terça-feira, 7 de maio de 2024

Pedro Doria - Moderados?

O Globo

Caiado é um líder com relevância que representa o Centro-Oeste desde a Constituinte. Quem lhe dá relevância é a população de sua terra

Na semana passada, Joel Pinheiro da Fonseca fez uma provocação em sua coluna na Folha de S.Paulo. É possível existir um “bolsonarismo moderado”? Boa parte da repercussão se deu onde costuma ocorrer o debate público hoje: nas redes. Não é um debate sem editor, embora muitos considerem ingenuamente que, nas redes sociais, porque todo mundo publica, todo mundo pode vir a ser lido. Que nada. Há um editor, o algoritmo de inteligência artificial. O caso de como repercutiu a coluna de Joel dá boa mostra de como o algoritmo interfere na conversa que uma sociedade tem sobre o que é de seu interesse.

Mas, antes de tudo, porque também esta coluna pode repercutir nas redes, e porque quem bate boca nas redes mal passa do primeiro parágrafo: não, um bolsonarismo moderado não é possível por definição. É um oximoro, uma contradição em termos. Tendo escrito uma história do Integralismo e, por isso, tendo lido bem mais Plínio Salgado do que é saudável numa vida, dá para afirmar com tranquilidade. O Brasil ideal na cabeça de Jair Bolsonaro é rigorosamente o mesmo ideal de país do líder máximo do movimento fascista brasileiro dos anos 1930.

É só que, por trás do título provocativo de Joel, estava uma outra ideia. Ainda existe uma direita moderada no Brasil? Ou mesmo uma direita que não esteja radicalizada? Porque, se ela existir, hoje ela não tem escolha que não subir no palanque de Bolsonaro. Todo político de direita que se insurgiu contra o bolsonarismo perdeu seus votos. Isso faz com que essa não seja uma conversa fácil. Não tem como ser.

O sociólogo espanhol Manuel Castells chamou seu livro clássico, publicado em 2012, de “Redes de indignação e esperança”. Ele já percebia, ali, quanto a indignação — essa complexa mistura de emoção, valores e julgamento moral — marcava as redes sociais. Castells via nesse catalisador de indignações da sociedade a esperança de que, mobilizada, ela pudesse dar foco e levar à transformação. Aconteceu o contrário. Travou todo o diálogo.

Nós lidamos mal com indignação. Porque a ideia de indignação nos parece, sempre, por princípio justa. O indignado busca justiça perante o inaceitável. O que nunca fazemos é pensar na indignação enquanto performance. Não a indignação de quem vê algo que precisa ser urgentemente reparado, mas a indignação daquele que posa de herói para sua tribo.

Não é a primeira vez que será dito aqui, nem a última: as redes sociais premiam indignação. O que o algoritmo seleciona para levar ao maior público possível são mensagens indignadas. A conversa na praça pública passa por um editor controlado por um ente privado, e esse editor esconde quase tudo para fazer bombar apenas a indignação. O truque para viralizar nas redes é estar indignado. E é preciso estar indignado, a cada dia, com uma injustiça nova. Trata-se de uma indignação performática, não verdadeira.

Nenhum ser humano é capaz de se indignar com tanta coisa simultaneamente.

Poucas conversas são mais importantes, no Brasil de hoje, do que esta sobre como trazer a direita de volta ao centro. Pode-se olhar para um político como Ronaldo Caiado, governador de Goiás, e não gostar dele. Mas Caiado é um líder com relevância que representa o Centro-Oeste desde a Constituinte. Quem lhe dá relevância é a população de sua terra, que o reconhece como seu representante. O governador do ParanáRatinho Júnior, é bem mais jovem. Ainda assim, tem uma história à parte. Ambos sabem que, caso denunciem o radicalismo de Bolsonaro, perdem a eleição seguinte.

Se o critério para aceitar um político de direita é que denuncie o bolsonarismo em público, o resultado será um só: morrerão politicamente os que rejeitam o movimento e sobrarão só os radicais. Duro encarar a verdade, mas ela segue lá. De pé. Para um político de direita sobreviver, hoje, ele não pode fazer uma denúncia pública.

E essa é uma conversa impossível de ter nas redes sociais. O que o algoritmo selecionará, claro, são os indignados. A turma do “como ousa sugerir?”. A democracia está quebrada, e em todo o mundo, porque nos tornamos incapazes de ter conversas difíceis como adultos. Porque as conversas que temos nas redes contaminam tudo, inclusive o que escrevemos nos jornais e revistas, o que falamos no rádio, na TV, em podcasts.

O problema do bolsonarismo, porém, continua lá. Tem metade dos votos em nosso país. E pode voltar à Presidência.

 

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