sábado, 25 de maio de 2024

Pablo Ortellado - Como defender o Supremo?

O Globo

Às vezes, parece que o STF não entende quanto está desgastado

O Supremo Tribunal Federal (STF) foi a última barreira de contenção quando a democracia brasileira esteve sob ataque. Foram momentos excepcionais, e a instituição esteve à altura dos acontecimentos. Mas, narcisicamente encantada com seu papel histórico, ela tem se descuidado de tal maneira da própria reputação que será difícil defendê-la quando a contraofensiva vier. O último passo rumo ao acelerado suicídio da legitimidade institucional foi a decisão monocrática de Dias Toffoli declarando a nulidade absoluta de todos os atos praticados em desfavor de Marcelo Odebrecht.

Antes de tudo, preciso observar que alguns fundamentos da decisão são inquestionavelmente verdadeiros. A série de reportagens com base na troca de e-mails entre procuradores e o então juiz Sergio Moro (que ficou conhecida como Vaza-Jato) mostrou um conluio entre acusação e juiz que comprometeu o devido processo legal nos processos da Lava-Jato. Diálogos travados pelo Telegram que se tornaram públicos mostram orquestração de estratégias entre ambos para condenar os investigados, incluindo Marcelo Odebrecht. Essas conversas mostram também acertos entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol para obter provas de forma não oficial e o uso de medidas coercivas, como prisões preventivas, para forçar acordos de colaboração premiada.

Mas também preciso observar que os fatos descobertos pela Lava-Jato são igualmente verdadeiros, para além de qualquer dúvida. A Odebrecht (hoje Novonor) e outras empreiteiras formaram um cartel para fraudar licitações de grandes obras públicas, especialmente da Petrobras. Em troca dos contratos fraudulentos, pagaram propinas a políticos e agentes públicos. A Odebrecht chegou a criar um departamento específico, o Departamento de Operações Estruturadas, dedicado exclusivamente a administrar e pagar propinas. A partir da confissão de executivos das empresas e de documentos e planilhas descobertos nas investigações, temos bastante certeza de que tudo isso ocorreu. Sabemos também a dimensão que a coisa tomou, até no exterior. Estima-se que tenham sido desviados mais de R$ 10 bilhões (bilhões, com “b”).

Diante do comportamento obviamente impróprio dos procuradores e do juiz, mas também das evidências incontestáveis de um esquema de corrupção de proporções nunca vistas, o ministro do Supremo optou por desmontar pilar por pilar as punições, livrando as empreiteiras das obrigações financeiras e os executivos e políticos das punições? É essa a solução que o STF encontrou para o dilema? Não havia respostas intermediárias que preservassem a punição a corruptores e corrompidos, mas corrigissem os desvios de conduta de Moro, Dallagnol e companhia?

E, se o Supremo não encontrou solução intermediária, Toffoli precisava fazer valer a sua por meio de uma decisão monocrática, publicada digitalmente numa noite de terça-feira? Não seria mais adequado, dada a suma importância da matéria, fazer um longo debate presencial, no colegiado, ponderando prós e contras e explicando ao Brasil por que o maior escândalo de corrupção da História do país terminará impune?

Às vezes, parece que o Supremo não entende quanto está desgastado. Chegará o momento em que a Corte será cobrada por suas declarações parciais, por sua contaminação pelo jogo político e por suas inconsistências. Nós, defensores das liberdades constitucionais e do sistema de freios e contrapesos, teremos de sair em defesa dela, mas teremos pouco em que nos apoiar. Ainda dá tempo de o STF se corrigir e resgatar uma postura de sobriedade técnica, comedimento, equilíbrio, ponderação e circunspecção.

 

Um comentário:

  1. Brilhante! O atual presidente do STF é um falastrão, que fala muito quando não deve, mas quando deveria realmente se manifestar, prefere se calar, como vários dos seus colegas! O colunista foi muito preciso na sua análise! Parabéns ao autor, e ao blog por divulgar seu trabalho!

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