terça-feira, 21 de maio de 2024

Daniela Chiaretti - A Mata Atlântica, o desastre no Sul e as velhinhas suíças

Valor Econômico

É preciso um olhar integrado para todos os biomas brasileiros, para zerar o desmatamento e priorizar a restauração -ou as crises do clima e da biodiversidade continuarão a se intensificar

Ao menos 70% da população brasileira vive na Mata Atlântica. Metade da comida que se come no Brasil é produzida no bioma. Um quarto do rebanho bovino do país está ali. Um quarto da produção de soja brasileira, também. A Mata Atlântica permite a produção de brócolis, couve, tomate, bananas, além de commodities como café e açúcar. Uma grande parte do PIB do agro está na região. É ali que o país vai alcançar o desmatamento zero primeiro -porque é o bioma que os brasileiros mais destruíram, onde os serviços ecossistêmicos mais fazem falta, onde as tragédias ambientais estão acontecendo com maior intensidade e onde a restauração só trará ganhos.

“A Mata Atlântica é importante para a agricultura, para ter energia elétrica na tomada, para ter água na torneira”, diz o engenheiro agrônomo Luís Fernando Guedes Pinto. “A natureza é importante em muitas dimensões”, continua o diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica.

O Brasil tem tudo isso: um bioma que já preencheu boa parte da costa brasileira, é um “hotspot” de biodiversidade (uma região prioritária para a conservação global), onde estão as unidades de conservação mais visitadas do Brasil - o Parque da Tijuca e Foz de Iguaçu. E o que se faz com tal tesouro? Desmata-se a um ritmo de 200 campos de futebol por dia.

Sobrou pouco da floresta vista pelos portugueses quando chegaram aqui. A Fundação SOS Mata Atlântica, que divulga o dado anual de desmatamento do bioma, sugere que o divulgado hoje parece uma boa notícia, mas não é muito. O Atlas da Mata Atlântica, feito pela entidade com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, mostra que o desmatamento no bioma caiu de 20.075 hectares para 14.697 hectares (redução de 27%) em 2023. Mas com outra lente, a do SAD Mata Atlântica - que também enxerga florestas em regeneração -, o desmatamento saltou de 74.556 para 81.356 hectares. Isso acontece na transição com Cerrado e Caatinga e na Bahia, Piauí e Mato Grosso do Sul. A perda ocorre onde há expansão agrícola. É um paradoxo, para não chamar de imbecilidade.

“A Mata Atlântica é o bioma da biodiversidade. Mas temos que juntar as coisas: a crise da biodiversidade ameaça a humanidade tanto quanto a crise do clima”, alerta. “Elas se somam e se retroalimentam. Qual o efeito de uma epidemia de dengue e de uma covid, que vêm da crise da biodiversidade? São tão devastadoras quanto a crise do clima”. Continua: “Crise do clima e da biodiversidade são as maiores ameaças à humanidade. E para a economia. Os negócios dependem de serviços ecossistêmicos que vêm da natureza”.

É preciso um olhar integrado para todos os biomas, defende ele, no que se refere a zerar o desmatamento e priorizar a restauração -ou as crises do clima e da biodiversidade continuarão a se intensificar.

O Rio Grande do Sul é metade Mata Atlântica e metade Pampa. É um Estado que, ao longo de sua história, desmatou muito a Mata Atlântica que tinha. Sobrou 9%, abaixo da média nacional de 12%. “É um processo cumulativo e, no caso da Mata Atlântica, um processo de 500 anos”, diz o engenheiro florestal. “O desmatamento da Mata Atlântica no Estado explica o evento climático extremo? Claro que não. O evento vem de um processo global, resultado da mudança climática que é proveniente de uma série de fatores, da queima global de combustíveis fósseis, do desmatamento global. Não é o Rio Grande do Sul que é responsável por aquela chuva, evidentemente”. Mas, ele segue, se tivéssemos mais natureza, os efeitos da chuvas teriam sido, provavelmente, menos intensos. “Se tivéssemos mais florestas protegendo nascentes, nas cabeceiras, nas beiras dos rios, os efeitos poderiam ser minimizados. A resiliência seria maior, nos recuperaríamos, provavelmente, mais rápido.”

O Rio Grande do Sul tem uma oportunidade que surge do drama: reconstruir a natureza e as cidades seguindo um planejamento ambiental, que sejam mais saudáveis, mais resilientes. “Cidades com áreas verdes que diminuam enchentes, que sejam mais saudáveis, que diminuam o risco, que coloquem a questão ambiental de maneira central, reconhecendo a crise do clima”, diz Guedes Pinto.

Há um mês, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos deu ganho de causa a um grupo de 2.000 senhoras com média de idade de 73 anos contra o governo suíço. As “Seniors for Climate” reclamavam que o governo suíço tem políticas climáticas fracas e que não as protege das ondas de calor mais frequentes e intensas. A corte reconheceu o direito fundamental por um clima saudável, em decisão histórica.

Há poucos dias, a Sociedade Brasileira de Pediatria publicou uma nota em que faz um alerta sobre os efeitos devastadores da mudança do clima na saúde de crianças e adolescentes. “A saúde das crianças é extremamente vulnerável às mudanças do clima e aos eventos extremos, principalmente aquelas que vivem em condição de pobreza, em habitações precárias em áreas de risco para inundações e deslizamentos”, diz a carta.

Velhos e jovens, crianças e adultos, ninguém se salva na crise do clima provocada pela queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão) e desmatamento. É questão de tempo para que as petroleiras sejam acusadas de causar um mal global e não investir, como dizem, na transição energética. Nem ajudar (com cifras à altura das tragédias), como deveriam, a reconstruir o que sobrou.

 

 

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