Correio Braziliense
Fãs revelam uma identidade coletiva na qual
representam a persona que quiserem. E tudo no bairro, que é o mais cantado do
mundo, preferido por Bolsonaro para realizar seus atos golpistas
Mitos e símbolos são semelhantes em todas as
culturas ao longo do tempo. O inconsciente individual existe sobre uma camada
mais profunda, o inconsciente coletivo. O sucesso de Madonna, no Rio de
Janeiro, com um show gratuito, patrocinado com recursos públicos (não existe
almoço grátis), merece uma reflexão sobre o outro lado de um país que parece
regredir no tempo, quando olhamos para a política. Mas que passou por mudanças
de comportamento humano que não têm mais volta.
Podia-se afirmar que é um fenômeno do Rio de
Janeiro, que busca no entretenimento e na transgressão cultural uma espécie de
redenção de suas mazelas políticas e iniquidades sociais. Mas, não. Foi gente
do país inteiro, de todas as classes sociais e gêneros sexuais, que viajou para
o ver o show de Madonna no Rio de Janeiro. Poderia ser no sentido inverso, para
São Paulo, Salvador ou Belo Horizonte, o sucesso seria o mesmo. Entretanto, que
astro pop resiste ao fascínio de Copacabana?
O bairro boêmio preferido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para realizar seus atos golpistas é o mais cantado do mundo. A “princesinha do mar”, como foi chamada no samba de Alberto Ribeiro e João de Barro, o Braguinha, gravado originalmente em 1946, na voz inconfundível de Dick Farney, foi cantada até por Sarah Vaughan.
Dorival Caymmi viveu quase tanto em Copa
quanto na Bahia. Na década de 50, com Carlos Guinle, compôs Sábado em
Copacabana, gravada em 1951 por Lúcio Alves.
Billy Blanco compôs a censurada Não vou pra
Brasília, gravada em 1957, pelo grupo Os Cariocas: Não vou, não vou pra
Brasília/ Nem eu nem minha família/ Mesmo que seja/ pra ficar cheio de grana/ A
vida não se compara/ mesmo difícil e tão cara/ Quero ser pobre/ Sem deixar
Copacabana. Caetano Veloso, Joyce, Eduardo Dusek, Gilberto Gil, Roberto Frejat,
Paulo Leminski e Tom Jobim também se renderam à superbacana.
Para o mundo, Copacabana é um arquétipo de
paraíso tropical, embora seja “maravilha e purgatório da beleza e do caos”,
como diriam Fausto Fawcett e Fernanda Abreu. Madonna não resistiu ao charme das
suas calçadas e ao icônico glamour do velho Copacabana Palace, frequentado
pelas estrelas de Hollywood, astros do mundo pop e a nobreza europeia.
“Safada is coming to Rio” (A safada está
chegando ao Rio), anunciou Madonna em suas redes sociais, um mês antes do show,
tempo suficiente para que as confecções fluminenses entrassem em produção, com
destaque para a camiseta preta dos peitinhos dourados, que provocou a formação
de filas nas lojas da Saara (o bairro comercial árabe-judeu do Rio de Janeiro,
cuja convivência deveria servir de exemplo para Israel e a Palestina).
Os arquétipos
Fãs se aglomeraram dia e noite à porta de
Copacabana e nas imediações do local onde foi realizado o show, desde quando
Madonna chegou ao Rio. Havia todo tipo de gente. Madonna é a tradução da “alma
imoral” e sua persona, um arquétipo social universal. A palavra latina
“archetypum” pode ser traduzida por “primeiro modelo”. São memórias de nossos
antepassados, que utilizamos para compreender a nossa própria existência. Na
psicologia, o “ego” é a mente consciente, o inconsciente pessoal reúne a
memória do indivíduo. O inconsciente coletivo é a parte da psique que abriga os
arquétipos.
“O velho sábio”, “A grande mãe, “A deusa, “O
herói” e “A madona” são os arquétipos mais conhecidos. Com o nome artístico nos
diz, Madonna representa uma persona da pós-modernidade, que também reúne os
arquétipos da heroína revolucionária e da deusa devoradora dos homens — e até
de mulheres. Sua imagem pública foi moldada para ser uma persona que não
esconde o “animus” masculino da personalidade feminina. Ao seu lado no palco,
Pabblo Vittar foi a tradução escancarada da “anima”, os atributos femininos da
psique masculina.
A psicologia social e a antropologia explicam
muito mais certos fenômenos políticos do que a sociologia e a ciência política
propriamente ditas. Enquanto os gaúchos, que hoje representam a parcela da
população mais conservadora do país, enfrentam um momento dramático, em razão
das chuvas, a multidão em êxtase com a presença de Madonna no Rio de Janeiro
vivia uma outra realidade, muito mais espiritual do que física.
Como nos ritos de passagem das comunidades
mais primitivas, os fãs de Madonna adquiriram uma segunda identidade,
contestadora, transgressora, livre, na qual cada um pode representar a persona
que gostaria realmente de ser.
Nos últimos meses, Madonna passou pelos
Estados Unidos, Europa e México com o show The Celebration Tour, que se
encerrou nesta madrugada. Louise Ciccone, seu nome verdadeiro, dança e canta há
mais de 50 anos, desde que deixou Michigan para iniciar sua carreira artística
em Nova York.
No próximo dia 16 de agosto, completará 66
anos, 40 dos quais como pop star à frente do seu tempo. Suas músicas,
performances e discursos públicos sempre promoveram a emancipação feminina e a
defesa dos direitos da comunidade LGBTQIA+.
Madonna quebrou tudo,justo no Rio,onde o bolsonarismo é tão forte!
ResponderExcluirExcelente !
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