O Globo
Cientista José Marengo, do Cemaden, diz que Rio Grande do Sul pode sair de um período de enchente para o oposto, a estiagem
O cientista José Marengo do Cemaden, Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, usa uma expressão forte para explicar o que está acontecendo agora no clima, após o aquecimento simultâneo do Pacífico e do Atlântico. “A América Latina está como num sanduíche entre dois oceanos quentes”. É o retrato do tempo atual que tem provocado a inundação tão prolongada do Rio Grande do Sul. Marengo acha que a situação no território gaúcho deve durar um mês ainda para se normalizar e, depois, o clima pode ir para o extremo oposto. “Da enchente para a seca”.
— O clima no Sul é meio radical, pode-se ter
um ano muito úmido e depois um muito seco. Sabemos que La Niña está se
configurando e isso deve aparecer em agosto e poderemos dizer se será intensa.
Se for intensa haverá uma situação de estiagem. O Sul pode sair de um período
de enchente para o oposto, a estiagem, a seca.
As chuvas no Rio Grande do Sul, que começaram
a cair pesadamente em 30 de abril, foram previstas no dia 26 de abril. Ele
lembra que o pior foi até o dia 5 de maio. Na quinta-feira da semana passada,
voltou a chover forte. Segundo Marengo, ainda que as chuvas parem agora, as
águas vão continuar altas. Pode demorar um mês até essa água toda baixar.
Ele define também com uma expressão eloquente
a falta de compromissos do mundo com as metas de redução das emissões.
— O Acordo de Paris já foi para o ralo. Em
algumas regiões do mundo, passamos de um grau e meio. Então os países estão
preparando planos de adaptação, como o Brasil neste momento. Está em processo
de elaboração porque o assunto ficou parado por quatro anos no governo
anterior.
O que o mundo está vendo agora é o resultado
em grande parte do aquecimento global, que levou os oceanos Atlântico e
Pacífico a ficarem quentes ao mesmo tempo durante esse período do El Niño. No
La Niña, que está para entrar agora, haverá o esfriamento dos oceanos e a
consequência no Brasil será chuva no Norte e Nordeste e seca no Sul do Brasil.
Há outras situações extremas previstas, como
uma “temporada extraordinária de furacões no hemisfério norte”, com pelo menos
25 furacões. Há, também, o que Marengo define como “uma irregularidade das
chuvas”. Em tudo isso, como ele diz, “o sinal humano está presente” como uma
das causas.
Ouvir os cientistas do clima sempre
impressiona, porque mostra que temos feito uma marcha insensata em direção a um
desequilíbrio que não podemos consertar. Pode-se atenuar os efeitos dessa
gangorra do clima com medidas de preparação dos locais onde vivem as
populações.
— A chuva não mata. A chuva não mata as
pessoas. Se a chuva cai num lugar onde as pessoas estão vulneráveis, expostas,
aí acontece o desastre. O Cemaden trabalha com os extremos, emite os alertas de
risco de desastres que são deflagrados pelos extremos, das chuvas intensas à
falta de chuvas, as secas severas. O desastre é a mistura dos eventos extremos
e a vulnerabilidade e a exposição da população.
Então, a solução parece óbvia, trabalhar para
reduzir essa vulnerabilidade. Não é simples como parece.
— A agenda ambiental começa em um governo e
só vê resultados bons em dois ou três governos adiante. Não aparece o produto
em quatro anos de mandato. A prevenção, um governo começa, mas quem leva
crédito é a próxima administração. Já a reconstrução, pode-se terminar a obra
em um período de quatro anos.
O Cemaden monitora 1.133 municípios
considerados os mais vulneráveis e expostos a desastres e agora pediu à Casa
Civil para elevar esse número para 1.942. São esses que o Ministério do Meio
Ambiente está considerando os municípios-piloto para um plano de prevenção
contra desastres provocados pela mudança do clima. Mas há muita coisa que
poderia melhorar imediatamente.
— Precisa haver a profissionalização da
Defesa Civil. Em alguns municípios, há vagas ocupadas por parentes do prefeito,
por exemplo. E tem que haver mais investimento, só que as estatísticas mostram
que o investimento federal tem caído. O Brasil deveria ser proativo, mas parece
que está cada vez mais reativo. E no mundo também é assim. Nas COPs, todo mundo
vira ambiental, se veste de verde, tem apertos de mão e poses para as fotos.
Que Porto Alegre sirva de alerta para Belém.
Na COP 30, o mundo precisa sair daqui com compromissos de realmente enfrentar a
tragédia climática mundial.
Falou tudo.
ResponderExcluir