O Estado de S. Paulo
O que estamos vivenciando exprime o que há de pior e de melhor na natureza humana, felizmente para nós com o predomínio do último
A calamidade climática que se abateu sobre o Rio Grande do Sul é um espetáculo de tristeza e compaixão, isolamento e ajuda mútua, conduzindo a solidariedade de pessoas privadas a um nível de beleza, em dessemelhança com a tragédia reinante. Os contrastes não poderiam deixar de ser inauditos: de um lado, roubos, saques e abusos sexuais dos mais diferentes tipos e, de outro lado, a preocupação com o próximo, o amor às pessoas e a atenção aos necessitados. O que estamos vivenciando exprime o que há de pior e de melhor na natureza humana, felizmente para nós com o predomínio desse último.
Filosoficamente, seria tentado a dizer que
esta experiência limite revela aquilo que Thomas Hobbes denominava de estado de
natureza, com a exibição primária de egoísmo, de tirar proveito do próximo e de
conflitos. Tal estado culmina com crianças e mulheres sendo estupradas em
abrigos sem policiamento, com roubo de lojas, com assalto a caminhões de
mantimentos e com casas abandonadas sendo pilhadas. O Estado se revelou ausente
nesta etapa inicial, estando agora se reconstituindo.
Contudo, revela também aquilo que os
filósofos escoceses elaboraram como a teoria dos sentimentos morais, tendo como
representantes Francis Hutcheson, Shaftesbury e Adam Smith. As pessoas seriam
portadoras de sentimentos morais que se mostram em pequenos fatos, como o de
uma vizinha deixando uma garrafa de água na porta de um apartamento, sem nada
dizer, até as doações em dinheiro, roupas, mantimentos e trabalho voluntário,
tendo como único mote a compaixão. Os gaúchos e os que vieram de outros Estados
em seu auxílio exibem sentimentos morais em ação. Talvez alguns nem soubessem
que eles existissem com tal intensidade.
Não se trata de minimizar a atuação do Estado
nas pessoas do governador Eduardo Leite, do vice-governador Gabriel Souza, do
prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, de outros prefeitos e, agora, do
presidente Lula da Silva. Destacaria também a atuação do Comando Militar do
Sul, na figura do general Hertz Pires do Nascimento, que imediatamente soube
avaliar a dificuldade da situação e agir em consonância com ela. Múltiplas
iniciativas estão a mostrar que não se trata de uma questão partidária, mas do
bem comum, da coletividade no sentido mais elevado do termo. Ocorre que o
Estado em suas distintas esferas não se mostrou inicialmente à altura da
situação, sem medidas preventivas ao longo de décadas, sem iniciativas
poderosas e imediatas, correndo, assim, atrás do prejuízo. O que despontou
foram o trabalho e a ação moral da sociedade, das pessoas e empresas privadas,
que responderam prontamente.
A sociedade foi rápida em sua atuação, em seu
caráter privado, empresarial e civil. Centros
de recebimento de doações dos mais diferentes
tipos, como colchões, remédios, roupas e mantimentos, ficaram abarrotados, e
outros foram logo criados para atender a uma oferta surpreendente. A
solidariedade chegou a extrapolar limites físicos. As pessoas estão
continuamente recebendo demandas de doações e se mostram moralmente ativas.
Diria mesmo que os sentimentos morais saíram de uma moralidade adormecida para
uma exuberante. Uma situação limite de calamidade fez surgir o que há de mais
nobre na natureza humana.
Os gaúchos são um povo empreendedor. São
capazes de vencer as dificuldades presentes, não necessitando de esmolas, mas
de recursos para investimentos. Incremento do Bolsa Família serve somente para
o momento de emergência, de apoio imediato para garantir um nível mínimo de
sobrevivência aos carentes. O fundamental consiste em oferecer às pessoas e às
empresas recursos para investirem e darem livre curso à sua capacidade
empreendedora, sem burocracias desnecessárias, que só atravancam o processo de
recuperação do Estado. Eventuais desvios seriam amplamente compensados por seus
resultados. Aliás, a corrupção é particularmente forte em situações normais com
todos os controles administrativos.
Cabe, portanto, ao Estado, além de responder
à difícil circunstância e equacionar a sobrevivência das pessoas na condição
presente, voltar-se para o futuro, o planejamento, a reparação dos erros
cometidos e a elaboração de respostas antecipadas a calamidades climáticas que,
certamente, irão se repetir. Todo um sistema de contenção de enchentes deverá
ser pensado e executado. O Banrisul, por sua capilaridade, por seu conhecimento
do Estado e por sua rede de clientes, pessoas físicas e jurídicas, deverá ter um
papel central nesse processo de soerguimento. Mais precisamente, deverá o
Estado dar livre curso à energia demonstrada, abrir espaço à iniciativa
privada, não podendo sufocar o empreendedorismo gaúcho.
Deverá o Estado favorecer a sociedade civil,
agir conformemente a ela, aprendendo com ela. O Rio Grande do Sul tem condições
de se reerguer, sempre e quando a iniciativa privada e a ação empresarial forem
postas em primeiro plano, dando plena vazão aos sentimentos morais.
Eu nunca consegui empreender nada,rs.
ResponderExcluirNada é tão ruim que um colunista CANALHA (como este) não possa piorar! Supervalorizando o papel dos militares e dos empresários, o pseudofilósofo contribui nas mentirosas divulgações bolsonaristas que minimizam a ação e importância dos agentes públicos e organizações governamentais como a Defesa Civil, nem incluída no artigo, mas que gerencia muitas ações e iniciativas. Já a responsabilidade dos bolsonaristas e empresários agrícolas na destruição e/ou ocupação de áreas de preservação permanente junto dos rios não foi nem lembrada na coluna.
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