de novo socorro.

O governo tem outros assuntos pendentes no Legislativo que podem lhe custar bilhões. Os vetos à prorrogação dos incentivos ao programa de recuperação ao setor de eventos - há negociação em curso para que abatimentos se reduzam a R$ 5 bilhões por ano nos próximos três anos, mas o que foi aprovado pelo Congresso não prevê restrição - e à redução do recolhimento da previdência de municípios até 156 mil habitantes - a Fazenda tenta reduzir o número de beneficiários e o desconto, fixando-lhe prazos - ainda não livraram o Executivo da possibilidade de derrotas. Outro veto, a R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão, é objeto de barganha, com o Congresso dando em troca antecipadamente ao Executivo a autorização para gastos de R$ 15,7 bilhões, que só viria, se viesse, depois de maio.

Além disso, o Congresso quer mais rapidez na liberação de emendas em ano eleitoral. O presidente da Câmara, Arthur Lira, não recebe mais o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para discutir nenhum assunto. E um decreto do Executivo determinou, como é próprio, que o ministro receba os pedidos de recursos antes de que eles sejam endereçados aos ministérios, o que hoje não está ocorrendo. Lira não quer perder nenhum poder, para garantir que terá peso na escolha de seu sucessor, e vê no governo, com ou sem razão, tramoias para reduzir sua influência em fim de mandato.

A orientação do governo, de dar sinal verde ao aumento de gastos, de obras e de crédito, estimulou o aumento de reivindicações a serem satisfeitas pelos cofres públicos. Ao aumentar a arrecadação e evitar cortar gastos, atraiu a cobiça de parlamentares, Estados e municípios, criando a falsa impressão de que não há limitação de recursos. Partiu do governo, por exemplo, a ideia de nova e nociva vinculação de despesas do Orçamento, para garantir os investimentos em Defesa.

Diante da piora evidente do cenário externo, com a insegurança no Oriente Médio e as dúvidas sobre quando o Fed, o banco central americano, começaria a cortar juros, o Executivo e o Congresso deveriam se unir em torno da necessidade de conter as despesas, afiançar o compromisso com o equilíbrio fiscal e recuperar expectativas de que as contas públicas não corram risco de descontrole.

Iniciativas para pensar a educação

Correio Braziliense

Diante de uma história de negligências, o gosto pelo ensino no Brasil precisa urgentemente ser estabelecido como rota para o desenvolvimento

Nesta semana, de hoje a quinta-feira, a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) reúne, em Natal (RN), 165 estudantes de todo o país para o Encontro do Hotel de Hilbert — paradoxo do infinito apresentado pelo alemão David Hilbert, em 1925. Durante os quatro dias, meninos e meninas do 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio de instituições públicas e privadas participarão de gincanas, aulas e palestras, além da resolução de problemas — as melhores soluções serão apresentadas aos colegas e professores. O evento pode até parecer irrisório, porém é um exemplo de incentivo à educação, uma vez que vai além do aprendizado.

Os desafios que o grupo terá pela frente nessa imersão começaram a ser desvendados nas salas de aula. O caminho que levou os alunos ao evento, que está em sua 9ª edição, partiu do esforço de cada um deles. Mas, no panorama coletivo, a iniciativa representa a oportunidade de incentivar os jovens a se dedicarem ao aprimoramento dos estudos. Derrubar barreiras e debater temas, ampliando o conhecimento científico dos participantes e preparando-os para um alto desempenho profissional, são as propostas da iniciativa e que devem ser multiplicadas.

Diante de uma história de negligências, o gosto pelo ensino no Brasil precisa urgentemente ser estabelecido como rota para o desenvolvimento. As marcas de um percurso de avanços e retrocessos travam as conquistas pessoais e da sociedade. Em diversos segmentos, a impressão que passa é de que o país poderia estar em uma posição muito melhor se a educação fosse entendida como prioridade.

Políticas públicas não faltam. No entanto, a própria implantação e continuidade adequada deixam a desejar na maioria das situações. Desde o Plano Nacional de Alfabetização, elaborado por Paulo Freire para ensinar a escrita a adultos, e oficializado em 1964, só que encerrado menos de três meses depois por causa do golpe militar, são inúmeros os casos de projetos que ficaram pelo caminho.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2023, organizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que o Brasil conta 9,3 milhões de analfabetos. O levantamento ainda aponta que 46% da população não tem escolaridade básica completa. São números extremamente comprometedores. Se a realidade dos adultos é preocupante, a situação que envolve crianças e adolescentes também apresenta elevada gravidade. Hoje, não bastassem os problemas de décadas seguidas, os efeitos colaterais da pandemia da covid-19 pioraram o quadro.

De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a proporção de crianças de 7 anos que não sabiam ler nem escrever saltou de 20% para 40% de 2019 para 2022. Situação similar à de crianças de 8 anos: de uma taxa de 8,5%, em 2019, houve elevação para 20,8%, em 2022. Para as crianças de 9 anos, a estatística cresceu de 4,4% para 9,5%, de 2019 para 2022. Sinais de alerta para todos. Afinal, a leitura é o ponto de partida para o universo do aprendizado.

As dificuldades que permeiam a educação são gigantes, mas não podem ser paralisantes. Fazer os jovens chegarem à OBMEP, e em muitas outras ações do tipo, precisa estar no topo das prioridades. A negligência na educação destrói os sonhos individuais e da nação. Não é possível alcançar o sucesso em nível nacional sem que a maioria da população passe com eficiência pelas páginas dos livros.

Cabe refletirmos sobre quais saídas devem ser encontradas para a melhoria da educação. O Brasil tem que desatar os nós dos níveis fundamental ao superior. São inúmeros fios interligados que desenrolam em várias questões, mas também em possibilidades diversas. Corrigir os erros, mergulhar nos acertos e progredir são metas a serem cumpridas pela sociedade. Tratar o ensino com respeito e seriedade é a lição.

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