Valor Econômico
Debate dentro do governo sobre a redução de despesas obrigatórias como parte do ajuste das contas públicas não será tarefa fácil
Não será fácil à ministra do Planejamento,
Simone Tebet, impulsionar o debate dentro do governo sobre a redução de
despesas obrigatórias como parte do ajuste das contas públicas. Questionado
pela coluna sobre o tema, o ministro da Educação, Camilo Santana, informou que
caminha na direção contrária: quer mais verbas, e não desacelerar o crescimento
dos recursos para sua pasta.
Em entrevista publicada na edição de segunda-feira (6) deste jornal, Tebet colocou sobre a mesa aquilo que lhe era muito cobrado: propostas para impulsionar o ajuste fiscal pelo lado das despesas.
Além das medidas “no varejo”, como
classificou as revisões de gastos em Previdência, Proagro e Benefícios de
Prestação Continuada (BPC) já em andamento, a ministra tocou em dois temas que
são praticamente tabu na capital federal: desatrelar benefícios assistenciais e
sociais da política de valorização do salário mínimo e rever a regra de gastos
mínimos com educação.
A Constituição estabelece que a União deverá
gastar, com educação, pelo menos 18% de sua receita líquida de impostos. No ano
passado, isso representou R$ 66,4 bilhões. Mas, como acontece com frequência, a
União ultrapassou o piso, com despesas de R$ 100,8 bilhões.
Tebet propôs colocar dentro desse cálculo as
transferências que a União faz para os Estados por meio do Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da
Educação (Fundeb). Criticou a emenda constitucional aprovada em 2020, no
governo de Jair Bolsonaro, que elevou gradualmente a participação da União
nesse fundo, de 10% para 23% em 2026.
“Acho uma boa ideia”, comentou o
economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, sobre a proposta de Tebet. Ele
comentou que as transferências para o Fundeb estão em alta, por causa da
“escadinha” prevista na Constituição. Embora sejam despesas com educação,
apenas 30% dos recursos entregues aos Estados podem ser contabilizados como
parte do piso de gastos. O restante está fora, e é isso que Tebet propõe mudar.
“Não tem sentido isso”, afirmou Camilo
Santana. “Precisamos de mais recursos para educação.”
Na mão contrária, ele estuda alternativas
para retirar de seu orçamento algumas ações que são apenas transferências
diretas a Estados e municípios. “Isso tira poder discricionário do Ministério
da Educação”, comentou.
“Tem que gastar melhor o que tem”, comentou
Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação. “Mas reduzir
investimento em educação, eu acho suicídio da nação.”
Ela defendeu que, para cortar gastos, o
governo deveria considerá-los conforme o retorno que dão ao país. A educação,
frisou, é um dos itens que mais impactam o crescimento econômico.
Salto ponderou que poderiam ser cortados,
alternativamente, benefícios tributários. “Mas vai cortar para ver a encrenca
que é”, acrescentou. Significaria afetar programas como o Simples Nacional, as
instituições filantrópicas, as Santas Casas, exemplificou.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem
mantido silêncio sobre as propostas de Tebet. No entanto, na semana passada, o
ministro recomendou na rede social X (ex-Twitter) um artigo do professor
Bráulio Borges publicado no Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre e que
sugere a desvinculação dos benefícios previdenciários e do BPC em relação ao
salário mínimo, entre outras medidas.
As áreas técnicas de Fazenda e Planejamento
discutem há muito tempo alternativas para desacelerar o crescimento das
despesas obrigatórias. Um dos focos está justamente nas regras constitucionais
que garantem gastos mínimos com saúde e educação. São examinadas alternativas
como atrelar os pisos ao limite de despesas do arcabouço ou ao aumento do
Produto Interno Bruto (PIB) per capita, ou ao crescimento populacional.
Também há discussões sobre a desvinculação
dos benefícios assistenciais e sociais em relação à política de valorização do
salário mínimo. Será difícil, pois o tema é caro ao presidente Luiz Inácio Lula
da Silva.
Não há debate fácil, como se vê. No entanto,
o novo arcabouço fiscal irá pelos ares em poucos anos se esses temas não forem
enfrentados.
Relatório publicado pela Secretaria do
Tesouro Nacional em março mostra que, mantida a atual dinâmica das despesas
obrigatórias, em 2030 não haverá mais espaço no Orçamento para despesas
discricionárias. Significará zerar programas como o Farmácia Popular e o Minha
Casa Minha Vida.
Atualmente, a situação já não é confortável.
O pouco espaço para despesas discricionárias ficará evidente nas próximas
semanas, durante a elaboração da proposta orçamentária para 2025, a ser
entregue ao Congresso Nacional até o dia 31 de agosto. A taxa de mau humor vai
subir na Esplanada dos Ministérios.
Camilo Santana, Felipe Salto e Priscila Cruz
fizeram esses comentários em conversas à margem do seminário “Juros por
Educação”, promovido ontem em Brasília pelo Valor, em parceria com Itaú
Educação e Trabalho e Todos Pela Educação.
Lendo e aprendendo.
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