Folha de S. Paulo
Desastres como o do RS têm potencial para
furar bolha do negacionismo
Quem mente que não há aquecimento
global tem tudo para ser popular. Afinal, está dizendo para o público
que ninguém precisa fazer nada, que o problema não existe. A preguiça muitas
vezes faz ideias ruins que não dão trabalho parecerem boas.
Além disso, é fácil mentir que o Brasil será mais rico se for possível plantar mais perto dos rios, se for possível fazer pastos ou minas onde hoje há florestas. O sujeito que desmata tem um benefício tangível para si, mais soja, mais minério, e ainda pode apresentar isso como "riqueza para o Brasil".
É mais difícil explicar que o dano ambiental
pode reduzir nosso potencial de crescimento permanentemente. Mesmo sendo óbvio
que o Brasil não é pobre porque tem poucas plantações ou minas, mas sim porque
a produtividade de nossa economia é baixa.
Quem não desmata reduz o risco de enchentes e
secas para todo mundo: com uma ou duas tragédias
como a gaúcha evitadas, já economizaríamos mais patrimônio (para não
falar em vidas) do que com uma nova mina.
Mesmo assim, um quilo de minério é mais fácil
de visualizar do que uma queda de 20% no risco de seu filho ser tragado pela
enchente. Especialmente se a turma que desmata puder contar com políticos e
influencers que vão te fazer desconfiar de quem sabe fazer essa conta.
Desastres como as enchentes do
Rio Grande do Sul têm potencial para furar a bolha do negacionismo. Um
quilo de minério é mais palpável que uma queda no risco de desastre. Mas Porto
Alegre inundada é ainda mais palpável que toneladas de minério.
Por isso os negacionistas estão tentando
desesperadamente fazer com que a conversa sobre a tragédia no Sul seja sobre
qualquer outra coisa que não o que importa.
Enquanto as autoridades responsáveis
organizam o resgate e planejam a reconstrução, o bolsonarismo lançou uma campanha
de desinformação que não se via desde a pandemia de Covid-19. O
prefeito bolsonarista de Farroupilha, Fabiano Feltrin, fez um vídeo fake para
suas redes sociais antes de protocolar o pedido de dinheiro federal para sua
cidade.
Eles não querem que você pense sobre
aquecimento global enquanto vê, com seus próprios olhos, o desastre causado
pela depredação ambiental. Querem que você pense sobre o Lula, sobre a
Janja, sobre o Eduardo Leite, sobre a Madonna, e que
só voltem a pensar sobre meio ambiente quando o senso de urgência tiver ido
embora e a preguiça estiver de novo no comando.
Também sabem que o bolsonarismo sempre sai
perdendo quando a população vê governo trabalhando. O que o governo Lula está
fazendo é o básico, mas Bolsonaro não fez o básico durante a pandemia.
Comparem, por exemplo, a atitude de Lula diante de Leite durante as enchentes
com a sabotagem de Bolsonaro à vacinação promovida por João Doria no Governo de
São Paulo.
Finalmente, os extremistas não podem deixar
que os brasileiros se unam para salvar os gaúchos. Se a temperatura da disputa
política baixar, se voltarmos a falar como adultos, nenhum deles terá o que
acrescentar à conversa.
E, mesmo assim, talvez eles vençam. A agenda
ambiental em discussão no Congresso parece muito mais com a dos influencers com
suas fake news do que com a dos cientistas
que previram a tragédia gaúcha. Aquecer o planeta dá dinheiro e talvez
também dê voto.
É bem isto!
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