sexta-feira, 3 de maio de 2024

Flávio Tavares - As datas que se renovam ou não

O Estado de S. Paulo

Já não vemos grandes concentrações de trabalhadores no Dia do Trabalho, dando a aparência de que tudo está resolvido

Existem datas que não caducam nem se antecipam e, além de tudo, são universais. Uma delas é o Natal, aquele 25 de dezembro que (pelo menos no mundo ocidental) celebra o nascimento do Menino Jesus. Outra, também imprescritível, é o 1.º de Maio, Dia do Trabalho, festejado na quarta-feira passada.

Não se trata de um feriado qualquer. Chamado em alguns países de Dia do Trabalhador, nasceu para comemorar a greve operária de 1886 em Chicago, nos Estados Unidos. Aos olhos de hoje, a exigência dos grevistas era simples: redução da jornada de trabalho para oito horas (que, até então, ia de 12 horas a 16 horas diárias), além da supressão do trabalho infantil e, também, buscando melhor ambiente de trabalho.

Entre nós, no Brasil, o “Dia do Trabalhador” teve seus primórdios em 1917, aqui na cidade de São Paulo, com a greve geral reivindicando a redução da jornada de trabalho para oito horas, ao contrário das 12 horas adotadas como regra naquela época. Houve repressão, sem tiros e com cavalaria nas ruas, mas as fábricas e comércios fecharam.

Anos depois, em 1924, o então presidente da República, Artur Bernardes, instituiu oficialmente a data de 1.º de maio como Dia do Trabalho. Durante quase todo o seu mandato, Bernardes governou sob “estado de sítio” com plenos poderes para mandar, desmandar e ser obedecido. Mesmo dessa forma, aparece na História como o presidente que instituiu a data que possibilitou o surgimento do assim chamado “movimento operário” e, ao mesmo tempo, dos sindicatos.

A celebração da data no Brasil, porém, começou de fato a partir de 1930 e foi crescendo até os dias atuais. Só foi interrompida durante os anos da ditadura militar imposta em 1964. Somente a partir da abertura iniciada no governo do general Ernesto Geisel e continuada com o general João Figueiredo a celebração foi restabelecida pouco a pouco. Chegamos, assim, aos dias atuais, em que – mais do que tudo – a data transformou-se, na maioria dos setores, quase que apenas num feriado a mais em que não se comparece ao serviço. Somente um pequeno grupo de trabalhadores em áreas essenciais, como hospitais, redes elétricas ou meios de comunicação (tal qual jornais, rádio e televisão), exerce sua atividade de forma normal naquele dia.

A instituição do Dia do Trabalhador originou-se nos Estados Unidos para rememorar a greve geral de Chicago em 1886, como já escrevi. Mas lá é data móvel (como aqui o é a Páscoa), festejada na primeira segunda-feira de setembro. Também no Canadá é assim. O espírito e a intenção, porém, são idênticos ao nosso 1.º de Maio: festejar quem trabalha, seja no campo ou nas cidades.

A data se estabeleceu em 1889 numa decisão da Segunda Internacional Socialista, que reuniu partidos socialistas europeus e sindicatos que se opunham ao caráter radical do movimento operário que, poucas décadas após, se transformou nos partidos comunistas. Os Estados Unidos, porém, estiveram sempre à frente do chamado movimento operário e, em realidade, o lideraram ao longo do início do século 20.

Em 1910, o New York Times (já o maior e mais prestigiado jornal daquele país), ao referir-se à greve geral de Chicago, escrevia que, “entre todos os dias festivos do ano, não há nenhum que se destaque tanto para o avanço social das pessoas comuns como essa data”. Mesmo assim, levou quase meio século para que, em 1938, os Estados Unidos estabelecessem em lei o salário mínimo e proibissem o trabalho infantil.

Existem, porém, outras datas a não esquecer e que por suas características jamais devem ser renovadas. Aqui, a mais recente delas é o 8 de janeiro de 2023, quando grupos de vândalos atacaram as sedes dos Três Poderes em Brasília.

Buscavam criar situações e condições para que as Forças Armadas interviessem na normalidade do País e, sob pretexto de fraude, proclamassem a nulidade da eleição do presidente da República. Em verdade, buscavam (ou até ansiavam) um golpe de Estado.

Tratou-se de movimento organizado da ultradireita, inconformada com o resultado da eleição para presidente da República, como revelam as investigações sobre os violentos baderneiros daquele 8 de janeiro de 2023. Com inusitada sanha, destruíram tudo o que encontraram pela frente, desde vidraças a obras de arte e um relógio de séculos atrás, e até a toga de um ministro do Supremo Tribunal Federal por eles chamado de “inimigo”.

Por outro lado, já não vemos grandes concentrações de trabalhadores no Dia do Trabalho, dando a aparência de que tudo está resolvido e vivemos no Paraíso terrenal. Há uma espécie de desmobilização popular. Arrisco um palpite, que nem sequer sei que seja certo: quem trabalha já não crê na necessidade de reivindicar, pois o atual presidente é um antigo operário, mesmo atuando como qualquer burocrata que unicamente busca aparentar o que não é.

No entanto, as datas continuam a dar a pauta daquilo que, tanto no presente quanto no futuro, devemos repetir ou não repetir.


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