O Estado de S. Paulo
Apesar dos obstáculos à expansão duradoura da
atividade econômica, a inclusão da igualdade no topo da agenda do governo já é
um dado especialmente positivo
Ruim em qualquer país, a desigualdade econômica é trágica no Brasil, porque envolve baixa educação, subemprego ou desemprego, dificuldade de acesso a alimentos e até fome. Havia insegurança alimentar em 21,6 milhões de domicílios, 27,6% do total, no quarto trimestre do ano passado. A insegurança era grave em 4,1%, ou 3,2 milhões de domicílios. Assustador em outros países, um quadro como esse é especialmente preocupante no caso do Brasil, grande produtor de alimentos e uma das dez maiores economias do mundo, de acordo com o Fundo Monetário Internacional.
O cenário é melhor que o mostrado na pesquisa
anterior, de 2017-2018, quando a insegurança foi observada em 36,7% dos
domicílios, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Mas os dados contrastam com o tamanho da economia brasileira e com o vigor da
agropecuária nacional. Não há escassez de terra nem de financiamento para
lavouras e rebanhos. A oferta de comida tem sido suficiente, embora a política
agrícola tenha regredido no período bolsonarista. Não há como negar a recente
inflação dos alimentos, mas seria exagero falar de uma crise de abastecimento.
Os problemas da classe média mais vulnerável
e dos grupos pobres decorrem mesmo, como em muitos outros períodos, das
condições de emprego e da renda insuficiente. Vencida a pior fase da covid, a
oferta de vagas cresceu e as possibilidades de ganho têm aumentado, mas a
incerteza continua sombreando a economia. Crescem as estimativas de inflação,
próximas de 3,8% em 2024, segundo o último boletim Focus. Também têm aumentado
as projeções de crescimento econômico, mas sem se afastar muito dos 2% neste e
nos três anos seguintes.
Com crescimento muito menor do que seria
razoável num grande país emergente, as possibilidades de ampliação do emprego
parecem limitadas. Também limitadas são as expectativas de elevação dos ganhos
da maioria dos brasileiros. Até países bem mais desenvolvidos e, portanto, com
tendência de expansão mais moderada têm avançado com mais dinamismo que o
Brasil.
Sendo tão limitadas as perspectivas de
expansão econômica, é difícil pensar em transformação significativa e duradoura
das condições de vida. As transferências de renda promovidas pelo governo
poderão, em tese, resultar em maior consumo, produção maior e maior avanço
econômico, mas isso dependerá de maior investimento. Não há sinal, por
enquanto, de entusiasmo empresarial suficiente para impulsionar com força a
atividade produtiva.
Não basta, portanto, o governo desejar
melhores condições de vida para a população menos abonada. Essa melhora só será
duradoura se houver prolongada expansão da atividade, sustentada pelo aumento
da produção, do emprego e dos ganhos familiares. O desemprego diminuiu no
último ano, depois subiu ligeiramente e chegou a 7,8% no trimestre móvel
encerrado em fevereiro, ficando abaixo da taxa registrada um ano antes (8,6%).
No último trimestre pesquisado, o rendimento
médio dos trabalhadores ocupados chegou a R$ 3.110, com aumento real, isto é,
descontada a inflação, de 4,3% sobre o valor computado um ano antes. Além do
emprego, avançou também a remuneração do trabalho – e em ritmo superior ao do
crescimento econômico. Nos 12 meses até fevereiro, o Produto Interno Bruto
(PIB) acumulou expansão de 3%, segundo estimativa da Fundação Getulio Vargas
(FGV).
Se depender do crescimento econômico
projetado para este ano e para os três seguintes, a desigualdade entre os
brasileiros continuará elevada, embora possa diminuir, se o governo avançar no
rumo adequado. Promover melhor distribuição de oportunidades e de renda tem
sido um componente constante da retórica do PT e do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva.
Avanços duradouros dependerão de progressos
também sustentáveis na criação de empregos, na educação e nos investimentos de
grande efeito social, como, por exemplo, em saúde e em saneamento. Ações desse
tipo são complicadas em seus aspectos técnicos e administrativos e, além disso,
podem ser dificultadas por fatores políticos. A destinação de verbas depende do
Congresso, e mesmo no Executivo a articulação de interesses pode ser
desafiadora.
Apesar dos obstáculos, a inclusão da
igualdade no topo da agenda governamental já é um dado especialmente positivo.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, valorizou esse objetivo ao dar
tratamento especial a certos temas no projeto de regulamentação da reforma
tributária. O projeto isenta de impostos uma cesta básica de consumo e
determina devolução parcial de tributos pagos por famílias de baixa renda. O
mesmo projeto eleva a tributação de bens considerados poluentes, como veículos,
ou, de modo geral, prejudiciais à saúde, como cigarros e certas bebidas.
A reforma já seria muito positiva se apenas simplificasse os impostos. Mas poderá produzir ganhos mais significativos, se persistir a preocupação com seus efeitos concentradores ou distributivos. Mantidos esses objetivos, as transformações efetivas ainda vão depender das etapas de implantação. Mas já se pode computar como um ganho a preocupação efetiva com essas questões.
Muito bom!
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