quarta-feira, 15 de maio de 2024

Luiz Carlos Azedo - O tempo e o vento, a saga gaúcha continua

Correio Braziliense

O mais importante, em meio à catástrofe física, é o drama humano e a resiliência dos gaúchos diante das adversidades. São Anas, Pedros, Bibianas e Rodrigos

O épico O Tempo e o Vento, obra do escritor gaúcho Erico Verissimo (1905-1975), foi publicado em três volumes: O Continente (1949), O Retrato (1951) e O Arquipélago (1962). A trilogia conta a história do Rio Grande do Sul ao longo de 200 anos, tendo forjado a identidade do povo gaúcho e, ao mesmo tempo, a empatia nacional com o estado. É um dos grandes romances de interpretação do Brasil. Muitos nem de longe ouviram falar no romance, mas sabem quem foram a destemida Ana Terra e um certo capitão Rodrigo Cambará, seja pelo cinema, seja pela teledramaturgia.

Obra de ficção baseada em fatos, teceu o arquétipo dos nossos gaúchos, que são brasileiros por opção, porque também há gaúchos nos pampas do Uruguai e da Argentina, com os mesmos costumes tradicionais. A família Terra Cambará, cuja trajetória protagoniza os três volumes do romance, tece na literatura a história geográfica, cultural e política do Rio Grande do Sul.

Quando o presidente Lula destaca a presença dos políticos gaúchos na história republicana, tem toda a razão. Foram seis presidentes da República — Hermes da Fonseca, Getúlio Vargas, João Goulart, Costa e Silva, Garrastazu Médici e Ernesto Geisel —, e alguns que não chegaram lá, mas deixaram seu nome na história: Bento Gonçalves, Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Luiz Carlos Prestes e Leonel Brizola.

Os personagens de Verissimo moldaram o nosso imaginário em relação aos gaúchos. Tudo começou em Sete Povos das Missões, em meio às disputas territoriais entre Portugal e Espanha e ao genocídio dos povos guaranis. Filho de uma indígena que morreu no parto, Pedro Missioneiro, criado por um padre espanhol, conhece Ana Terra, filha de uma família paulista estabelecida nas terras ao sul. Do relacionamento proibido nasce Pedro Terra.

O ciclo de violência e mortes faz com que Ana e seu filho rumem para Santa Fé, cidade que abriga os protagonistas de O Tempo e o Vento. Filha de Pedro Terra, Bibiana se apaixona pelo capitão Rodrigo Cambará, forasteiro mulherengo e destemido. Rodrigo sobrevive a um tiro desferido à traição por um de seus inimigos, Bento Amaral, rival na disputa pelo coração de Bibiana.

Rodrigo e Bibiana se casam e têm três filhos, entre eles Bolívar, outro protagonista da saga, assim como seus descendentes, o filho Licurgo e o neto Rodrigo. Santa Fé é uma alegoria da política gaúcha, com suas oligarquias e guerras civis, honra e traição, que atravessaram a Guerra dos Farrapos (1835-1845), a Guerra do Paraguai (1864-1870) e a Revolução Federalista (1893-1895), até a transição do campo para a cidade e a Revolução de 1930.

A formação do patriarcado gaúcho é marcada pela presença de mulheres fortes. "Elas eram o chão firme que os heróis pisavam. A casa que os abrigava quando eles voltavam da guerra. O fogo que os aquecia. As mãos que lhe davam de comer e de beber. Elas eram o elemento vertical e permanente da raça", afirma Verissimo, cuja obra foi consagrada no cinema e na televisão.

O drama humano

Walter George Durst e Cassiano Gabus Mendes dirigiram o longa-metragem O Sobrado, em 1956, a primeira adaptação audiovisual de O Tempo e o Vento. Mostra a luta de Licurgo (Fernando Baleroni) para proteger o casarão dos Terra Cambará do cerco das tropas comandadas pela inimiga família Amaral durante a Revolução Federalista. Na antiga TV Excelsior, O Tempo e o Vento teve 210 capítulos, com Geórgia Gomide (Ana Terra), Carlos Zara (Capitão Rodrigo) e Maria Estela (Bibiana) no elenco.

Um Certo Capitão Rodrigo (1971) foi dirigido por Anselmo Duarte, com Francisco di Franco vivendo o personagem, e Elza de Castro como Bibiana. Ana Terra (1972), de Durval Garcia, foi estrelado por Rossana Ghessa. A minissérie O Tempo e o Vento (Globo,1985), com direção de Paulo José e trilha sonora de Tom Jobim, teve 25 capítulos dedicados a Ana Terra (Glória Pires), Um Certo Capitão Rodrigo (Tarcísio Meira), Bibiana (Louise Cardoso), Teiniaguá, com Lilian Lemmertz e Carla Camuratti no papel de Bibiana e Luzia, e O Sobrado, no qual Lélia Abramo reluz como Bibiana já idosa.

A última adaptação de O Tempo e o Vento é de Jayme Monjardim. Estreou como longa-metragem, em 2013, e ganhou versão ampliada na minissérie da Globo, em 2014. Abarca os 150 anos narrados em O Continente, com Cleo Pires (Ana Terra) e Thiago Lacerda (Capitão Rodrigo), além de Marjorie Estiano e Fernanda Montenegro vivendo Bibiana em diferentes fases.

O tempo e o vento de novo emolduram a vida dos gaúchos, nessa tragédia climática. As medidas que estão sendo tomadas para enfrentar a catástrofe ambiental revelam a presença da União e a solidariedade da federação. O Congresso aprovará, de hoje para amanhã, o pacote de medidas adotadas pelo presidente Lula para socorrer os gaúchos. O mais importante, em meio à catástrofe física, é o drama humano e a resiliência dos gaúchos diante das adversidades. São Anas, Pedros, Bibianas e Rodrigos.

2 comentários:

  1. "O fogo que os aquecia" era feito das árvores e dos arbustos que a gauchada cortava, tanto para lenha como pra transformar em tábuas e construir seus ranchos. Séculos se passaram, décadas e décadas transcorreram, e CADA VEZ MENOS ÁRVORES sobraram pra reter as águas dos rios, ainda mais revoltas e fortes nas cheias em décadas mais recentes.

    Com a ação dos bolsonaristas e ruralistas pra diminuir cada vez mais a proteção legal das pouco respeitadas áreas de preservação permanente, as catastróficas enchentes recentes fazem parte das ditas TRAGÉDIAS ANUNCIADAS!

    José Lutzenberger e outros ambientalistas já prenunciavam isto 50 anos atrás! Eram chamados de LOUCOS por quererem proteger o meio ambiente, as matas ciliares, os banhados que retêm água...

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  2. Muito bom o comentário de Daniel.

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