domingo, 28 de abril de 2024

Vinicius Torres Freire - O preço de carne e os impostos de Lula 3

Folha de S. Paulo

Para o governo, Congresso é ruim quando veta imposto e bom quando deixa aumentar gasto

Quanto se vai cobrar de imposto sobre venda de carros? De carne e outras comidas? O que vai ser de planos de saúde? Cada empresa ou ramo de negócios tenta puxar a brasa para sua sardinha enquanto o Congresso discute a lei que vai definir os detalhes que darão sentido prático à reforma dos tributos sobre o consumo, que por enquanto é uma mudança mais genérica inscrita na Constituição.

Essa disputa já está clara. Deve ficar mais complicada porque se expande a guerra dos impostos e sobre outros dinheiros públicos. São dezenas de setores empresariais, com apoio do Congresso, versus Lula 3; é STF versus Congresso; são estados e municípios versus governo federal. Etc.

Quanto menor a alíquota do imposto sobre o consumo de um produto ou serviço, maior será a de outros. O conflito em parte é normal. Em parte, é resultado de velhos vícios, a tentativa de cavar favores estatais para beneficiar o próprio negócio, o que ajudou a criar o monstro tributário brasileiro.

A reforma tributária do consumo não tem relação direta com a guerra geral dos impostos, que ficou mais quente. Mas, para empresas e pessoas físicas, a despesa com o pacote de impostos é uma só. No fim das contas, quem pode vai tentar pagar menos ou não pagar mais, não importa por meio de qual tipo de tributo.

O confronto era previsível, havia anos. Afora um soluço artificial em 2022, a despesa federal não cabe na receita faz uma década. Desde 2014, pelo menos, era tanto preciso aumentar a carga tributária quanto conter despesa.

O governo tem promovido enorme aumento de gasto, em parte inevitável, pois a miséria andava mais horrível do que de costume. Bateu palmas para o Congresso quando conseguiu aprovar a emenda constitucional da transição e outros gastos, umas três centenas de bilhões desde o início de Lula 3. Tinha também o plano de aumentar impostos, que desde o início não cobririam o gasto extra, porém. Já havia aí um embrião de besteira, mas Lula 3 recriou sistemas de reajustes automáticos de despesa que agravam o problema. Agora, o governo reclama do Congresso, que não aprovou o pacote inteiro de impostos e, pior, quer mais despesa ou fazer mais favores com dinheiro público. Mas está tudo errado.

O assunto não é interessante como o vídeo da cantora Ludmila, que causou comoção e guerra cultural. Mas convém prestar atenção à guerra dos impostos, causada por crise fiscal. A gente trata das intrigas políticas desse conflito, "bastidores", mas não nota o rinoceronte na sala. O nome do bicho é conflito distributivo aberto e agudo, guerra por dinheiros públicos e privados.

Desde o ano passado, Lula 3 tenta fazer com que empresas de 17 setores voltem a pagar, na íntegra, imposto sobre folha de salário (herança de Dilma Rousseff, aliás). Perdeu as batalhas. Foi ao Supremo para reaver esse dinheiro, assim como aquele da redução da contribuição para o INSS de mais de 5.300 prefeituras, dádiva do Congresso. Quer de volta o dinheiro do abatimento de imposto para empresas de eventos, turismo, esporte, cultura etc., concedido na pandemia (Perse) e prorrogado pelo Congresso.

Estados querem perdão de dívida com a União (menos receita para o governo federal), com apoio do Senado em especial, que também pretende dar mais dinheiro para ricos servidores Judiciário e Ministério PúblicoO Rio de Janeiro foi ao STF para deixar de pagar dívida com a União. Etc.

O governo prevê de modo otimista que a dívida pública crescerá até 2027. Outras contas não preveem estabilização da dívida antes de 2030, em perto de 80% do PIB.

Como se não bastasse, o já pouco rigoroso arcabouço fiscal, o teto móvel de gastos de Lula 3, vai implodir em 2026 ou 2027 se não se fizer ao menos remanejamento de despesas previsíveis (em Previdência, saúde, educação).

A dívida vai aumentar, pois, mesmo em anos de crescimento da economia, aqueles em que é preciso conter o aumento do passivo. Se o crescimento do PIB vier a ser menor do que a mediocridade prevista (uns 2,5% ao ano) e/ou as taxas de juros voltarem a subir, o caldo engrossa. É fácil perceber que, para uma mesma taxa de juros, o pagamento de juros é maior se a dívida é maior. Se também a taxa subir, pior.

Com dívida maior, mesmo sem crise aguda imediata, a redução das taxas de juros será menor do que a prevista, prejudicando o crescimento.

É tudo autodestrutivo.

 

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