sexta-feira, 10 de maio de 2024

Bernardo Mello Franco - O dilema de Nunes

O Globo

Prefeito de SP tenta malabarismo para atrair votos do ex-presidente sem herdar sua rejeição

Ser ou não ser bolsonarista? O dilema parece assombrar o prefeito Ricardo Nunes, que concorre à reeleição em São Paulo. O emedebista precisa dos votos de Jair Bolsonaro, mas não quer se contaminar com a rejeição ao ex-presidente. Isso resulta num discurso escorregadio, como se viu na entrevista de ontem ao GLOBO.

Nunes afirmou que não pretende nacionalizar a campanha paulistana. Ao mesmo tempo, disse que o apoio do ex-presidente é “muito importante” e que a realização de agendas em conjunto só depende da vontade dele. Como o capitão mal conhece a cidade, presume-se que ele não será escalado para debater temas municipais, como a poda de árvores ou o trânsito nas marginais.

Em outro trecho, o prefeito negou ter relação próxima com o aliado. Em seguida, passou a listar eventos públicos e privados em que os dois estiveram juntos nos últimos meses. “Assim, conheço o Bolsonaro, já fui na casa dele, ele já foi na minha... Mas a gente se fala? Não”, desconversou. Faltou esclarecer se os encontros transcorreram com a dupla de boca fechada.

Apoiado pela extrema direita, o prefeito se descreveu como um político “de centro”. O que não o impediu de repetir a cantilena bolsonarista sobre os atos de 8 de janeiro, que podem levar o capitão e alguns generais para a cadeia.

Segundo Nunes, o ataque golpista às sedes dos Três Poderes não passou de um mero episódio de “depredação”. Ele chegou defender a anistia aos envolvidos, mas acrescentou que “todos têm que ser responsabilizados pelo vandalismo”. Como anistia e responsabilização são ideias antagônicas, fica difícil entender o que o prefeito realmente pensa.

A ambiguidade não deve se sustentar por muito tempo. Quando a campanha começar, Nunes será pressionado a se definir e defender suas alianças. Ontem ele indicou que o plano é se apresentar como um antídoto a Guilherme Boulos. Disse que sua missão é “vencer a extrema esquerda”, estimulando a pecha de radicalismo contra o rival.

Na entrevista da véspera, Boulos descreveu Nunes como “um prefeito incompetente, cheio de suspeitas de corrupção”. O tom dos dois sugere que a disputa civilizada de 2020, quando Bruno Covas derrotou o candidato do PSOL, não vai se repetir este ano.

 

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