O Globo
Ariel Palacios diz em livro que
compartilhamos com nossos vizinhos muito mais do que gostaríamos de admitir
Nos anos 70, Sebastião Nery começou a
publicar o melhor do “folclore político” — histórias pitorescas protagonizadas
por esta gente matreira cujo nome o eleitor brasileiro sempre teve por hábito
(ou sina) marcar na cédula ou confirmar na urna eletrônica. Uma fauna que ia
das raposas felpudas à arraia-miúda (esta, hoje no topo da cadeia alimentar —
um cardume chamado Centrão).
Antes, Sérgio Porto já havia deitado e rolado com um elenco de parlamentares, jornalistas, militares, celebridades e afins, que desfilava sua ignorância sobre cultura, ética, democracia, senso de ridículo e outros valores já então ameaçados de extinção. Quem também andou visitando a História em off do Brasil e do subcontinente foram Leandro Narloch e Duda Teixeira, com seus guias politicamente incorretos.
Não temos muita consciência de sermos
latino-americanos. Não falamos espanhol, não tivemos grandes civilizações
pré-coloniais e sabemos que samba não é rumba. Mas o jornalista Ariel Palacios,
no recém-lançado “América Latina lado B”, mostra que compartilhamos com nossos
vizinhos muito mais do que gostaríamos de admitir.
O livro é uma espécie de festival de
besteiras que tem assolado a América Latina nos últimos séculos. Passa em
revista as várias encarnações do “perfeito idiota latino-americano” — à direita
e à esquerda, enfrentando estrangeiros ou em guerra contra o próprio povo. Vai
do mexicano Antonio de Santa Anna — que se fazia chamar de “Alteza sereníssima”
e organizou o funeral da própria perna — ao venezuelano Nicolás
Maduro — que, tendo tornado miserável um dos países mais ricos
do continente, recomendou que a população criasse galinhas dentro de casa (1
metro de altura por 60 centímetros de largura seria suficiente para um bom
galinheiro doméstico) ou a cunicultura (afinal, como ele mesmo explicou,
“coelhos se reproduzem como coelhos”). No caminho, conta do “Generalíssimo”
Trujillo, ditador da República
Dominicana que rebatizou a capital do país em homenagem a si
mesmo, e de Fulgencio Batista, que deu uma festança de despedida na véspera de
saquear Cuba e
fugir do próximo saqueador, Fidel Castro. Da necromaníaca Argentina à
cleptocrática América Central, tudo funciona como uma lente de aumento para
nossa realidade.
Não temos Macondo, mas tivemos Mombaça.
Durante uma viagem do titular, o presidente interino, Paes de Andrade, foi num
comboio aéreo — 11 aeronaves! — inaugurar uma agência bancária em sua cidade
natal, tornada capital federal por um dia. Não tivemos estupradores em série,
como o paraguaio Stroessner, mas não nos faltam machistas (o que dizia ter
“aquilo” roxo, o que fingia pagar flexões para demonstrar virilidade e mandava
“abraços héteros”, o que acha que máquinas de lavar são muito importantes para
as mulheres).
A história política latino-americana,
recontada por Palacios, mostra que nosso atraso talvez não possa ser debitado
(apenas) aos culpados de sempre — o imperialismo ianque, o colonialismo
europeu, a luxúria do clima tropical.
Caetano Veloso perguntou, retoricamente, se
“nunca faremos senão confirmar a incompetência da América católica, que sempre
precisará de ridículos tiranos”. Essa América está cada vez menos católica, mas
enquanto permanecer caudilhista e antiliberal, fazendo rodízio de populismos,
suas veias continuarão abertas. Para o trágico e para o cômico.
No Brasil cresce o número de evangélicos,não sei nos outros países.
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