terça-feira, 7 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Solidariedade a vítimas no RS é exemplo para o país

O Globo

Num Brasil polarizado, é auspicioso que lideranças políticas tenham deixado as desavenças de lado

O desastre que atinge o Rio Grande do Sul exige respostas à altura da tragédia. Com 336 dos 497 municípios gaúchos em estado de calamidade pública, centros urbanos submersos, cidades isoladas, infraestrutura comprometida e milhares de moradores sem água e luz, não pode haver espaço para burocracia ou desentendimentos que dificultem a assistência às vítimas e a reconstrução.

Por isso tem sido comovente o movimento de solidariedade que se espalhou pelo Brasil, com doações e iniciativas de toda sorte para levar alívio à população atingida. Foi também louvável a união de forças dos três Poderes para ajudar os gaúchos. No domingo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viajou para o RS numa comitiva que incluiu os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, o comandante do Exército, general Tomás Paiva, além de vários ministros de Estado.

Pode-se argumentar que é esperado autoridades comparecerem a áreas afetadas por desastres — especialmente em ano eleitoral. Mas, num país às voltas com um clima tóxico de polarização, não deixa de ser auspicioso. O mutirão dá mais agilidade a decisões que envolvem diferentes níveis de governo. E mostra que eventuais divergências entre os participantes não serão empecilho para fazer o que precisa ser feito. Situação semelhante já acontecera com as chuvas no Litoral Norte de São Paulo em fevereiro do ano passado. Sinal de amadurecimento.

Seria oportuno que se aproveitasse a força-tarefa com autoridades da República para discutir também a necessidade de planejamento e orçamento robusto para ações de prevenção às chuvas. Como mostrou reportagem do GLOBO, enquanto os fenômenos climáticos extremos se tornaram mais frequentes e intensos, as verbas federais para combate a desastres diminuíram. Em 2014, foram destinados ao setor o equivalente a R$ 7,8 bilhões (em valores corrigidos). Para este ano, estão previstos R$ 2,6 bilhões.

Diante da calamidade no Sul, o governo federal prometeu que liberará recursos extraordinários. Mas são ações emergenciais. O combate a inundações e deslizamentos exige medidas de médio e longo prazo, como obras de contenção de encosta, dragagem de rios, reassentamento de famílias, reforço de sistemas de defesa civil etc. Daí a necessidade de um orçamento consistente, que não fique à mercê das intempéries.

Além de recursos, o país necessita de planos nacionais, estaduais e municipais para desastres. Não há como impedir que rios transbordem, mas é possível retirar moradores das áreas vulneráveis antes que eles tenham de ir para o telhado implorar por um resgate incerto. Lula disse ter cobrado da ministra Marina Silva (Meio Ambiente) um plano de prevenção de desastres para que o governo “pare de correr atrás da desgraça”. É preocupante que só agora tenha percebido isso.

Os prejuízos no Sul são incalculáveis. O governador Eduardo Leite (PSDB) afirmou que o estado precisará ser reconstruído. Só quando as águas baixarem será possível ter a dimensão exata do tamanho do estrago. A julgar pelas imagens de destruição, o trabalho será longo e custoso. Ao menos a convergência entre os três Poderes poderá torná-lo mais ágil, o que não é pouco.

Bukele dá mais um passo para transformar El Salvador em ditadura

O Globo

Seguindo roteiro de Chávez, populista aprovou no Congresso mecanismos que facilitam subverter Constituição

Nayib Bukele, presidente de El Salvador, conduz seu país paulatinamente a uma ditadura, trilhando o caminho aberto por autocratas como o venezuelano Hugo Chávez. Bukele acaba de aprovar no Congresso, sob seu controle, mudanças na Constituição que ampliam esse controle sobre o Legislativo. Juristas e oposicionistas denunciam o pacote aprovado como um passo em direção a um “esquema ditatorial”.

Como qualquer Constituição democrática, a de El Salvador tinha salvaguardas. Previa consulta popular sobre emendas aprovadas no Congresso, além de uma segunda votação por uma nova legislatura para que fossem promulgadas. Bukele, porém, achou-se no direito de atropelar essas normas e determinar que as emendas à Constituição podem ser feitas na mesma legislatura com apenas uma votação por três quartos dos deputados (45 de 60). Não é um patamar distinto do que vigora noutros países, mas em El Salvador as regras eram outras. E a mudança foi feita sob medida para seu partido Novas Ideias, que reúne 54 dos 60 deputados eleitos.

A proposta de reforma constitucional de Bukele não estava na pauta da última sessão da legislatura passada, no final de abril. O projeto foi “dispensado de tramitação” e aprovado pela folgada maioria governista no Congresso. Bukele tem usado sem parcimônia esse mecanismo que permite aprovar leis de modo mais expedito.

Seu grande apoio popular se deve ao duro combate ao crime organizado. El Salvador chegou a ser o país mais violento do Hemisfério Sul, com 84,1 homicídios por 100 mil habitantes em 2016. No ano passado, último do primeiro mandato de Bukele, a taxa foi de 2,4, nível do Canadá. Para obter esse resultado, Bukele recorreu ao Congresso para decretar “estado de emergência” durante 30 dias em 2022. Suspendeu direitos constitucionais como liberdade de associação, privacidade nas comunicações, informação sobre o motivo de prisões na hora da detenção e obrigatoriedade de, em 72 horas, o preso ser levado a um juiz. Esse “estado de emergência” passou a ser prorrogado sucessivamente. Também foi alterada a lei antiterrorismo para permitir a prisão de crianças a partir dos 12 anos.

Bukele aproveitou uma onda de assassinatos em 2022 para aprovar no Legislativo a virtual conversão do regime em estado de exceção. Um relatório da Human Rights Watch e da Cristosal, organização salvadorenha, revelou que, de março a novembro daquele ano, foram presas 58 mil pessoas, incluindo mais de 1.600 crianças. Há relatos de desaparecimentos e torturas.

As prisões em massa e a revogação de direitos reduziram os índices de criminalidade e elevaram a popularidade de Bukele. Como essa fórmula costuma ter um prazo de validade limitado, ele agora tenta conferir legitimidade a seu avanço sobre os Poderes. Não há registro de déspotas que se convertem em democratas por vontade própria. A diplomacia do Brasil e dos demais países das Américas deveria fazer o possível para evitar mais esse retrocesso democrático no continente.

STF precisa restabelecer controles nas estatais

Folha de S. Paulo

Em julgamento tardio, o correto é derrubar liminar que abriu caminho para indicações políticas do governo nas empresas

Com grande atraso, o Supremo Tribunal Federal deve retomar nesta semana o julgamento de ação que pretende derrubar regras moralizadoras da Lei das Estatais, de 2016.

Mais de um ano atrás, em março de 2023, houve pressa em atender o pleito, de óbvio interesse do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —e o então ministro do STFRicardo Lewandowski, hoje no ministério de Lula, concedeu liminar que abriu caminho para indicações políticas ao comando das empresas controladas pelo Tesouro.

A lei determina, entre outras normas de governança, exigências para nomeações. Não podem ser nomeadas para a direção de estatais pessoas que tenham atuado, nos últimos três anos, como dirigentes de partidos ou na organização de campanhas eleitorais.

Também se proíbe que ministros de Estado e secretários de estados e municípios participem de conselhos de administração.

Em sua decisão monocrática, Lewandowski considerou tais restrições excessivas e, por isso, inconstitucionais, conforme argumenta-se na ação movida pelo PC do B.

O assunto voltou a ser examinado pelo plenário da corte em dezembro último, quando o ministro André Mendonça votou por restabelecer os dispositivos da legislação. O julgamento, porém, foi interrompido por um pedido de vista de Kassio Nunes Marques.

Enquanto tarda a decisão, estatais de todos os portes estão sujeitas a indicações temerárias.

Levantamento feito no final do ano passado pelo jornal O Globo apontou ao menos 18 postos de direção e 40 em conselhos de administração preenchidos por nomes que estariam vedados pela lei.

Há ainda casos importantes que já suscitaram dúvidas, como os dos presidentes da Petrobras, Jean Paul Prates, e do BNDESAloizio Mercadante —o primeiro, eleito senador pelo PT, e o segundo, ex-dirigente de fundação ligada ao partido.

Ainda que o STF possa orientar interpretações do texto da lei, não pode restar dúvida de que o correto a fazer é manter restrições ao aparelhamento das empresas.

As bem-sucedidas normas de 2016 foram aprovadas pelo Congresso na esteira de prejuízos bilionários e escândalos de corrupção que compuseram a ruína econômica sob Dilma Rousseff —o descalabro nas estatais, acrescente-se, antecede as administrações petistas.

Não se trata de panaceia, muito menos de criminalização da política como querem alguns críticos.

A repartição de cargos de governo entre partidos aliados é normal nas democracias e particularmente inevitável no contexto brasileiro. O que a legislação faz é tão somente estabelecer limites em setores nos quais as decisões precisam ser técnicas e qualificadas.

Mais ensino integral

Folha de S. Paulo

Modelo, que SP ainda precisa expandir, eleva aprendizado de alunos do estado

Estudos sobre o desempenho de alunos matriculados no ensino de tempo integral, que aumenta a carga horária de aulas na educação básica, mostram que o modelo deve ser mantido e ampliado.

Um dos recentes, feito pela USP em parceria com o Instituto Sonho Grande e o Instituto Natura, revela que os estudantes de escolas estaduais de São Paulo que implantaram o sistema tiveram alta de 35% no aprendizado de matemática e de 26% no de língua portuguesa.

Foram analisadas as notas do alunado do 5º e do 9º ano do ensino fundamental, de 2013 a 2019, na prova do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp).

Os estudantes do ensino regular obtiveram, no período, 40 pontos em matemática e 39 em português, ante 54 e 49 pontos, respectivamente, dos do modelo integral.

Constatou-se ainda que os efeitos são imediatos. Em apenas um ano, os estudantes de escolas que adotaram o sistema integral em 2018 alcançaram notas melhores em 2019 do que os que continuaram naquelas de tempo regular.

Aprendizado melhor reduz evasão escolar, que é maior no ensino médio, mas começa antes, no fundamental. Segundo o IBGE, 8,1% das pessoas de 14 a 29 anos com nível de instrução inferior ao médio largaram a escola aos 14 anos, 14,1% aos 15 anos e 17,8% aos 17.

Nesse sentido, a pesquisa da USP revela que o ensino integral eleva a chance de que o aluno ingresse no ensino médio, na média, de 87% para 89%; aqueles com defasagem de aprendizado, estrato que cresceu durante a pandemia de Covid-19, são ainda mais beneficiados, de 61% para 70%.

São Paulo expandiu o número de escolas do modelo integral de 417 em 2019 para 2.311 em 2023, o que representava 45% da rede no ano passado. No entanto só 17% dos alunos estavam matriculados nelas—como comparação, na Paraíba, os índices eram de 65,7% e 55,9%, respectivamente.

O governo paulista deve, portanto, se basear nas evidências e expandir o alcance do ensino de tempo integral, a fim de eliminar os gargalos na educação do estado mais rico do país.

A tragédia que comove o País

O Estado de S. Paulo

Ante o imperativo da solidariedade, brasileiros deixam diferenças de lado e unem esforços para ajudar o Rio Grande do Sul, abatido por uma catástrofe climática e humana sem precedentes

Não há precedentes para a tragédia que se abate sobre o Rio Grande do Sul desde a semana passada. Por esse motivo, também não pode ter precedentes a ajuda que o País deve dar aos gaúchos. Felizmente, a resposta tanto do poder público quanto dos muitos brasileiros anônimos que fizeram doações e se juntaram ao esforço para socorrer os desabrigados mostra que, ante o imperativo da solidariedade, não há diferenças insuperáveis. Ainda somos um único Brasil.

Em dez dias, choveu o equivalente a três meses de precipitações, segundo o governo do Estado. Regiões que nunca haviam sido consideradas áreas de risco rapidamente foram invadidas pela água.

A infraestrutura do Estado foi devastada e deixou várias cidades do interior e da região metropolitana de Porto Alegre completamente ilhadas. Pontes interditadas, estradas bloqueadas e o principal aeroporto fechado por tempo indeterminado dificultam a chegada de ajuda, o trabalho de voluntários e o envio de mantimentos básicos.

Cerca de 885 mil imóveis estão sem abastecimento de água e mais de 443 mil estão sem energia elétrica, a maioria nos arredores de Porto Alegre. Algumas regiões podem permanecer inabitáveis por semanas ou até meses até que seja possível apurar a extensão dos estragos e reconstruir a infraestrutura de serviços públicos essenciais.

Num cenário como esse, seria especialmente cruel atribuir a dimensão da catástrofe a uma suposta má gestão estadual, como alguns oportunistas estão tentando fazer. É evidente que todos os governos são, de um jeito ou de outro, responsáveis pelo que acontece na região que administram, mas claramente estamos diante de um evento climático que surpreenderia até o mais precavido dos gestores. Por isso, não se trata de uma questão meramente orçamentária ou de descaso da Defesa Civil.

As enchentes que ocorreram no ano passado tampouco podem servir de referência. Todo o sistema de proteção foi projetado com base nos estragos causados por uma enchente em 1941, até então a maior da história. Ainda que possa haver problemas de manutenção das comportas, o volume de água que chegou ao Lago Guaíba superou a cota de inundações em mais de dois metros.

A ida do presidente Lula da Silva ao Estado, acompanhado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad; dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PPAL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas; além do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), demonstra que as autoridades compreenderam a gravidade do quadro, que tende a piorar antes de começar a melhorar.

A situação é absolutamente excepcional e requer, portanto, medidas também excepcionais. O gabinete de crise do governo federal para lidar com a tragédia precisa contar com autonomia para garantir as ações de socorro em uma primeira etapa. A declaração de estado de calamidade pública é essencial para que os recursos públicos cheguem com a celeridade que a situação requer, contrariando o padrão moroso que se repete a cada desastre humanitário.

Como disse o governador gaúcho, Eduardo Leite, o Estado precisará de um amplo plano de reconstrução, a exemplo do Plano Marshall, que financiou a recuperação da Europa no pósguerra. Não é momento para apontar culpados e transformar esse cenário de destruição em palanque político, mas de direcionar verba federal e de emendas parlamentares para salvar o Estado e autorizar um orçamento de guerra para enfrentar o caos.

Diante das restrições fiscais do Rio Grande do Sul, é preciso flexibilizar as limitações para gastar seus próprios recursos e acessar financiamentos naquele que é possivelmente o pior momento de sua história – o que não é o caso de outros Estados que buscam obter a moratória de suas dívidas. Os prefeitos também precisam ter segurança para contratar obras emergenciais às vésperas das eleições municipais.

Nada disso dispensa a necessidade de fiscalização rigorosa sobre o uso do dinheiro, que não pode se perder em ações dispensáveis. Ou seja, mais do que nunca, é preciso organização e liderança – pois solidariedade, neste país, há de sobra.

Vereadores de si mesmos

O Estado de S. Paulo

Estudo mostra que vários vereadores de SP se elegem não por sua ligação com regiões da cidade, mas por seus posicionamentos ideológicos – que nada têm a ver com os problemas paulistanos

Apedido do Estadão, o Laboratório de Eleições, Partidos e Política Comparada (LAPPCOM), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez um levantamento do perfil dos dez vereadores mais votados para a Câmara Municipal de São Paulo na eleição passada. O resultado é impressionante – e assustador. A maioria desses vereadores (60%) não tem qualquer ligação territorial com a cidade. Foram os chamados “candidatos de opinião”, ou seja, políticos eleitos, primordialmente, pelo engajamento que provocaram nas redes sociais. Segundo o estudo, a exploração de crenças religiosas, questões ligadas à legislação penal e toda sorte de pautas ideológicas e/ou identitárias parece render mais votos do que a apresentação de propostas para melhorar a educação, a saúde ou a zeladoria na cidade. O busílis é que nenhum desses temas de apelo eleitoral está no rol de competências do Poder Legislativo municipal.

Tradicionalmente, os vereadores sempre estiveram ligados a bairros ou distritos. Muitas vezes, os candidatos construíram uma vida de serviços prestados a seus concidadãos antes de chegarem à Câmara Municipal. O triunfo eleitoral, nos melhores exemplos dessa trajetória, representou o coroamento de uma vocação para o serviço público, além do exercício da solidariedade. Claro que nem sempre a relação de proximidade física com o eleitor produziu bons vereadores. Mas, na maioria das vezes, o conhecimento da realidade experimentada por quem o parlamentar supostamente deveria representar costumava facilitar as coisas.

Ao que parece, esse tipo de vereança está ficando para trás. Não cabe ingenuidade. As redes sociais vieram para ficar e brigar com os fatos não muda a realidade. É por meio delas que não poucos candidatos veiculam suas plataformas políticas e dialogam com potenciais eleitores. Foi assim na eleição passada e nada indica, segundo os especialistas ouvidos por este jornal, que será diferente na eleição deste ano. “As redes sociais facilitam essa dinâmica e permitem um melhor estabelecimento de nichos”, afirmou ao Estadão a coordenadora do LAPPCOM, Mayra Goulart. A professora destacou ainda que essa comunicação mais segmentada representa uma “vantagem competitiva” para o “candidato de opinião” em relação àqueles com base eleitoral estabelecida por território – mais propensos, portanto, a serem conhecidos apenas em âmbito local.

O sucesso desse tipo de candidatura, mais ideológica e menos propositiva, também guarda relação com uma certa desatenção de boa parte do eleitorado com os rumos da eleição municipal. Eleições gerais, em especial para cargos do Poder Executivo, costumam mexer mais com o ânimo dos eleitores, mobilizando-os em torno de discussões minimamente aprofundadas sobre os destinos de seu Estado e do País. É um erro grave, porém, tratar a eleição municipal como uma eleição “menor”. Muito ao contrário.

Sempre cabe lembrar a célebre constatação de Franco Montoro: “Ninguém vive na União ou no Estado, as pessoas vivem no município”. Portanto, a falta de uma boa representação na Câmara Municipal, onde são tratados temas vitais para o desenvolvimento humano na cidade, leva a uma degeneração da política municipal que produz efeitos muito mais perceptíveis na vida dos cidadãos do que eventuais decisões tomadas nas esferas estadual e federal.

Se, por um lado, não dá para mudar a realidade desse nem tão novo modelo de campanha eleitoral, por outro, é possível alertar os eleitores para os prejuízos que essa distorção da vereança causa para uma cidade complexa como São Paulo. É enorme o desserviço que esses “candidatos de opinião” prestam aos munícipes como um todo. Sem laços territoriais – algo que seria muito bem resolvido com uma reforma política que instituísse o voto distrital no País –, são incapazes de estabelecer vínculos com a comunidade e dar o devido tratamento às suas aflições. No fundo, são candidatos que podem até ter muitos votos, mas não representam ninguém, exercendo seus mandatos como vereadores de si mesmos.

Sabesp no tapetão

O Estado de S. Paulo

Derrotados no voto, PT e PSOL buscam no Judiciário a chance de um terceiro turno

A suspensão, por decisão judicial, da sessão da Câmara de Vereadores de São Paulo que autorizou o Município a manter os serviços da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) depois da privatização da estatal estadual fere a autonomia do Legislativo municipal, em um processo que seguiu todos os ritos legais e democráticos. Nove audiências públicas e um estudo de impacto orçamentário – conforme exigência judicial – precederam o segundo turno de votação do projeto com ampla maioria de votos favoráveis, situação que não deixou dúvidas quanto à lisura do resultado.

Foram 37 votos a favor e 17 contra. Ou seja, dois terços dos 54 vereadores que representam o eleitorado paulistano referendaram a proposta num processo legislativo correto. Sem entrar no mérito sobre a privatização da Sabesp em si, o que inclusive não cabe à Câmara Municipal, não há como questionar a higidez de um processo que tão somente tornou sem efeito uma lei de 2009 que determinava a extinção automática da prestação de serviços à capital paulistana em caso de privatização da Sabesp.

PT e PSOL protagonizaram um espetáculo antidemocrático ao tentar ganhar no tapetão o que não conseguiram conquistar no voto. Primeiro entraram com pedido de liminar judicial na tentativa de evitar a sessão e, depois de realizada a votação, foram novamente à Justiça pedir a anulação. Os dois partidos haviam tentado estratégia semelhante no fim do ano passado, durante o trâmite do projeto de privatização da Sabesp na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Recorreram, inclusive, ao Supremo Tribunal Federal, alegando inconstitucionalidade, sem sucesso.

A sessão na Câmara Municipal não teve o mesmo grau de violência visto na Alesp no fim do ano passado, com dura repressão policial. Mas o desrespeito dos inconformados em relação ao mais básico preceito democrático – o respeito pelo resultado de uma votação – foi similar. Na Alesp, a oposição se retirou do plenário fazendo com que o projeto fosse aprovado por 61 votos a 1, com 31 ausências. Na Câmara, a recalcitrância foi embalada numa ação popular para anular a sessão, o que nem caberia mais, já que a sanção imediata do projeto o transformou em lei.

Mais do que um desrespeito ao processo legislativo, a atitude dos parlamentares do PT e do PSOL representa uma afronta à vontade do eleitorado. A privatização da Sabesp foi uma das principais bandeiras de campanha de Tarcísio de Freitas ao governo de São Paulo. Uma vez eleito, é possível inferir que a maioria dos eleitores endossou a proposta. O que, por óbvio, não torna a privatização um fato consumado, mas a aprovação no projeto na Assembleia, sim. Não há o que questionar em torno de projetos discutidos, avaliados e votados em plenário.

Mas os especialistas em confusão sabiam muito bem que invalidar judicialmente a decisão da Câmara poderia inviabilizar a própria privatização, já que a cidade de São Paulo responde por quase metade da receita da Sabesp. Que o Judiciário não se preste a esse papelão antidemocrático.

Rombo na previdência entra nas preocupações de Haddad

Valor Econômico

Ministro da Fazenda recomendou um roteiro importante, ainda que parcial, de mudanças que poderiam ser feitas na previdência

Com um tom enigmático, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, recomendou em post no X (ex-Twitter) um artigo de Bráulio Borges, economista da LCA e pesquisador associado da FGV-Ibre, publicado em 19 de abril, sobre as contas públicas. Não se sabe com o que Haddad concorda ou discorda no texto. Governistas à esquerda do ministro podem estar desconfiados de que ele flerta com nova reforma da Previdência, para a qual Borges dá alguns caminhos, muito deles parte do receituário corrente de vários especialistas sobre o assunto. Quem apoia Haddad talvez possa ver a recomendação como um endosso da política de buscar mais receitas para o Estado, que é a base do novo regime fiscal - e Borges defende enfaticamente que se recomponha o percentual de arrecadação em relação ao PIB que havia até 2007. Mas o economista, nos dois pontos, dá sugestões úteis para o futuro, mas que em geral são intragáveis para a ortodoxia petista.

Como ponto de partida, o artigo defende que o Estado reponha a receita perdida depois que a CPMF não foi prorrogada, em 2007. Pelos cálculos de Borges, houve uma redução da carga bruta federal de 1,9 ponto percentual entre 2008 e 2019, que teria revertido o aumento de 40% que incidiu no período de 1999 a 2004. O economista afirma que as compensações fiscais, decorrentes da tese do século, atualmente subtraem 0,9 ponto percentual do PIB, em um momento em que o governo estabeleceu limites para essas compensações.

Sobre o assunto fiscal, a concordância cessa aí. Para Borges, as novas metas fiscais estampadas no PLDO 2025 “não indicam esforço adicional de consolidação relevante” para atingir 1,5 ponto percentual do PIB de superávit primário, para ele cifra necessária para estabilizar a relação dívida/PIB. “Essa mudança relevante e prematura das metas fiscais denota um certo esgarçamento da estratégia de consolidação fiscal colocada em prática pelo atual governo”, escreve Borges, a quem atribui o mesmo tipo de equívoco, “com sinais trocados” do antigo teto de gastos - que só se ocupava das despesas.

Ao defender uma forma ótima de atacar os déficits fiscais, que combina receitas e despesas, Borges conduz seu pensamento diretamente a reformas na Previdência. Os números são eloquentes: 75% do aumento da despesa pública entre 1988 e 2016, ou 7 pontos percentuais do PIB, decorreu do Regime Geral da Previdência Social. “A previdência é a principal rubrica que deve ser atacada para restaurar o equilíbrio fiscal” - uma afirmação que soará indigesta para a maioria dos petistas.

Borges argumenta que a União já tem superávit fiscal há vários anos se os rombos da seguridade social forem excluídos. Um dos principais meios recomendados para estancar os déficits é desvincular aposentadorias, pensões e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo. O governo Lula retomou a fórmula de valorização real de governos petistas anteriores, acrescentando mais um peso às contas combalidas do sistema de aposentadoria.

Dois terços dos benefícios pagos têm como referência o salário mínimo. Cada real a mais do mínimo eleva os gastos da União em R$ 393 milhões. Borges defende o aumento real do salário mínimo, de acordo com a produtividade, para participantes ativos do mercado de trabalho. Para os aposentados, segundo ele, é importante garantir a manutenção do poder de compra ao longo do tempo, ou seja, reajustes pela inflação. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, começou a estudar o assunto (Valor, ontem).

Os mesmos reparos foram feitos quando Lula, em mandato anterior, estabeleceu essa política para o salário mínimo. Ele se recusou a realizar a desvinculação, que traz um problema real de sustentabilidade das contas do Regime Geral da Previdência Social, e não parece ter mudado de ideia. Tampouco deve ser entusiasmante para o governo e o PT a ideia de estabelecer valores de idade mínima de aposentadoria e tempo mínimo de contribuição que “acompanhassem de forma “automática” a evolução da expectativa de sobrevida da população, e não fossem fixos ao longo do tempo.

Outra sugestão importante é reduzir as renúncias de receitas embutidas no MEI (MicroEmpreendedor Individual) e no Simples, em especial o primeiro, muito deficitário. Borges não menciona, mas as contas só fechariam com isonomia entre os regimes dos trabalhadores privados, públicos e militares - os dois últimos regimes, com população muito menor de beneficiários, são altamente deficitários.

Leitor atento, o ministro da Fazenda recomendou um roteiro importante, ainda que parcial, de mudanças que poderiam ser feitas. Nessas questões, os principais obstáculos são políticos, e um dos maiores é a aversão do Partido dos Trabalhadores e do presidente a medidas que mexam na Previdência e em benesses do funcionalismo público. Não se sabe exatamente o que Haddad achou relevante no artigo, mas o cardápio é interessante.

Poderes se unem em socorro aos gaúchos

Correio Braziliense

Representantes do Executivo, dos Legislativo e do Judiciário uniram-se, em um esforço conjunto, em busca de soluções para sanar os danos causados pelos temporais que estão assolando o estado gaúcho

Até ontem, as chuvas torrenciais que atingem o Rio Grande do Sul, desde o último dia 29, afetaram quase 800 mil pessoas, e resultaram em 89 mortos e 111 desaparecidos. Em menos de um ano, essa é a segunda vez que o estado amarga perdas irreparáveis (vidas) sob os efeitos do aquecimento global, responsável por eventos climáticos extremos. Ontem, representantes do Executivo, dos Legislativo e do Judiciário uniram-se, em um esforço conjunto, em busca de soluções para sanar os danos causados pelos temporais que estão assolando o estado gaúcho.

No ano passado, um ciclone derrubou moradias, levou à morte dezenas de pessoas e causou graves danos materiais no estado. Segundo especialistas, desta vez, o El Niño, fenômeno natural, o terceiro mais forte registrado, entre 2023 e este ano, tem potencializado a elevação da temperatura, provocando os temporais Rio Grande do Sul e secas inéditas na Amazônia e no Pantanal Mato-grossense.

O climatologista Carlos Nobre, em entrevista a diversos veículos de comunicação, explica que o ciclone extratropical lança água mais quente dos oceanos dentro do continente, o que provoca temporais, como os que atingiram o Rio Grande do Sul em setembro do ano passado. "Agora é um pouco diferente. O fenômeno meteorológico é o bloqueio com baixa pressão e, no Centro-Oeste e Sudeste, a alta pressão com muito calor, que não forma nuvem nenhuma. O El Niño está ficando cada vez mais forte", afirmou Nobre.

Apesar da intensidade dos temporais, cada vez mais danosa, provocando perdas de vidas em escalas elevadas, ainda há quem não reconheça que o fenômeno decorre do aquecimento global. Há um negacionismo inexplicável ante uma realidade concreta e dramática. O planeta vem advertindo as nações que as atividade humanas, industriais e empresariais, à medida que rejeitam o uso de energias limpas, insistem nos combustíveis fósseis que interferem na temperatura da Terra, por meio das alterações climáticas, expansão das áreas de deserto, secas intensas por períodos mais longos, derretimento de geleiras.

Emissões de gases de efeito estufa, incêndios nas florestas, desmatamento e outras intervenções perturbadoras do equilíbrio dos ecossistemas e biomas, contribuem para o agravamento desses fenômenos do clima. Todos esses fatores derivam de atividades humanas. Apesar de todos os danos, governos, empresários e cidadãos comuns resistem às orientações dos especialistas — climatologistas, ambientalistas, físicos, biólogos, entre outros —, dedicados a encontrar meios de preservação da vida no planeta.

No cenário global, o Brasil tem relevante papel, pela sua diversidade de biomas, que guardam patrimônio ambiental invejável, diante de boa parte das nações. Mas há uma grande resistência dentro dos poderes executivos e legislativos federal, estadual e municipal em relação à necessidade de preservação dessa riqueza. As ações antrópicas nos biomas nacionais têm sido desastrosas, na Amazônia, no Centro-Oeste, no Sudeste, Nordeste e no Sul;

O Rio Grande do Sul, há alguns anos, flexibilizou o Código Ambiental, que alargou as brechas para intervenções comprometedoras do equilíbrio dos ecossistemas. Os danos desses desajustes são causas ou agravam os impactos dos fenômenos climáticos, na avaliação dos especialistas. A mesma advertência da natureza ocorre em outras regiões, por meio de episódios tão dolorosos à sociedade como vem ocorrendo com os gaúchos.

A enorme tragédia que ora se revela uma das maiores da história do Sul impõe uma revisão da relação entre a sociedade e o meio ambiente. É preciso que os poderes da República, bem como a sociedade, passem por reeducação e imponham limites rigorosos, para que haja uma reciprocidade entre a sociedade e o patrimônio natural. À medida que os brasileiros protegem suas riquezas ambientais, com base nas orientações dos especialistas, serão por elas protegidos.


 

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