sexta-feira, 26 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Regulamentação da reforma tributária é urgente para o país

O Globo

Projeto apresentado pelo governo, com todos os senões, deve ser encarado como prioridade no Congresso

Com a aprovação da reforma tributária no ano passado, criou-se enfim consenso no Parlamento para pôr fim ao manicômio tributário brasileiro. Ficou acertado que três impostos federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS) serão unificados em dois novos: CBS (federal) e IBS (estadual e municipal). A mudança reduzirá o tempo inacreditável gasto pelas empresas para administrar o pagamento de tributos, acabará com a cumulatividade que mina a competitividade brasileira e contribuirá para diminuir o altíssimo nível de judicialização, a infinidade de regras, exceções e guerras fiscais, com a consequente má alocação de investimentos na economia. Embora a emenda constitucional promulgada em dezembro tenha defeitos — entre eles um sem-número de exceções e regimes especiais ainda mantidos —, ela coloca o Brasil numa nova realidade tributária.

O Executivo apresentou nesta semana o primeiro de três projetos de regulamentação, com propostas de regras para o novo sistema. Em mais de 300 páginas e 500 artigos, o texto demandará atenção redobrada dos congressistas. Ideias ruins anunciadas anteriormente, como exceções e isenções raramente justificáveis, foram mantidas. Há também indícios de voracidade arrecadatória, apesar de o governo insistir que a intenção é apenas regulatória.

Pelos cálculos da Fazenda, a soma das alíquotas de CBS e IBS deverá ficar entre 25,7% e 27,3%, uma das mais altas do mundo (a média entre países da OCDE é 18%). Um dos fatores a empurrá-la para cima é a profusão de exceções. Quanto mais benefícios a setores específicos, maior a conta de todos os demais. À primeira vista, parece fazer sentido isentar alimentos da cesta básica, como propõe o governo. A experiência internacional mostra, porém, que os produtores não costumam refletir a isenção nos preços. Mesmo que os reduzissem, a isenção é injusta por beneficiar de forma indiscriminada pobres e ricos. Mais eficaz seria cobrar os impostos de todos, depois canalizar recursos a quem precisa de ajuda, nos moldes do inovador programa de cashback previsto na própria proposta. Se aprovado, famílias com renda per capita de até meio salário mínimo receberão de volta impostos cobrados nas contas de gás, luz, água e esgoto.

Na lista de produtos alvos do Imposto Seletivo, chamado de “imposto do pecado”, estão os suspeitos de sempre: cigarros, bebidas alcoólicas e bebidas açucaradas. Uma ausência e uma inclusão chamam a atenção. A proposta não menciona armas de fogo, artigo cuja compra deveria ser desestimulada. Mas inclui minério de ferro, sem especificar o motivo. A explicação provável é a intenção de reforçar a arrecadação (o minério é o principal produto na pauta de exportações brasileira).

Outro problema exige correção. Do jeito que está, o texto dá margem a uma interpretação descabida para o recebimento de créditos tributários do IBS e CBS. Uma empresa só poderá exercer o direito se todos os seus fornecedores estiverem em dia com o Fisco. Ora, o governo não pode forçar um empreendedor a ser fiscal de quem compra insumos, papel que cabe à Receita Federal.

Com todos os senões e reparos que possam ser feitos, a regulamentação da reforma tributária é uma necessidade urgente para modernizar a economia brasileira. Os parlamentares têm o dever de encarar como prioridade o projeto do governo, fazer os reparos necessários e aprová-lo quanto antes.

Câmara tem de rejeitar projeto de regionalização de normas sobre armas

O Globo

Projeto aprovado na CCJ dificulta controle de armamentos, necessário ao sucesso no combate à violência

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara prejudica o combate à violência com o projeto que permite aos estados e ao Distrito Federal legislar sobre a posse e o porte de armas. A proposta, da oposicionista Caroline de Toni (PL-SC), presidente da CCJ, criaria inconsistências entre as legislações estaduais e dificultaria o controle de armamentos, necessário ao êxito de qualquer política de segurança pública.

Se aprovada, quem fosse impedido de comprar armas e munições no próprio estado poderia viajar para abastecer seu arsenal. Ainda que o projeto estabeleça que o registro estadual seja integrado ao sistema do Ministério da Justiça e restrinja compra a nascidos no próprio estado, é evidente a brecha aberta ao aumento da circulação de armas. O movimento dos legisladores deveria ir na direção contrária: criar mais restrições ao armamentismo, banalizado no governo Jair Bolsonaro.

Logo no início do governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reverteu várias medidas armamentistas de Bolsonaro. Vetou o acesso a armas de grosso calibre, restringiu a duas aquelas que o cidadão pode adquirir e limitou a compra de munição a 50 projéteis por ano. Mas armamentos comprados legalmente continuam com seus donos. Estima-se haver 1 milhão de armas em poder da população.

A experiência com a supervisão do comércio de armas tem sido negativa. Cabia apenas ao Exército emitir registro para Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores (CACs), mesmo assim foram descobertas irregularidades. Um levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) com informações de 2019 a 2022 revela que o Exército emitiu licenças para condenados por tráfico de drogas e homicídio, além de alvos de mandados de prisão não cumpridos. É comum armas compradas legalmente por CACs irem parar nas mãos do crime organizado.

Pode-se imaginar o que aconteceria com a permissão para as assembleias legislativas legislarem sobre armas. Seria praticamente impossível controlar a pulverização dos registros de armas e munições pela Federação, segundo afirma o secretário de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Mario Sarrubbo. Ele defende, com razão, que o trabalho continue centralizado na União. É com essa intenção que os CACs, no ano que vem, passarão a ser fiscalizados pela PF.

O plenário da Câmara precisa rejeitar o Projeto de Lei aprovado na CCJ para evitar a banalização do uso de armas no país. Trata-se de medida fundamental para evitar descontrole ainda maior da violência que tanto tem atemorizado a população brasileira.

Veto dos EUA ao TikTok afronta livre expressão

Folha de S. Paulo

Bandeira da segurança é desfraldada para sustentar censura; Justiça decidirá sobre sacrifício de valor caro à democracia

Joe Biden mirou a China, conforme as justificativas oficiais, ao sancionar a lei que pode banir dos Estados Unidos a plataforma de mídia social TikTok. O que de mais evidente o mandatário atingiu, no entanto, foi a liberdade de expressão.

O texto que uniu democratas e republicanos nas duas Casas do Congresso estipula que a companhia responsável pelo aplicativo, a chinesa ByteDance, precisará se desfazer dele num prazo de 270 dias prorrogáveis por mais três meses.

Terá de vendê-lo a um controlador originário de país que não seja hostil aos EUA. Do contrário, o acesso ao serviço será bloqueado.

A censura —é disso, afinal, que se trata— será aplicada a uma rede utilizada por algo entre 150 milhões e 170 milhões de americanos, numa população estimada em 335 milhões. Segundo pesquisa do Instituto Reuters, essa é a principal fonte de notícias para 20% dos jovens de 18 a 24 anos no país.

A venda determinada arbitrariamente tende a ser difícil de se concretizar na vida real, e não apenas em razão dos valores potencialmente relacionados a uma empresa que teve receita de US$ 16 bilhões nos EUA no ano passado. Mais importante, a ditadura chinesa impõe e imporá obstáculos a um negócio desse quilate.

Em meio à disputa geopolítica e econômica entre as duas grandes potências e em ano eleitoral, a bandeira da segurança nacional foi desfraldada para dar impulso ao projeto aprovado em questão de dias pelo Legislativo —e que, de quebra, poderá favorecer as concorrentes americanas do TikTok.

Argumentou-se que a ByteDance poderia manipular informação e compartilhar dados sobre usuários americanos com Pequim, o que a empresa nega fazer. Biden e seus sucessores poderão aplicar as mesmas medidas a outros aplicativos de países tidos como hostis.

Referência global na adoção ampla e robusta do princípio da liberdade de expressão, os EUA dão um exemplo draconiano e perigoso no debate delicado e necessário da regulação das redes sociais. O TikTok já está banido da Índia há quatro anos, também sob o argumento da segurança nacional, que pode encontrar eco na Europa.

A questão não está encerrada, de todo modo, porque a plataforma indica que recorrerá à Justiça americana —na qual já obteve vitória, em 2020, contra sanções então impostas por Donald Trump e depois revogadas por Biden.

Será proveitoso examinar se as alegações do mundo político a respeito da empresa chinesa justificam o sacrifício de valor tão caro à democracia que orgulha o país.

Susp em prática

Folha de S. Paulo

Criado em 2018, sistema nacional e integrado de segurança precisa sair do papel

Em vez de defender a introdução do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) na Constituição, o ministro Ricardo Lewandowski, da Justiça, deveria se esforçar para colocar o modelo em prática. Afinal, o chamado SUS da Segurança foi criado em 2018, pela lei 13.675, mas até hoje não saiu do papel

Ao instituir a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, o Susp determina a articulação dos órgãos da Federação que atuam no setor, padronização de estruturas e tecnologia, capacitação continuada e qualificada, participação social e outras medidas hoje longe de implementadas.

Está previsto, também, o aprimoramento da investigação de crimes hediondos e homicídios, de fato precária num país onde se esclareceram somente 1 em cada 3 assassinatos entre 2015 e 2021, de acordo com levantamento da ONG Instituto Sou da Paz.

O diploma requer ainda o fortalecimento de mecanismos de controle, como ouvidorias, além de transparência e integração de informações, notadamente sobre armas e drogas —hoje, por exemplo, o Exército demonstra descontrole sobre dados de armas furtadas.

O próprio policial também é objeto da norma. Em janeiro de 2023, o governo sancionou mudanças na lei do Susp para incluir políticas de saúde mental e de prevenção de suicídio para agentes de segurança. Falta, contudo, que os estados executem as ações previstas.

Trata-se de tema fundamental. Por trás de demandas corporativistas que norteiam a nova lei orgânica das polícias, está a necessidade de valorizar o trabalho policial.

A segurança pública tem ocupado posição cada vez mais relevante no rol de preocupações da população brasileira. Na maior metrópole do país, 23% dos paulistanos consideram que ela é o maior problema urbano. Estima-se que o tema, apesar de estar mais atrelado a competências estaduais e federal, será fundamental nas eleições municipais deste ano.

Cabe aos governos instituírem e coordenarem políticas públicas baseadas em evidências, integradas, contínuas e de longo prazo, sem se deixarem levar por populismo imediatista e eleitoreiro. O Planalto poderia começar por reduzir a lista de pendências do Susp, em vez de tentar reinventar a roda que nem sequer começou a girar.

A nova batalha da reforma tributária

O Estado de S. Paulo

Com a alíquota de referência do novo imposto sobre bens e serviços enfim divulgada, parlamentares terão de ter ainda mais cuidado para impedir um aumento da carga tributária

O governo finalmente enviou ao Congresso o primeiro dos três projetos de lei que regulamentarão a reforma tributária sobre o consumo, promulgada no ano passado. Com a apresentação das regras gerais sobre o funcionamento dos impostos que incidirão sobre bens e serviços, o contribuinte finalmente saberá quanto, efetivamente, paga em impostos por cada item que adquire, tarefa impossível dado o cipoal de normas que caracterizam o atual sistema tributário.

Muitas das críticas que a iniciativa tem recebido são descabidas, a começar pela alíquota final do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Da forma como o governo elaborou a proposta, ela ficará entre 25,7% e 27,3%, com média de 26,5%, o que renderia ao Brasil uma das alíquotas mais altas entre os países que adotam o modelo do IVA.

Ora, em primeiro lugar, a carga tributária sobre bens e serviços atual já é, em média, de 34,4%, considerando impostos federais, estaduais e municipais. A diferença é que o novo sistema vai proporcionar a recuperação de créditos ao longo da cadeia, o fim das cobranças “por dentro” e a não cumulatividade de impostos, fundamental para garantir competitividade à indústria nacional.

Tampouco são justas as reclamações sobre o tamanho do texto, que soma 360 páginas e 499 artigos. Uma mudança tão profunda quanto a proposta da reforma tributária aprovada pelo Congresso no ano passado não poderia ter um resultado diferente, considerando a necessidade de regulamentar os novos tributos e os regimes específicos para diversos setores econômicos.

Algo a ser elogiado é a reduzida lista de itens da cesta básica que terão direito à isenção de impostos federais. Pela proposta do governo, serão apenas 15 produtos – arroz, feijão, leite, café e açúcar, entre outros – que refletem o consumo dos mais pobres. Outros itens terão desconto de 60% no valor dos tributos, como carnes, peixes, massas e sucos.

Fato é que não há motivo razoável para manter a isenção da lista atual, com mais 700 produtos, entre eles bacalhau, salmão e nozes. A forma de devolução dos impostos pagos pelas famílias de baixa renda, por meio de descontos automáticos nas faturas de água, esgoto e energia elétrica, é uma medida acertada, que coloca o foco nos mais necessitados e desestimula furtos e ligações clandestinas.

Há, no entanto, muitos temas com potencial de gerar controvérsias e travar as discussões no Congresso. Um dos principais é o Imposto Seletivo, que incidirá sobre itens supostamente danosos à saúde e emissores de poluentes. Segundo propôs o governo, o tributo incidirá sobre cigarros, bebidas alcoólicas, refrigerantes, embarcações, aeronaves, veículos e bens minerais extraídos. O Executivo terá trabalho para manter a lista intacta, uma vez que muitos desses setores são conhecidos pelas excelentes relações que mantêm com os parlamentares.

Há pouco tempo para discutir a reforma no Congresso, e o governo terá de reforçar sua articulação política para garantir sua aprovação ainda neste ano, encurtado em razão das eleições municipais. Embora a proposta entre em vigor apenas em 2033, o período de transição será iniciado em 2026. Em 2025, no entanto, será preciso estabelecer normas infralegais que dependem deste e de outros dois projetos, ainda a serem enviados, que tratarão dos fundos regionais e do comitê gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a ser administrado por Estados e municípios.

Agora que a alíquota de referência do novo imposto foi finalmente divulgada, deputados e senadores terão de ter ainda mais cuidado na análise do texto. Como a reforma é neutra sob o ponto de vista arrecadatório, qualquer benesse adicional para um segmento específico, como a inclusão de novos alimentos na lista de itens isentos da cesta básica, aumentará o imposto pago pelos demais.

A diferença é que, na fase atual, o custo político dessas decisões recairá sobre os parlamentares, e não mais sobre o governo. Será um verdadeiro teste de fogo ao discurso oficial do Legislativo, que se diz contrário a qualquer medida de aumento de impostos.

O ‘tarjetón’ de Maduro

O Estado de S. Paulo

Lula festeja ‘normalidade’ de uma eleição em que tudo é feito para dar a vitória a Maduro, o que mostra sua pequenez moral diante de gente que sabe distinguir uma ditadura quando vê uma

No café da manhã que teve recentemente com jornalistas, o presidente Lula da Silva classificou de “extraordinária” a decisão da oposição da Venezuela de se unir em torno de um candidato único para disputar a eleição presidencial contra o ditador Nicolás Maduro. Lula parece considerar que a suposta união da oposição em torno de uma candidatura é um sinal de normalidade política. “Vai ter eleições, eu acho que vai ter acompanhamento internacional sobre as eleições. É interesse de muita gente querer acompanhar”, festejou Lula. E ele acrescentou, candidamente: “E se o Brasil for convidado (como observador), o Brasil participará do acompanhamento dessas eleições na perspectiva de que, quando terminar essas eleições, as pessoas voltem à normalidade. Ou seja, quem ganhou toma posse e governa; quem perdeu se prepara para outras eleições, como eu me preparei depois de três derrotas aqui no Brasil”.

É preciso ser muito ingênuo, coisa que Lula não é, para acreditar que as assim chamadas “eleições” na Venezuela são normais, isto é, que “quem ganhou toma posse e governa” e “quem perdeu se prepara para outras eleições”. Numa ditadura, caso da Venezuela, as eleições são meramente protocolares, cuja serventia é apenas dar ares de legitimidade democrática à manutenção do ditador no poder. Ou seja, já se sabe de antemão que Maduro será “reeleito”.

Por esse motivo, ninguém na oposição venezuelana realmente acredita que seja capaz de ganhar as eleições nem, muito menos, que Maduro, se por um cataclismo fosse derrotado, entregaria pacificamente o poder. Para resumir, a oposição não ganhará a eleição porque democracia não há: os principais candidatos oposicionistas ou estão presos ou foram impedidos de concorrer; não há imprensa livre nem Judiciário independente; e o governo chantageia os eleitores pobres (quase a totalidade da população) ameaçando retirar benefícios sociais caso não apoiem Maduro, isso quando não manda suas milícias simplesmente aterrorizá-los.

Ou seja, mesmo sendo ditador, Maduro não dá nenhuma sopa para o azar. Até mesmo a cédula de voto é feita para assegurar que não haverá surpresas sobre o resultado da eleição de julho. Chamada de “tarjetón”, por seu tamanho descomunal, a cédula apresenta a foto de Maduro nada menos que 13 vezes, contra apenas uma do tal candidato único da oposição. O próprio tirano, ao apresentar a cédula, fez blague: “Maduro tem 13 fotos. Hegemonia. Candidato único. Ditadura”.

Ainda assim, a oposição vai participar da campanha, e tudo indica que o fará não porque tenha qualquer esperança de sucesso, mas como forma de ganhar palanque para denunciar a ditadura chavista. Desse modo, a tal candidatura unificada da oposição é, na prática, uma “anticandidatura”.

Isso requer coragem, a mesma que teve Ulysses Guimarães, aqui no Brasil, ao apresentar-se como “anticandidato” à sucessão do presidente-general Emílio Médici, em 1974. Como se sabe, a eleição era restrita a um Colégio Eleitoral quase totalmente dominado pelo regime militar, que apenas referendava o nome ungido pelos generais. Ulysses, claro, não tinha a menor chance, mas não entrou na disputa para ganhar, e sim para ter algum espaço para denunciar o regime.

Um discurso memorável selaria a anticandidatura: “Não é o candidato que vai recorrer o país. É o anticandidato, para denunciar a antieleição imposta pela anticonstituição que homizia o AI-5 (Ato Institucional n.º 5, a norma mais repressiva da ditadura), submete o Legislativo e o Judiciário ao Executivo, possibilita prisões desamparadas pelo habeas corpus e condenações sem defesa, profana a indevassabilidade dos lares e das empresas pela escuta clandestina e torna inaudíveis as vozes discordantes”. E concluiu: “A inviabilidade da candidatura oposicionista testemunhará perante a nação e perante o mundo que o sistema não é democrático”.

É, portanto, de estatura moral que se trata. Nesse ponto, Lula é um anão perto de Ulysses e dos opositores venezuelanos – que sabem distinguir muito bem uma ditadura quando estão diante de uma.

Vício centralizador

O Estado de S. Paulo

Ministro quer mais poder à União na segurança, mas mudar Constituição não garante resultado

O ministro Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) defendeu a revisão do modelo de segurança pública previsto na Constituição, sugerindo maior centralização no Poder Executivo para a definição de políticas e diretrizes nacionais na área. Ele quer atribuir à União um “planejamento nacional de caráter compulsório para os demais órgãos de segurança” e defende a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), criado no governo de Michel Temer para servir como uma espécie de SUS da Segurança. Abandonado no mandato de Bolsonaro e nomeado como prioridade na gestão de Lula da Silva, o Susp, por ora, está malparado. Para o ministro, o modelo instituído em 1988 é incompatível com os desafios trazidos pelo crime organizado e, portanto, exige mudança constitucional, a fim de evitar, por exemplo, a compartimentação das forças policiais.

Convém separar aí o que é um diagnóstico correto do que pode resultar numa prescrição equivocada. O ministro acerta ao pregar uma atualização das forças de segurança contra o modus operandi do crime organizado, cujos tentáculos se dão em escala local, regional, nacional e internacional. Seu diagnóstico é também uma forma de reconhecer o quão atrasado está o governo federal ao lidar com a segurança pública – uma atribuição dos governos estaduais, mas um terreno onde falta à União exercer seu papel de coordenação nacional – e mais ainda no combate ao crime organizado. Não raro, especialistas enxergam um governo perdido no assunto, da gestão histriônica de Flávio Dino à discrição de Lewandowski.

Há mais, porém. O risco na pregação do ministro é a adesão a duas tentações especialmente praticadas por governos lulopetistas. A primeira é o vício da centralização federativa: a crença inabalável que planejamentos nacionais, concebidos em Brasília e submetidos às unidades da Federação, trarão eficiência, disciplina e bons resultados Brasil afora. Não vão. Ainda que se reconheça a importância de diretrizes e premissas nacionais, um país tão diverso requer adaptações e trabalho autônomo conforme as realidades locais e regionais – e mais ainda na segurança, setor cuja administração a Constituição sabiamente reserva aos governos estaduais.

O segundo vício tem a ver com a Constituição. São históricas tanto a presunção de que basta enunciar leis para que os problemas nacionais sejam resolvidos quanto a frequência com que alterações constitucionais são propostas no País, o que ajuda a tornar a Constituição uma peça sob constante emenda e retalho. Para dar vida prática ao Susp, por exemplo, basta cumprir a lei que o criou e o regulamentou. Também não é preciso emendar a Constituição para que o governo federal assuma seu protagonismo de coordenação, respeitando – como acontece na Saúde e na Educação – as funções e a autonomia federativa dos Estados. Da mesma forma, não há a necessidade de constitucionalizar a atuação pactuada e coordenada das forças federais e estaduais no enfrentamento do crime organizado.

Ademais, com as flagrantes dificuldades de articulação do governo, o risco adicional é usar as naturais barreiras de votos no Congresso para justificar a inação e a inépcia federal.

Congresso precisa evitar novas isenções na reforma tributária

Valor Econômico

Parlamentares deveriam trabalhar para que não haja proliferação dos regimes especiais ou o inchaço dos que estão na proposta do Executivo

O sistema tributário nacional foi injusto, regresssivo, difícil de operar, oneroso para se cumprir e repleto de lacunas que levaram ao maior número de recursos judiciais imaginável. Chegou a hora da verdade para ele. O Executivo apresentou na quarta ao Congresso as linhas gerais do que serão o Imposto sobre Bens e Serviços (agregando ISS e ICMS), a cargo de Estados e municípios, e a Contribuição sobre Bens e Serviços, federal, unindo PIS e Cofins. Há ainda dois projetos normatizando o conselho que vai gerir o CBS e projeto de lei ordinário delineando o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional. Será um tarefa complexa, tecnicamente difícil e politicamente delicada. Setores que se beneficiaram das distorções do sistema anterior tentarão obter vantagens para si, e os que viram seus interesses contrariados pela promulgação da Emenda Constitucional 132 buscarão na regulamentação modificar as regras.

Será a primeira reforma tributária do país feita em um regime democrático, e, após mais de três décadas de discussões e frustrações, chegou-se a um texto razoavelmente equilibrado, que ataca frontalmente as mazelas das regras em vigor. São 499 artigos, 24 anexos e 360 páginas, guiados por uma lógica que percorre todas suas partes. A missão que cabe ao Congresso agora é impedir que as emendas de todo tipo - mais de uma dezena de projetos surgiram já antes da apresentação da proposta oficial - desfigurem e desequilibrem o projeto original sem, no entanto, deixar de acolher aprimoramentos possíveis que serão feitos.

A espinha dorsal da reforma não pode ser quebrada. Ela prevê o fim da cumulatividade dos impostos, com os setores em cada etapa do processo produtivo ou de serviços se creditando de impostos pagos no estágio anterior, a mudança da tributação da origem para o destino e a desoneração de investimentos e exportações. Para aparar as arestas políticas e tornar a reforma viável no Congresso, foi estabelecido que as mudanças não alterarão a carga tributária vigente, embora possa subir para determinados segmentos e cair em outros. A grande disputa de interesses econômicos começa aí.

O Executivo reduziu o desenho da cesta básica nacional, com 15 itens que terão alíquota zero nos dois impostos, o federal e o estadual. Mesmo retirando as dezenas de itens que tinham isenção - como salmão e foie gras - a política ainda não é focada nas camadas mais pobres. O ideal seria criar o sistema de cashback também para os itens básicos. Outra cesta de 14 produtos terá desconto de 60% da alíquota integral, na qual estão incluídos carnes, peixes e crustáceos, além de óleos vegetais (exceto soja, isento). Vários produtos que antes tinham isenção pagarão agora alíquota cheia, o que desagrada à Frente Parlamentar da Agropecuária, que quer incluir mais produtos com alíquota zero e é contra o cashback nos produtos que têm isenção de 60% da alíquota.

O Imposto Seletivo, criado para desestimular o uso de produtos prejudiciais à saúde e meio ambiente, tem potencial para atrair tentativas de mudanças. Na categoria entraram veículos, aeronaves, embarcações, bebidas alcoólicas e açucaradas, cigarros, petróleo, gás - e também o minério de ferro, não muito explicado, mas de enorme potencial arrecadador. O governo comete sério equívoco ao não incluir armas de fogo, altamente nocivas, como objeto desse imposto. Alimentos ultraprocessados em geral, mesmo com a discussão sobre os danos à saúde, ficaram fora, mas as bebidas açucaradas foram contempladas, para revolta do setor.

As exceções criadas pelos regimes especiais foram mais longe do que o pretendido pelos idealizadores da reforma, mas mesmo assim, se permanecerem como estão, ainda são toleráveis. O governo estimava uma carga tributária final em torno de 21%, mas os acréscimos feitos pelo Congresso elevarão a média final. Os lobbies tendem a atuar para incluir mais setores nesses regimes ou tentar criar novos regimes especiais. Um dos alvos pode ser o setor de serviços, que terá redução de 30% da alíquota para 18 categorias profissionais, entre elas advogados, arquitetos, engenheiros e economistas.

Quanto mais setores da economia forem incluídos em regimes especiais, maior será a carga de impostos resultante. O governo estima que do jeito que foi apresentado, o projeto tem alíquotas de 25,7% a 27,3%, com média de 26,5%. É uma das maiores cargas tributárias do mundo, mas, ainda assim, reflete apenas aquilo que consumidores e empresas já pagam no sistema vigente. O Congresso deve trabalhar para que não haja proliferação dos regimes especiais ou o inchaço dos que estão na proposta do Executivo.

Não está definida em detalhes a tramitação. Há a proposta na Câmara de dois ou mais relatores, quando o ideal poderia ser um, com a visão de conjunto do rumo das discussões e a pertinência das várias emendas com o espírito que inspirou o projeto de lei complementar.

A reforma corre riscos, mas o exemplo dado pelo Congresso ao aprovar a emenda constitucional em dezembro indica que pode chegar a um final feliz. Apesar do mau momento por que passam as propostas do governo Lula no Congresso, os presidentes das Casas pretendem deixar como seu legado a mais importante reforma em décadas.

Meio ambiente e os direitos humanos

Correio Braziliense

Até esta sexta-feira, os manifestantes protestam contra o Marco Temporal, que dificulta a demarcação de novas terras indígenas, garantindo maior segurança jurídica aos produtores rurais

Muitos brasileiros desconhecem o chamado Acordo de Escazú, nome de origem indígena, considerado o primeiro tratado ambiental da América Latina e do Caribe. Em sua terceira edição, a reunião da COP3 Escazú termina nesta sexta-feira (26), em Santiago, no Chile, com algumas diretrizes, mas também com muitas dúvidas.

Entre outras funções, o Escazú visa garantir a implementação dos direitos de acesso à informação, participação pública e justiça ambiental, bem como o direito de ativistas e defensores dos direitos humanos de viver em um ambiente saudável. No entanto, a implementação e a participação ativa dos estados e cidadãos nesse processo ainda estão em construção, dizem especialistas.

Desde segunda-feira, milhares de indígenas de todas as regiões brasileiras participam de uma mobilização no Distrito Federal. Na terça, uma marcha até o Congresso Nacional marcou a participação dos grupos que lotaram o plenário da Câmara dos Deputados. Até esta sexta-feira, os manifestantes protestam contra o Marco Temporal, que dificulta a demarcação de novas terras indígenas, garantindo maior segurança jurídica aos produtores rurais.

Tirando por base as mortes dos ambientalistas Dom Phillips e Bruno Pereira, que tiveram repercussão mundial, há menos de dois anos, o Brasil amarga o título de segundo país mais letal do mundo para ativistas dos direitos humanos. Perde somente para a Colômbia.

Somente em 2022, foram 34 mortes de defensores brasileiros do meio ambiente de um total de 177 em todo o mundo, segundo a ONG Global Witness. Países latino-americanos concentraram 88% dos assassinatos desses indivíduos. Segundo o levantamento, mais de 85% dos assassinatos no período ocorreram na Amazônia, sendo a maior parte das vítimas indígenas ou negros.

Ainda assim, apesar de sua relevância e de ter sido assinado pelo Brasil em 2018, o Acordo de Escazú ainda não foi ratificado pelo país. Está parado há 11 meses na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados aguardando aprovação. Até agora, 16 países signatários tiveram seus acordos ratificados e parte dessas nações está em fase de implantação de políticas que garantam a vida e o exercício da cidadania por parte dos ambientalistas.

A impunidade é a principal característica que envolve os chamados "crimes de mando". A Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostra que, desde 1985, foram registrados 1.536 assassinatos no campo, dos quais apenas 47 foram a julgamento. Desse total, 39 mandantes e 139 executores foram condenados, o que acende um alerta de que a disputa por terras e a falta de fiscalização seguem imperando no país, colocando em risco a vida de comunidades minoritárias, como indígenas e quilombolas.

 

 

 

 

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