domingo, 7 de abril de 2024

Sérgio Magalhães* - Mais cidade, menos violência

O Globo

O Estado absteve-se de prover infraestrutura e serviços públicos. Áreas significativas tornaram-se invisíveis ao poder público – mas visíveis ao “poder paralelo”

Depois de décadas de fracasso de políticas de segurança pública, tratada como tarefa policial, é inegável que o tema, amplo, complexo, não aceita apenas respostas setoriais.

Em recente artigo no GLOBO, Fernando Gabeira aborda a dominação territorial bandida no Rio de Janeiro e, premonitoriamente, os vínculos milicianos e do tráfico com a política. E admite: “não há esperança de que as eleições resolvam o problema”. Buscando uma saída, sugere que o tema “seja posto à mesa do ministro Haddad, para convencê-lo de que a insegurança inibe novos investimentos e expulsa os existentes”.

No mesmo jornal, Miguel de Almeida, ao tratar metrópoles acossadas pela violência, São Paulo e Rio, considera que do “banal lero-lero” político polarizado só “sobressaem descaso e despreparo diante de uma realidade áspera e cada vez mais desumana”.

Os caminhos propostos pela polarização mostram-se um impasse, um beco. De um lado, a aposta nas armas (policiais ou privadas), de que resulta um “não tô nem aí” arrogante ante tragédias que se renovam; de outro, a espera para que a superação da violência decorra de mudanças estruturais na economia e na sociedade.

A violência que submete diretamente grande parte dos brasileiros e atemoriza a população tem lugar definido: a cidade. Reconhecer tal dimensão político-espacial é essencial para seu enfrentamento. A tragédia de Marielle Franco exacerba a questão. Há que admitir que a histórica omissão do Estado brasileiro em relação à cidade, e sobretudo às áreas populares, definiu um patamar próximo da anomia. Agora, por sua inerente complexidade, não se basta com ações setoriais, pois demanda ações multissetoriais abrangentes e articuladas, compostas nas três instâncias de governo, federal, estadual e municipal, com a necessária escuta à sociedade. Não é tarefa singela. Todavia será indispensável adotá-la se, e quando, o país vier a pretender romper os grilhões que há décadas o prendem ao marasmo econômico e o levam ao flagelo social da desigualdade crescente.

Entre as ações multissetoriais, será básica uma política permanente de controle territorial, urbanístico e edilício. As prefeituras brasileiras, surpreendidas ante a explosão demográfica desde meados do século XX, e chamadas a suprir demandas também explosivas na saúde e na educação, recuaram de suas atribuições originárias no controle territorial. Em consonância, o Estado absteve-se de prover infraestrutura e serviços públicos. Áreas significativas tornaram-se invisíveis ao poder público — mas claramente visíveis ao “poder paralelo”.

Experiências importantes no país e no exterior demonstram que o controle territorial com a implementação de serviços públicos e de urbanização é essencial como fator redutor da violência e inibidor da bandidagem.

Será uma utopia o poder público manter-se presente em toda a cidade? Será viável ocupar o território hoje dominado, dar-lhe as condições urbanísticas exigidas pela contemporaneidade — e garantir ao cidadão a plena cidadania?

Invoca-se o chamado de Gabeira ao ministro Haddad: poderá a economia do país deslanchar enquanto a energia empreendedora de grande parte dos brasileiros se encontra asfixiada por habitarem territórios submetidos?

Enfrentar o abandono da cidade é a mais efetiva política de segurança. Essa tarefa é de todos os governos, que reagirão com a força da sociedade. Talvez a eleição não resolva o problema, mas é por ela que podemos andar. Os candidatos evitarão o tema? Choverão no molhado? Ou buscarão novos caminhos?

*Sérgio Magalhães é arquiteto e urbanista

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