O Estado de S. Paulo
O brasileiro pagou menos R$ 280 bilhões em medicamentos desde que a política de genéricos virou realidade
O excessivo peso dos medicamentos no
orçamento das famílias brasileiras sempre foi registrado pelas pesquisas do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e diagnosticado por
qualquer pessoa atenta ao tema. A comemoração, no último dia 20 de maio, do Dia
do Medicamento Genérico me garante que nossa determinação em enfrentar a
questão com políticas estruturantes mudou o rumo das coisas.
Em breves pinceladas, o quadro da assistência farmacêutica e do acesso aos medicamentos era caótico em meados dos anos 1990. As empresas do setor abusavam do uso de seu poder de mercado na marcação de preços dos medicamentos que produziam, logicamente com baixa concorrência, dada a especialização dos produtos por patologias. Os inúmeros casos de falsificação e roubo de carga contribuíam para piorar o ambiente onde a assistência farmacêutica enfrentava dias críticos.
Muitos apontavam para a necessidade de buscar copiar os modelos da Europa e dos Estados Unidos, onde o acesso a medicamentos era muito melhor pela existência de produtos genéricos. A realidade desses países, no entanto, era completamente distinta da brasileira: os sistemas públicos de saúde eram responsáveis por dar acesso gratuito aos medicamentos, o que produzia um imenso poder estatal na busca de custos inferiores frente ao poderio das grandes empresas do setor. Dessa maneira, a política de genéricos, nesses países, era decorrência do acesso gratuito a medicamentos.
Enfrentar a questão no Brasil era
completamente diferente, especialmente porque o Sistema Único de Saúde (SUS)
conseguia proporcionar gratuitamente apenas uma reduzida parcela dos
medicamentos necessários para o cuidado à saúde da população.
De forma bastante simplificada para o leitor,
o medicamento genérico é aquele que possui o mesmo princípio ativo do
medicamento de referência, cuja patente já teve sua validade expirada. No
entanto, ter o princípio ativo não garante que o remédio tenha efeitos
esperados iguais ao do fármaco de marca. É necessário que médicos e pacientes
acreditem que o medicamento genérico tem o princípio ativo e produz resultados
semelhantes.
Não tenho dúvidas de que o mercado jamais
teria condições de construir a credibilidade no genérico por aqui. Por isso, à
época, foi necessária a construção de uma política pública em várias dimensões.
A primeira foi ancorar a garantia da eficiência do genérico na validação
técnica do seu registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),
órgão regulador que acabara de ser constituído justamente para respaldar e
fortalecer a Saúde e essa política pública específica no País. A credibilidade
dos testes de bioequivalência e biodisponibilidade fundou a percepção positiva
dos profissionais mais qualificados e espraiou-se por toda a classe médica,
responsável pela indicação do medicamento, que firmou o compromisso de receitar
pelo princípio ativo e não apenas pela marca.
Tão ou mais relevante foram a firmeza da
intervenção no mercado inscrita na política dos genéricos e a ampla divulgação
da questão. A população, em geral, passou a identificar que tinha o direito de
exigir a receita pela indicação do princípio ativo e que passava a ter poder de
barganha sobre os preços, com a opção do genérico. Mas a certeza de não perder
em qualidade, garantia da Anvisa, era o pilar da nova condição do paciente.
Talvez tenha sido no campo empresarial onde o
genérico conduziu a maior revolução, dada a obstinação da política
governamental, que comprovou às empresas que o Brasil não voltaria atrás. Foram
mudanças robustas e profundas. Muitas das grandes empresas investiram
pesadamente em linhas de genéricos. Outras empresas licenciaram para terceiros
a produção de medicamentos que já eram ultrapassados e que apenas sobreviviam
pela ausência de alternativas confiáveis. Essas corporações, inclusive,
passaram a modernizar seu rol de produtos ofertados, introduzindo no mercado
brasileiro os produtos que suas matrizes já vendiam em mercados de países
desenvolvidos.
Hoje, um quarto de século depois, os
medicamentos genéricos cobrem 90% das doenças existentes, sendo oferecidos em
15 dos 20 princípios ativos mais prescritos no País. Os cem laboratórios que
produzem os genéricos são responsáveis por cerca de 40% do volume total de
vendas de medicamentos, o que representa 15% do mercado em valor. Logicamente,
essa discrepância é derivada do fato de que os preços dos genéricos são
inferiores aos dos medicamentos de referência entre 35% e 60%.
Há muitas formas de medir o sucesso de uma
política pública, mas aqui há uma observação que se impõe. O brasileiro pagou
menos R$ 280 bilhões em medicamentos desde que a política de genéricos virou
realidade.
Vale sempre lembrar que uma política pública precisa estar fundada no conhecimento técnico e na disposição governamental de se enfrentar os desafios. Apenas dessa maneira é possível criar o horizonte para que os agentes sociais e econômicos se articulem em torno de um novo ambiente.
Excelente! Parabéns ao autor, pelo texto e principalmente pelo empenho para transformar a política dos genéricos numa REALIDADE, que melhorou em muito a saúde do povo brasileiro. Como sempre, tendo que ENFRENTAR as FORÇAS DO LIVRE MERCADO, que não tinham interesse nos genéricos e nem estavam dispostas a trabalhar com os genéricos. Se não fosse a POLÍTICA GOVERNAMENTAL, os genéricos não existiriam hoje no Brasil!
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