terça-feira, 28 de maio de 2024

Dora Kramer - Faz de conta

Folha de S. Paulo

Na chamada pré-campanha, políticos e Justiça vivem na ilegalidade consentida

Paulo Vanzolini conta em um de seus memoráveis sambas que, na praça Clóvis paulistana (posta abaixo nos idos dos anos 1970 para dar passagem ao metrô), um dia a carteira dele foi batida. "Tinha 25 cruzeiros e o teu retrato", relata. E, em mágoa de amor, conclui: "25, francamente achei barato pra me livrar do meu atraso de vida".

É o que ocorre com os infratores da regra da chamada pré-campanha eleitoral, cuja penalidade máxima é uma multa de R$ 25 mil para quem pedir votos para si ou para apadrinhados. Sai quase de graça a infração para quem deseja se livrar do atraso de vida que a lei impõe no período antecedente ao início oficial da corrida eleitoral, neste ano marcada para 16 de agosto.

Aconteceu outro dia com o presidente Lula por causa do pedido de votos ao pré-candidato a prefeito Guilherme Boulos (PSOL-SP) no palanque de uma comemoração do 1º de Maio. Incomparável o ganho presumido com o apelo explícito em relação aos danos da penalidade imposta.

Vale o risco, posto que irrisório, descontado o cunho imoral da infração legal para o qual não se dá importância —nem a Justiça Eleitoral, dona da norma feita letra morta na prática. Afinal, a própria legislação é frouxa na definição do que seria exatamente o conceito de pré-campanha. Ninguém sabe direito o que pode ou não pode.

Vimos isso no julgamento que absolveu o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) por ausência de provas consistentes e provavelmente veremos no caso do senador Jorge Seif (PL-SC), também acusado de irregularidades antes do prazo regulamentar.

Ou bem se define o regramento com rigorosa clareza e são impostas punições efetivas —por exemplo, a possibilidade do risco ao registro de candidaturas— ou seguiremos no faz de conta.

Vale lembrar que campanha é campanha, antes ou depois do marco temporal hoje desrespeitado numa rotina de total desfaçatez.

 

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