quinta-feira, 23 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Absolvição de Moro respeita voto de quase 2 milhões

O Globo

Placar unânime no TSE demonstra que a Corte não se deixa usar para fins políticos

É sintomático que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tenha absolvido por unanimidade o senador Sergio Moro (União-PR) da acusação de abuso de poder econômico na pré-campanha eleitoral de 2022. O julgamento demonstrou que não tinham amparo na lei as alegações de PT e PL contra o ex-juiz que se tornou símbolo da Operação Lava-Jato. Elas tinham todas as características de uma retaliação política contra quem mandara prender expoentes petistas, como o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e saíra atirando contra o então presidente Jair Bolsonaro ao deixar seu governo. Não é acaso que adversários, certos da cassação, já se movimentavam de olho na vaga no Senado.

PT e PL deixaram o antagonismo de lado para alegar que Moro levara vantagem sobre os concorrentes ao se declarar candidato à Presidência meses antes da campanha oficial. Argumentavam que, com isso, ele gastou acima do permitido a quem disputava uma vaga ao Senado. Ora, é obviamente absurdo alegar que Moro tentou concorrer ao Planalto apenas para depois levar vantagem na eleição ao Senado. As decisões foram tomadas diante das circunstâncias políticas. Ele já era figura conhecida devido à Lava-Jato e não precisava de subterfúgios para ganhar visibilidade. Mudanças assim não são incomuns. O atual governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), também foi eleito depois de tentar a Presidência.

Em seu voto, o relator da ação contra Moro, ministro Floriano de Azevedo Marques, apontou brechas na Lei Eleitoral em relação à pré-campanha, chamou de “vacilante” a candidatura de Moro, classificou gastos dele como “censuráveis”, mas ressaltou não ter observado conduta que pudesse levar à cassação. “Para caracterizar uma conduta fraudulenta, é preciso mais do que estranhamento, indícios, suspeita ou convicção. É preciso haver prova — e prova robusta”, afirmou. Seu voto foi seguido pelos outros seis ministros.

Pelos cálculos de Marques, Moro gastou na pré-campanha 17,47% do teto, e não é possível classificar esses gastos como abusivos, pois nem a lei nem a jurisprudência estabelecem parâmetro objetivo. Também não foram considerados abusivos gastos com carros blindados e segurança. O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, afirmou que candidatos que recebem ameaças precisam desses recursos e que isso não configura vantagem em relação aos concorrentes.

Para além da discussão jurídica, a decisão do TSE foi feliz ao respeitar a vontade de 1,9 milhão de eleitores paranaenses que, nas eleições de 2022, escolheram Moro para representá-los. Seria absurdo que se cassasse esse direito legítimo dos cidadãos apenas com base em desavenças políticas ou no desejo de vendeta contra as ações de Moro quando era juiz ou ministro, por mais criticáveis que possam ter sido. Em qualquer democracia que se preze, divergências ideológicas ou políticas não se resolvem nos tribunais, mas nas urnas.

Lava Jato deve ser tema do plenário do Supremo

Folha de S. Paulo

Cabe ao colegiado avaliar decisões de Toffoli que suspenderam multas bilionárias e beneficiaram quem confessou corrupção

As instâncias mais elevadas da Justiça brasileira tomaram três decisões de grande repercussão na terça-feira (21). Duas delas, proferidas no Supremo Tribunal Federal, trataram de aspectos do legado da operação Lava Jato.

A terceira, exarada do Tribunal Superior Eleitoral, por coincidência envolvia Sergio Moro, o hoje senador pelo Paraná (União Brasil) que, ainda como magistrado, julgou em primeira instância ações da Lava Jato em Curitiba.

Coincidências à parte, o fator procedimental mais notável a distinguir essas intervenções judiciais foi a colegialidade, presente em duas delas e ausente em uma.

O plenário do TSE rejeitou os recursos do PT de Luiz Inácio Lula da Silva e do PL de Jair Bolsonaro, que pleiteavam a cassação do mandato de Moro por uma tecnicalidade no uso de recursos de campanha.

Também foi um conjunto de julgadores, reunidos na Segunda Turma do STF, que considerou prescrita a pretensão punitiva do Estado no crime de corrupção passiva pelo qual havia sido condenado o ex-ministro petista José Dirceu.

A deliberação que destoou da boa prática das cortes superiores de decidir de forma coletiva veio do ministro do STF Dias Toffoli.

Ele deu sequência à sua cruzada contra a Lava Jato e extinguiu as ações penais da operação contra Marcelo Odebrecht, ex-presidente da construtora que confessou ter coordenado um esquema multimilionário de corrupção.

De Toffoli, ex-advogado do PT arrependido de ter prejudicado Lula no passado, não se espera nenhum reexame de consciência.

O ministro, em setembro de 2023, julgou imprestáveis as provas colhidas pela Java Jato contra a Odebrecht. Em fevereiro, suspendeu pagamentos de multas que haviam sido assumidas pela empreiteira em acordo de leniência.

Até a J&F, cujo processo não passou pela vara federal de Curitiba, foi beneficiada pelas decisões monocráticas do ministro. A empresa, vale lembrar, contratou a mulher de Toffoli, a advogada Roberta Rangel, no âmbito de um litígio empresarial no setor de celulose.

Não é desejável que tantas decisões solitárias importantes, que envolvem valores bilionários e beneficiam figuras controversas da República, se acumulem sem o crivo do plenário da corte constitucional.

O país precisa saber quantos dentre os dez colegas de Toffoli concordam com a lamentável opção de jogar fora numa só tacada anos de esforços para responsabilizar fraudadores do erário, quando o correto seria descartar o joio —as faltas capitais de autoridades à frente dos casos— e preservar o trigo da punição aos crimes cometidos.

Que o plenário do Supremo se pronuncie o quanto antes.

Liberdade e fake News

Folha de S. Paulo

É possível conter desinformação sem métodos controversos que minam a democracia

Fake news decerto são um tormento, mas nem de longe uma novidade. Sociedades convivem com mentiras, rumores e boatos desde que existe a linguagem. O fator inédito hoje são os meios eletrônicos de comunicação, em especial as redes sociais, que ampliam exponencialmente a escala, a velocidade e o alcance da desinformação.

Instituições, estatais e privadas, devem agir contra isso, mas daí não se segue que possam usar qualquer meio para combatê-las. Outros valores democráticos, notadamente liberdades e direitos individuais, precisam ser preservados.

Nesse sentido, o governo federal escolheu um péssimo caminho ao tentar conter fake news sobre as enchentes no Rio Grande do Sul.

A Advocacia-Geral da União processou um influenciador de direita a partir de tese jurídica controversa: ele teria violado a honra da União, ao afirmar que as Forças Armadas seriam ineficientes.

É problemática a ideia de que entes públicos tenham honra passível de ser tutelada pelo Judiciário. Se o precedente for acatado, pode haver temerário enfraquecimento da liberdade de expressão.

A crítica às instituições, mesmo dura ou supostamente injusta, é da essência da democracia e fundamental para seu aperfeiçoamento.

Se há mentiras, cabe aos órgãos envolvidos restabelecer a verdade. Além de ampla atenção da imprensa, o governo conta com canais próprios de comunicação e pode lançar campanhas publicitárias.

Ademais, acordos entre setor público e empresas que administram redes sociais, para conter desinformação, são promissores.

É positivo que o Planalto busque atuar nessa frente. Mas é crucial que o poder para decidir quais mensagens serão restringidas, a partir de critérios transparentes, seja distribuído entre vários agentes e jamais concentrado num único órgão ligado ao Executivo.

Historicamente, a liberdade de expressão revelou-se elemento-chave não só para o aprimoramento institucional como também para o avanço do conhecimento. E, paradoxalmente, precisamos que mentiras e más ideias circulem e sejam discutidas para que a verdade e as boas ideias triunfem.

A realidade alternativa do sr. Dias Toffoli

O Estado de S. Paulo

É dever do STF conter a sanha do ministro de reescrever a história da Lava Jato ou ter a coragem de vir a público e referendar sua cruzada. O silêncio da Corte é péssimo para o País

A fábula sobre a Operação Lava Jato a que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli tem se dedicado a escrever nos últimos meses ganhou mais um capítulo anteontem. Monocraticamente, como se tornou habitual, o ministro declarou a “nulidade absoluta” de todos os atos processuais e investigações em desfavor de ninguém menos que o notório empreiteiro Marcelo Odebrecht, uma das figuras mais identificadas com o esquema do “petrolão” do PT.

De antemão, é preciso registrar que, fosse Dias Toffoli minimamente cioso das obrigações que as leis, a ética profissional e o senso de decência impõem à toga, ele não deveria assinar uma lauda sequer em processos envolvendo a Novonor (antiga Odebrecht) ou seus altos executivos, por absoluta suspeição. Como é público, Marcelo Odebrecht já identificou Dias Toffoli, em depoimento oficial, como sendo “o amigo do amigo de meu pai”, numa referência ao presidente Lula da Silva, à época investigado no âmbito da Lava Jato, e ao pai do empresário, Emílio Odebrecht – de fato, um amigo de longa data do petista.

Mas, ignoradas essas barreiras legais e éticas para atuar no caso, o céu se tornou o limite para a imaginação fértil do sr. Dias Toffoli, como o ministro demonstrou ao longo das 117 páginas de sua decisão. Nessa peça de realismo fantástico, o mesmo Marcelo Odebrecht que se notabilizou por seu envolvimento direto e abrangente no maior esquema de corrupção de que o Brasil já teve notícia seria, na verdade, uma pobre vítima da truculência do Estado a merecer o amparo da mais alta instância do Poder Judiciário.

Como a realidade factual é irrelevante para quem está empenhado em acomodar a História em sua agenda de ocasião, o ministro Dias Toffoli não pareceu constrangido com o fato de que Marcelo Odebrecht confessou a prática dos crimes dos quais foi acusado – em particular, o pagamento de propina para ao menos 415 políticos de 26 partidos. Espancando a lógica, o ministro manteve hígido o acordo de colaboração premiada assinado pelo empresário em seus bônus, mas tornou inválidos os seus ônus.

Zombando da inteligência alheia – ou simplesmente dando de ombros para os fatos –, Dias Toffoli quer que a sociedade acredite que um dos mais bem-sucedidos empresários do País, assessorado, portanto, por uma equipe de advogados altamente qualificados, teria sido alvo, ora vejam, de um “incontestável conluio processual” engendrado pelo então juiz Sérgio Moro e membros da força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba (PR). E tudo isso com o objetivo de cercear “direitos fundamentais do requerente (Marcelo Odebrecht), como, por exemplo, o due process of law”. Tenha paciência.

Dito isso, por mais relevante que seja a participação individual do ministro Dias Toffoli nessa cruzada revisionista da Operação Lava Jato, seu papel é menos importante e nefasto para a institucionalidade republicana do que a omissão de seus pares no STF. Desde setembro de 2023, Dias Toffoli tem tomado uma série de decisões monocráticas em favor de empresários que confessaram graves crimes. E o fizeram não porque foram submetidos a uma terrível violência patrimonial e psicológica por agentes do Estado, mas porque foram espertos para identificar um bom negócio – os acordos de leniência e de colaboração premiada – quando estiveram diante de um.

Nenhuma dessas decisões tem sido escrutinada pelo STF como instituição colegiada. E é crucial para o País que o sejam o mais rápido possível. Só o plenário da Corte será capaz de sopesar as ilegalidades cometidas durante a Lava Jato e suas reais implicações nos casos individuais. Se depender apenas de Dias Toffoli, a criança será jogada fora com a água do banho.

Cenário econômico desconfortável

O Estado de S. Paulo

Piora das expectativas do mercado sobre inflação, juros, PIB e quadro fiscal reforça incertezas que já pressionam e dividem o Banco Central. Crise no Rio Grande do Sul é fator adicional

O Banco Central (BC) bem que tentou, mas o argumento técnico utilizado para explicar o racha entre os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) não convenceu todo o mercado financeiro, e os investidores rapidamente se ajustaram a esse cenário turbulento.

A última edição do Boletim Focus mostrou o preço da quebra das expectativas. Tudo piorou. A projeção para a inflação deste ano subiu de 3,76% para 3,80%, e para o IPCA de 2025, de 3,66% para 3,74%. A estimativa para o déficit primário deste ano aumentou de 0,64% para 0,70% do Produto Interno Bruto (PIB), e para o ano que vem, de 0,60% para 0,63% do PIB.

Para a Selic, a previsão dos analistas ouvidos pela pesquisa é a de que ela encerre o ano em 10% ao ano, ante 9,75% na semana anterior e 9,50% há um mês. O dólar, por sua vez, subiu de R$ 5,00 para R$ 5,04. E até a expectativa para o crescimento do PIB deste ano recuou de 2,09% para 2,05%, algo que não ocorria desde junho do ano passado.

Pode-se argumentar que há razões variadas por trás do mau humor manifestado pelo mercado. Há dúvidas sobre o início do corte de juros nos Estados Unidos, mais uma vez postergado em razão da inflação elevada e do crescimento da economia. No cenário interno, a mudança nas metas fiscais de 2025 e 2026 também não foi bem recebida nem o pedido de abertura de crédito extraordinário para permitir gastos extras de R$ 15,7 bilhões neste ano.

Esses fatores, no entanto, já vinham sendo assimilados pelos investidores nas últimas semanas, tanto que as expectativas já haviam piorado um pouco. A novidade, desde a semana passada, foi a divulgação da ata da reunião do Copom. Todos reconheceram que as expectativas de inflação estão desancoradas, mas isso não impediu que quatro dos nove diretores votassem por uma redução maior dos juros.

Se essa decisão se deveu, de fato, à defesa da sinalização dada pelo Copom na reunião anterior, e não por tolerância dos membros indicados pelo presidente Lula da Silva com uma inflação mais alta, isso poderá ser comprovado em breve. O teor do documento foi considerado duro e não deixou muito espaço para uma nova redução da taxa básica de juros na reunião de junho. Na dúvida, os analistas ajustaram suas posições para a Selic e para a inflação – ambas para cima, o que, em tempos normais, soaria até contraditório.

Outro aspecto ainda a ser devidamente mensurado pelo mercado é o impacto das chuvas no Rio Grande do Sul. O Estado é hoje a quarta maior economia do País, e as cheias atingiram as regiões mais pujantes, como a região metropolitana de Porto Alegre e a Serra Gaúcha, além de municípios populosos como Santa Maria e Pelotas.

Retomar as atividades será um processo lento e que pode causar efeitos severos na economia gaúcha, mas os impactos da tragédia não são unicamente locais. Fábricas da Volkswagen em São Paulo, por exemplo, anunciaram férias coletivas por falta de peças fornecidas por empresas instaladas no Rio Grande do Sul, que estão impossibilitadas de produzi-las e transportá-las a outras localidades.

Há ainda risco de que a calamidade no Sul impulsione o preço dos alimentos em todo o País e derrube a arrecadação estadual e dos municípios gaúchos. Novas rodadas de repasses de recursos são mais do que esperadas.

Sabe-se que a ajuda federal já anunciada, de R$ 12,2 bilhões, será suficiente apenas para ações emergenciais e não dará conta do valor necessário para a reconstrução da infraestrutura do Estado nem para o apoio permanente a uma parcela de população que não compunha o grupo dos vulneráveis, mas que pode vir a necessitar de benefícios assistenciais para sobreviver em um cenário de destruição.

A depender da forma como essa ajuda venha a se materializar, pode haver uma percepção de piora do quadro fiscal, aumento das expectativas de inflação e, consequentemente, ainda mais pressão sobre os juros. Nesse cenário, as próximas declarações dos integrantes do Copom e as decisões do Banco Central serão analisadas com lupa. A autonomia e a credibilidade da instituição serão postas à prova.

Respeito ao eleitor

O Estado de S. Paulo

Ao rejeitar a cassação de Moro, TSE mostra que não se afronta sem provas a soberania do voto

Prevaleceram a sensatez e o entendimento técnico no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e com unanimidade o mandato do senador Sérgio Moro (União-PR) foi preservado. Todos os sete ministros – incluindo o relator, ministro Floriano de Azevedo Marques – confirmaram a decisão de abril dos desembargadores do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná e concluíram que não houve abuso nos gastos da sua pré-campanha. Também não ficou comprovado que Moro usou a pré-candidatura ao Palácio do Planalto para conseguir mais visibilidade na corrida ao Senado.

Em síntese, a unânime decisão do TSE reafirmou o óbvio: goste-se ou não do ex-juiz Lava Jato, somente o revanchismo, a judicialização da desforra e a politização descabida justificariam a cassação. Afinal, ficou flagrante desde o início a ausência de provas de abuso de poder econômico, de arrecadação ilícita ou de uso indevido dos meios de comunicação, acusações sustentadas pelo PL e pelo PT, autores da ação contra o senador. Os dois partidos que, não à toa, representam os principais polos políticos e eleitorais do País – e galvanizam boa parte dos males da radicalização – eram os principais interessados numa eventual disponibilidade da cadeira paranaense de Moro no Senado.

O episódio ensina ao País que a cassação de um mandato constitui punição extrema demais para ser usada de forma aleatória. Não se pode recorrer a ela sem o cumprimento do absoluto rigor técnico e jurídico, não deixando que as conveniências ideológicas ou partidárias possam sobrepujar os princípios da lei. Só quando há evidências comprovadas nos autos é que se justifica rever a soberania popular manifestada pelo voto. Ou seja, não se cassa um mandato apenas com base em suposições. O próprio Moro é um exemplo dos efeitos nefastos de tamanho desvio. Como juiz da Lava Jato, convicto de que era a palmatória do mundo, ele não hesitou em sustentar condenações com base em indícios e suspeitas – a ponto de delinquentes confessos conseguirem posar hoje de supostas vítimas da força-tarefa.

Não por outra razão alguns ministros do TSE o livraram da cassação com o cuidado de reafirmar corolários com ar de desaforo. O relator Azevedo Marques, por exemplo, afirmou: “Para caracterizar uma conduta fraudulenta ou desvio de finalidade aptos a atrair as severas sanções de cassação de mandato e inelegibilidade, é preciso mais do que o estranhamento, indícios, suspeita ou mesmo convicção de que houve corrupção, caixa dois ou lavagem de capitais. É preciso haver prova, e prova robusta”. Tese similar foi dita pelo ministro Alexandre de Moraes. A ministra Cármen Lúcia chegou a dizer que a conduta do senador “não é exatamente um modelo ético de comportamento na pré-campanha”.

Embora o plenário das mais altas Cortes do País não seja o espaço mais adequado para desaforos do gênero, ficou evidente que mesmo os ministros mais críticos a Moro não enxergaram motivos para cassálo. Sabiam que estava perante a Justiça Eleitoral um senador confrontado por peças acusatórias frágeis, não o todo-poderoso juiz da Lava Jato. E que o veneno fabricado no passado por Moro não deve ser aplicado – nem nele próprio.

Déficit cresce e governo dispensa contenção de gastos

Valor Econômico

Ainda há tempo para a correção de rota, com um freio de gastos e contenção de recursos orçamentários que de fato se adequem ao cumprimento da meta

O governo federal iniciou o ano sob a perspectiva de fazer um contingenciamento de despesas de até R$ 55 bilhões. Segurou apenas R$ 2,9 bilhões na primeira revisão bimestral de receitas e despesas e, na segunda revisão, apresentada ontem, eliminou o pífio contingenciamento feito. O resultado primário, negativo em R$ 9,34 bilhões, subiu para R$ 14,5 bilhões, dentro da margem permitida de R$ 28,8 bilhões (0,25% do PIB).

O argumento para eliminar a contenção de despesas foi a antecipação de crédito suplementar para aumento de gastos de R$ 15,8 bilhões aprovado rapidamente pelo Congresso e ainda não utilizado. Contando com seu uso, o governo concluiu que não precisava mais de economias para garantir um resultado equilibrado entre receitas e despesas até o fim do ano. Analistas privados não acreditam que a meta será atingida, nem com a margem de ajuste permitida pela regra do novo regime fiscal.

O Planalto segue a determinação de ampliar gastos. Os números da segunda avaliação mostraram que, em relação à primeira, as receitas líquidas, que excluem as transferências, aumentaram R$ 6,3 bilhões, atingindo R$ 2,181 trilhões. No entanto, continuam abaixo da receita líquida prevista na lei orçamentária, de R$ R$ 2,191 trilhões. Isso acontece apesar do aumento de receitas, no qual o governo colhe seus melhores frutos até agora. O novo regime fiscal depende da elevação das receitas para conseguir realizar gastos reais, acima da inflação, entre 0,6% e 2,5%. A arrecadação federal bateu recorde da série histórica nos quatro primeiros meses do ano (8,33% reais), a maior para o período desde 1995.

O contingenciamento sumiu apesar de as despesas primárias estarem crescendo mais do que as receitas líquidas. Na comparação entre as duas revisões bimestrais, aumentaram R$ 24,4 bilhões, para R$ 2,209 trilhões. Neste caso, ao contrário do que ocorreu com as receitas, os gastos já estão R$ 27 bilhões acima do previsto na lei orçamentária. Isto é, o déficit primário já encosta no limite da margem permitida.

O acréscimo de R$ 15,8 bilhões permitido pelo novo regime fiscal certamente ajuda as contas, que, ainda assim, são apertadas. Segundo estimativa do Tesouro, as despesas sujeitas ao limite o superaram em R$ 13,3 bilhões. Há no máximo R$ 2,5 bilhões de folga. As receitas com concessões e permissões, segundo as estimativas do segundo bimestre, deverão ter queda de R$ 6,4 bilhões e se situarem em R$ 25,2 bilhões. As avaliações para o comportamento da arrecadação administrada pela Receita encolheram R$ 16,4 bilhões em relação à primeira revisão e R$ 34 bilhões em relação ao previsto na lei orçamentária. As receitas não administradas, por outro lado, cresceram R$ 22 bilhões e se encontram no nível estimado pela LOA 24.

Enquanto o aumento da arrecadação, obtido por medidas aprovadas pelo Congresso no ano passado - como a taxação de fundos exclusivos e dos offshore e a volta do voto de minerva para governo no Carf -, pode ter chegado ao pico no quadrimestre, a contabilidade das despesas não está completa. As despesas previdenciárias, segundo analistas, estão subavaliadas. Entre a primeira revisão e a segunda, a estimativa aumentou R$ 7,9 bilhões. O Congresso derrubou parcialmente o veto de R$ 5,2 bilhões em emendas parlamentares feito pelo presidente Lula e conseguiu arrematar R$ 3,6 bilhões. O governo precisaria obter R$ 168,5 bilhões em receitas extras para zerar o déficit fiscal, mas há previsões que não devem se confirmar, como quase R$ 98 bilhões de pagamentos das empresas à Receita para encerrar disputas no Carf.

No ano passado, o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) teve um enorme déficit primário de R$ 230,5 bilhões, ou 2,12%, o maior desde que as contas públicas começaram a mergulhar no vermelho, no segundo mandato de Dilma Rousseff. Ao revogar o teto de gastos e criar o novo regime fiscal, houve a expectativa de que haveria algum controle no endividamento. As regras fiscais, porém, estão desequilibradas. A começar pelo princípio de que não são os gastos que têm de se adequar às receitas, mas estas que têm de permitir aumentar os gastos, que está implícito nos princípios das novas regras.

O governo mudou a meta na estreia do novo regime e reduziu a de 2025 para zero, em vez de 0,5%, e estipulou para o último ano do governo de Lula, 2026, superávit de 0,25% do PIB, que, com a margem admitida para baixo, poderá se transformar em déficit zero. As previsões do boletim Focus mostram que analistas e consultorias não acreditaram em nenhum momento nas metas e preveem déficits em todo o mandato de Lula, com possibilidade de alguma piora no horizonte neste e no próximo ano.

Ainda há tempo para a correção de rota, com um freio de gastos e contenção de recursos orçamentários que de fato se adequem ao cumprimento da meta proposta pelo próprio governo. Se a inflação voltar a subir e os juros pararem de cair, o governo terá de fazer um ajuste sério, sob pena de perder popularidade perto do calendário da sucessão.

Senado renova cotas raciais em concursos públicos

Correio Braziliense

Na compreensão dos movimentos antirracista, a diversidade no setor público é mais uma política de enfrentamento à discriminação que ainda contamina parcela expressiva da sociedade brasileira

O Senado aprovou ontem, por votação simbólica, o Projeto de Lei nº 1.958/2021, que renova, com alterações, cotas raciais em concursos para preenchimento de vagas no serviço público federal. Nesta semana, o Movimento Negro Brasileiro e a sociedade civil divulgaram carta, assinada por mais de 500 organizações, em que cobravam do Legislativo a aprovação da nova lei. O novo texto reduziu de 25 para 10 anos a validade da norma, que contempla, além dos negros, quilombolas e indígenas. Impediu ainda que as vagas não preenchidas possam ser repassadas para outros concursos.

A vigência da lei atual — 12.990/2014, sancionada pela então presidente Dilma Rousseff — perde validade em 9 de junho próximo. O projeto será enviado à Câmara dos Deputados. Se aprovado, seguirá para o Palácio do Planalto para sanção pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Os negros somam 56% da população brasileira, mas, entre os mais de 1 milhão de servidores da União, eles são 35% no serviço público federal. No Congresso Nacional, a representatividade é bem menor: 22% das cadeiras do Senado, e 26% da Câmara dos Deputados. Levantamento do Movimento Negro Brasileiro revela que a falsa abolição da escravidão se manifesta de diferentes formas na realidade vivenciada por pretos e pardos. Os negros são "maioria nos trabalhos domésticos com salários baixíssimos: maioria dos resgatados nos trabalhos análogos à escravidão (84%); 40% vivem em situação de pobreza; de cada 10 moradias inadequadas, sete são nossas; correspondem a 70% da população carcerária; de cada 10 pessoas assassinados, oito são pretas ou pardas". E mais: menos da metade das vagas nas universidades públicas e privadas é ocupada pelos afrodescendentes.

O aumento do percentual das cotas representa um passo largo em direção à paridade entre negros e não negros no serviço público. Projeções do Ministério da Gestão e Inovação e do Observatório de Pessoal da pasta, indicam que, mantida a cota de 20% vaga, como estabelecido na atual lei, só em 2060 a representatividade chegaria a 48%. Com alteração recomendada pela Comissão de Juristas de Combate ao Racismo, criada pela Câmara dos Deputados, a cota de 30%, haverá uma redução de 13 anos (2047) para que 50% dos servidores da administração federal sejam pretos e pardos.

A versão atualizada das cotas étnico-raciais no serviço público avança à medida que estabelece regras que impedem fraudes nos concursos. A autodeclaração exigirá uma verificação, com base na definição do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), para pretos e pardos, assim como ocorre nas universidades federais. Abre caminho também para que os aprovados tenham ascensão profissional no setor público federal.

Na compreensão dos movimentos antirracista, a diversidade no setor público é mais uma política de enfrentamento à discriminação que contamina parcela expressiva da sociedade brasileira. Submeter pretos, pardos e quilombolas a condições desumanas e preconceituosas é atitude descabida em um país que se caracteriza pela pluralidade étnica e cultural. Mudar o perfil do Estado é um passo relevante na luta contra o racismo e um gesto de reparação ao sofrimento imposto ao povo negro pela sua enorme contribuição ao desenvolvimento econômico do país.

 

 

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