sábado, 11 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Supremo restaura critério técnico nas estatais

O Globo

Apesar de condescendente com governo Lula, STF ajuda a manter qualificação do setor público

A Lei das Estatais está no centro de intensa discussão jurídica desde que o então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski concedeu, em março do ano passado, liminar para suspender artigos que estabeleciam requisitos — comuns na iniciativa privada — para nomeação à diretoria e participação em conselhos dessas empresas públicas. Por 8 votos a 3, o STF avalizou a constitucionalidade da lei e confirmou as exigências que, ao restringir a nomeação de políticos, preservam a administração técnica das estatais.

Numa solução de compromisso, a decisão incluiu a garantia de que os nomeados durante a vigência da liminar expedida por Lewandowski poderão permanecer no cargo, ainda que não atendam ao perfil determinado pela lei. Não é a melhor solução possível para a gestão durante o atual governo. Mesmo assim, a confirmação da constitucionalidade da lei representa um avanço na direção da desejada profissionalização do setor público.

A origem do processo foi uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) impetrada no início de 2023 pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), legenda aliada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que acabara de tomar posse. Havia a intenção evidente de facilitar as negociações políticas do novo governo, que tentava construir sua base parlamentar oferecendo em troca cargos nas estatais.

É uma barganha comum a cada troca de forças políticas no Executivo. A peculiaridade é que a aliança política que elegeu Lula venceu por margem estreita de votos, por isso precisava de ampla capacidade de negociação para montar sua base no Legislativo. Também interessava a Lula indicar quadros partidários petistas e lideranças de sua campanha para postos-chave no comando das principais estatais, como já fizera em suas gestões anteriores.

O compadrio e as indicações políticas estão entre os fatores críticos que no passado transformaram empresas públicas como a Petrobras em focos de corrupção. Depois da devassa promovida pela Operação Lava-Jato, o Congresso aprovou em 2016 a Lei das Estatais para estabelecer critérios minimamente razoáveis ao preencher cargos de alto escalão. Impôs, entre outras exigências, qualificações técnicas para todo dirigente de empresa pública.

A lei proíbe que diretores ou conselheiros sejam ministros, secretários estaduais, dirigentes políticos ou parlamentares. Também estabelece uma quarentena, vetando a indicação de quem tenha participado da cúpula de partidos políticos ou de campanha eleitoral nos últimos três anos. Exige que tenha formação acadêmica compatível com o posto e experiência de mais de dez anos, com pelo menos quatro anos em cargo de direção ou de chefia superior em empresa com atuação semelhante (se oriundo de estatal, que tenha ingressado por concurso). Nada muito diferente do que se exige de diretores e conselheiros em empresas privadas.

Eram esses os pontos que incomodavam Lula, que gostaria de poder indicar quem bem entendesse ao comando das estatais, em particular seus colegas de partido. Nesse ponto, contava com o apoio de políticos de todas as inclinações ideológicas, interessados em maior liberdade para ocupar espaços na máquina pública. Apesar de condescendente com as escolhas passadas de Lula, a decisão do Supremo restaura o critério mais razoável para o futuro.

Congresso precisa mudar de atitude e abandonar agenda antiambiental

O Globo

Parlamento foi ágil ao aprovar socorro ao Sul, mas conduz desmonte de leis que detêm as mudanças climáticas

A derrubada pelo Congresso do veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a itens da Lei dos Agrotóxicos é sintoma de que os parlamentares estão desconectados da realidade. Em mais uma ação para flexibilizar a legislação ambiental, deram ao Ministério da Agricultura competência exclusiva para registrar agrotóxicos, esvaziando Ibama e Anvisa.

Não existe momento mais inoportuno para afrouxar leis ambientais. A destruição sem precedentes no Rio Grande do Sul é um desses eventos climáticos extremos que tendem a se tornar cada vez mais frequentes e letais. Tais fenômenos aumentarão até 60% em algumas cidades do Sul nas próximas décadas, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A gravidade da situação exige mudança de mentalidade. Obras para prevenção de catástrofes e planos de contingência para salvar vidas são fundamentais, mas não bastam. Não é mais possível que o Congresso insista numa agenda antiambiental que não só ignora a emergência das mudanças climáticas, como abre caminho para agravá-las.

O Observatório do Clima relacionou ao menos 25 projetos de lei que batizou “Pacote da Destruição”. Em comum, o objetivo de enfraquecer a legislação ambiental, já duramente golpeada no governo Jair Bolsonaro. Vários são de autoria ou relatados por parlamentares gaúchos, que deveriam ser os primeiros a dar um basta ao descalabro.

É o caso do Projeto de Lei (PL) relatado por Lucas Redecker (PSDB-RS), e aprovado em março na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que põe em risco toda a vegetação não florestal do país, ao permitir que campos nativos sejam convertidos para atividades como agricultura, pastagens e mineração. Ou do PL apresentado pelo senador licenciado Luis Carlos Heinze (PP-RS), que inclui como utilidade pública obras de irrigação em áreas de proteção permanente, facilitando a derrubada de vegetação nativa e agravando a crise hídrica. Ou ainda do PL do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) que esvazia a taxa de fiscalização ambiental e enfraquece o Ibama.

Um dos projetos mais nocivos é de autoria do senador Jaime Bagattoli (PL-RO). Relatado pelo senador Marcio Bittar (União-AC), reduz de 80% para até 50% a reserva legal de áreas florestais na Amazônia, abrindo caminho ao desmatamento. Outro projeto, relatado pela senadora e ex-ministra Tereza Cristina (PP-MS), praticamente acaba com o licenciamento ambiental, ao torná-lo autodeclaratório ou dispensá-lo. Há ainda uma proposta, do senador Irajá (PSD-TO), para anistiar desmatadores ilegais.

É verdade que congressistas têm sido ágeis no socorro às vítimas da tragédia no Sul. Mas é preciso pensar à frente. Nos últimos meses, o Brasil tem convivido com secas, incêndios e tempestades arrasadoras. Deputados e senadores têm de assumir seu papel no combate ao aquecimento global. Não dá mais para aprovar projetos que agravam condições climáticas críticas. Os efeitos estão aí, à vista de todos. Cabe aos parlamentares mudar radicalmente de atitude. E à sociedade, cobrá-los.

STF perde credibilidade ao decidir sobre estatais

Folha de S. Paulo

Corte demora para atestar óbvia constitucionalidade de restrições a indicações políticas, mas mantém as feitas por Lula

O Supremo Tribunal Federal demorou pouco mais de um ano para enxergar o proverbial óbvio diante do nariz: que a Lei das Estatais não viola a Constituição.

Aprovada pelo Congresso em 2016, a norma surgiu como resposta aos prejuízos bilionários e escândalos de corrupção investigados durante anos pela Operação Lava Jato. Seu propósito foi o de erigir balizas moralizadoras dentro das empresas estatais, cujos cofres sempre despertaram a cobiça dos mais variados partidos.

Algumas das soluções apresentadas na lei são de tal simplicidade, e representam um avanço institucional tão evidente, que chega a ser difícil fugir à questão: por que essas exigências não existiam antes?

Tome-se o caso das nomeações políticas para a direção das estatais. Consta do diploma de 2016 que não podem ser nomeadas para o comando dessas companhias pessoas que tenham atuado, nos últimos três anos, como dirigentes de partidos ou na organização de campanhas eleitorais.

Outro exemplo está nos conselhos de administração dessas empresas, ambicionados não só pela influência que possam exercer mas também pelos generosos jetons que pagam. Pois a Lei das Estatais proíbe que ministros de Estado e secretários de estados e municípios participem desses assentos.

Logo se vê que não se trata de nenhuma revolução; estão reunidos na norma ditames de governança que apenas reforçam a vigilância sobre companhias controladas pelo Tesouro, a fim de dificultar, se não for possível impedir, que o aparelhamento estorve a tomada de decisões técnicas e qualificadas.

Seria impensável que, diante disso, o STF acedesse ao pleito do PC do B, que defendeu a inconstitucionalidade da lei. Ao demorar para dar sua resposta, contudo, o Supremo contemplou em larga medida o objetivo do aliado histórico do PT.

É que o debate constitucional em torno dessa questão não passou de reles meio; a verdadeira finalidade estava em abrir caminho para as nomeações políticas, tradicional moeda de troca entre os Poderes Executivo e Legislativo.

Graças a uma liminar assinada em março de 2023 por Ricardo Lewandowski, que hoje é ministro da Justiça, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pôde fazer suas indicações para as estatais, as quais o STF agora decidiu não revogar.

Ou seja, a mais alta corte do país manteve em vigor a Lei das Estatais, mas preservou a validade de nomeações feitas ao arrepio dessa mesma lei. É inevitável a sensação de que os ministros se alinharam aos interesses do governo Lula, num gesto que mina a já desgastada credibilidade do Supremo.

Obstáculos ao direito

Folha de S. Paulo

Cremesp e Prefeitura de SP incitam temor; cumpre facilitar acesso a aborto legal

O desrespeito das instituições brasileiras aos direitos reprodutivos das mulheres é vergonhoso. Não apenas a lei criminaliza o aborto, o que é um atraso civilizacional, como o país dificulta o procedimento nos casos autorizados —gravidez oriunda de estupro, risco de vida da gestante ou anencefalia fetal.

Em 3 de abril, resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu a assistolia, método recomendado pela Organização Mundial da Saúde que aumenta a segurança da interrupção da gravidez em gestações acima de 20 semanas.

A assistolia é mais usada quando a paciente foi estuprada; muitas são menores de idade, que descobrem a gravidez tardiamente, ou têm medo de denunciar o crime. Como era de esperar, a medida afetou o acesso ao serviço.

Em apenas dois dias, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia recebeu comunicados de ao menos quatro casos de mulheres e crianças com gestações avançadas resultantes de estupro em que os médicos estavam receosos de fazer o aborto devido à medida do CFM.

O Conselho Regional de Medicina de São Paulo abriu processos contra médicos que realizaram aborto legal em vítimas de estupro no Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, uma das unidades de referência no estado, até a Prefeitura da capital suspender o serviço em dezembro do ano passado.

Tanto o Cremesp quanto o CFM foram intimados a prestar esclarecimentos na CPI da Violência e Assédio Sexual Contra Mulheres, relacionada ao aborto legal, da Câmara Municipal de São Paulo.

Ademais, a Polícia Civil abriu inquérito para investigar possível acesso da Prefeitura paulistana a prontuários de mulheres que fizeram aborto no mesmo hospital, pois a prática violaria o sigilo médico e o direito das pacientes. A a gestão de Ricardo Nunes (MDB) precisa ser transparente sobre as motivações que teriam levado à solicitação dessas informações.

Em relação às autarquias, é inaceitável que órgãos que deveriam zelar pela saúde dos cidadãos contribuam, mesmo que indiretamente, para perseguir profissionais e dificultar o acesso de mulheres vítimas de violência sexual a um serviço médico garantido por lei.

A Constituição que vale e não vale ao mesmo tempo

O Estado de S. Paulo

STF não se constrange em conceber uma esdrúxula tese de ‘inconstitucionalidade temporária’ de um artigo da Lei das Estatais apenas para acomodar o interesse político de Lula

Afim de fazer política bem ao agrado do presidente Lula da Silva, o Supremo Tribunal Federal (STF) mostra-se disposto a cometer uma atrocidade jurídica sem precedentes na já trepidante história recente do Poder Judiciário.

Por 8 votos a 3, a Corte julgou que são constitucionais os dispositivos da Lei 13.303/2016, a chamada Lei das Estatais, que blindam a administração dessas empresas de qualquer ingerência indevida por meio da nomeação de políticos para cargos de direção. Contudo,

a maioria dos ministros sinalizou que não há razão para o Palácio do Planalto se preocupar. Malgrado o resultado do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) interposta pelo PCdoB, todas as nomeações feitas por Lula fora da lei – tal como o texto fora aprovado pelo Congresso em 2016 – serão mantidas, ainda que o STF tenha concluído que as vedações previstas na Lei das Estatais são, ora vejam, constitucionais.

Para chegar a essa construção esdrúxula, os ministros conceberam um artifício para lá de criativo, uma espécie de

“inconstitucionalidade temporária”, chamemos assim, do artigo 17, parágrafo 2.º, incisos I e II, da referida lei. O ministro Dias Toffoli articulou com seu colega Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, um voto que considera hígidas todas as nomeações para o comando das estatais feitas pelo presidente Lula durante a vigência da decisão liminar exarada pelo então ministro do STF Ricardo Lewandowski, em março de 2023. “Quem foi indicado e aprovado com base na liminar tem a continuidade garantida”, diz trecho do voto.

Como se sabe, Lewandowski atendeu ao pleito do PCdoB e suspendeu as vedações legais à presença de políticos e lideranças partidárias em cargos da alta administração das estatais, exatamente como queria Lula no início de seu terceiro mandato. À época, Lewandowski argumentou que aquele dispositivo citado, entre outras razões, fere de morte o princípio da isonomia consagrado pela Constituição.

Agora, transcorrido mais de um ano, o STF julgou que o mesmo dispositivo legal que foi considerado constitucional pela maioria dos ministros da Corte não valeu por um determinado período de tempo. Eis a tal “inconstitucionalidade temporária”, aberração que só um colegiado pouco cioso da grandeza do Supremo no arranjo institucional do País seria capaz de engendrar. Parece loucura, é forçoso dizer. E tudo isso para, aparentemente, não contrariar os interesses de ocasião do presidente da República, sem prejuízo, é claro, de outras motivações que ainda possam estar ao abrigo do escrutínio público.

Segundo Barroso, essa foi a única saída encontrada para evitar que a demissão dos dirigentes nomeados por Lula para as estatais causasse uma “instabilidade indesejável”, o que, no entender do presidente do STF, seria prejudicial à continuidade de políticas públicas em andamento. Ora, isso é um juízo totalmente político do ministro, e não jurídico. Que evidências, afinal, tem o sr. Barroso para sustentar sua afirmação? Ademais, o chefe do Poder Judiciário ainda faz pouco-caso do profissionalismo do corpo funcional de empresas como a Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e BNDES, entre outras. Afinal, se a mera troca de seus presidentes e diretores é capaz de causar “instabilidades”, é sinal de que todo o resto vai muito mal. Qualquer empresa minimamente organizada não vê suas atividades comprometidas a cada substituição de líderes.

Nem do ponto de vista jurídico há que se falar em estabilidade. A natureza de uma decisão liminar, como sabe qualquer calouro de Direito, é fundamentalmente precária, não tem o condão de inspirar segurança jurídica alguma.

Quando a mais alta instância do Judiciário se presta a uma exegese desse jaez para atender a interesses do governo de turno, o céu é o limite. Fica difícil para grande parte da sociedade entender por que, afinal, o STF se dispõe a comprometer sua própria imagem como Corte Constitucional nesse grau – a ponto de flertar com a desmoralização que todas as noites povoa o sonho dos inimigos da democracia.

Prevaleceu o bom senso

O Estado de S. Paulo

Governo, Congresso e setores empresariais beneficiados fazem acordo razoável para a reoneração gradual da folha; agora, é preciso trabalhar pela redução geral do custo do emprego no País

Após um longo embate, o governo anunciou um acordo para reonerar a folha de pagamento de 17 setores da economia de maneira gradual. Pela proposta anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a tributação continuará zerada neste ano e voltará a ser cobrada de maneira escalonada entre 2025 e 2028.

Duas vezes derrotado por um Congresso amplamente favorável à medida, o governo apelou ao Supremo Tribunal Federal (STF) para reequilibrar o jogo na marra. Pela liminar concedida pelo STF, as empresas teriam de recolher a contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha já no dia 20 deste mês, fator que obrigou os setores a sentar à mesa de negociação com o Executivo.

Se o acordo ficou longe do ideal para as empresas, o governo também teve de ceder na busca de um meio-termo. Haddad queria dar fim imediato à desoneração, mas aceitou adiá-la até o início de 2025, quando a cobrança será restabelecida de maneira escalonada – 5% no ano que vem, 10% em 2026, 15% em 2027 e 20% em 2028.

A Fazenda ainda terá de encontrar maneiras de compensar uma renúncia de R$ 20 bilhões neste ano, bem como desenhar uma solução para os pequenos municípios, também incluídos no benefício. O governo, no entanto, tem consciência de que sua vitória parcial tem prazo de validade curto, e o próprio ministro Haddad reconheceu que o modelo atual de tributação da folha está ultrapassado.

Reportagem publicada pelo Estadão expôs o tamanho desse anacronismo. Segundo José Pastore, professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), os encargos trabalhistas custeados pelas empresas superam os salários pagos por elas a seus funcionários. Representam nada menos que 103,7% das remunerações.

Pastore já havia apontado essas distorções há 30 anos, em artigo publicado pelo Jornal da Tarde em 9 de fevereiro de 1994. O texto alertava que os encargos sociais eram uma das causas do aumento do desemprego – além, é claro, dos efeitos da recessão que assolou o País durante a década de 1980. Nem mesmo os países europeus, conhecidos pela política de bem-estar social, tinham encargos tão elevados quanto os cobrados no Brasil.

Décadas atrás, para evitar aumentar custos fixos num cenário de incertezas, as empresas preferiam pagar horas extras aos funcionários a contratar novos trabalhadores. Hoje, o problema explica parte do fenômeno da ascensão do empreendedorismo – que, em muitos casos, não tem qualquer relação com a abertura de novos negócios.

É evidente que há brasileiros que querem de fato empreender, mas é inegável que muitos se tornam pessoas jurídicas (PJs) ou microempreendedores individuais (MEIs) apenas para sobreviver num mercado de trabalho dominado por baixos salários e informalidade. Na falta de uma solução estrutural, recorre-se a puxadinhos, como a pejotização, os MEIs e a desoneração da folha de pagamento.

É fato que a medida foi prorrogada sucessivas vezes pelo Legislativo, mas a gênese dessa política remete ao ano de 2011 e ao governo Dilma Rousseff, que pretendia estimular setores em dificuldades atrelando o benefício à manutenção de empregos. Como se diz em Brasília, nada mais permanente que um programa temporário de governo.

É essencial que o governo assuma a responsabilidade de construir um novo sistema que valha indistintamente para todos os brasileiros e setores econômicos – e é fundamental que ele desonere a folha para todos os setores, o que ampliará a formalização do mercado de trabalho, melhorando a base de arrecadação da Previdência. A inação e a falta de liderança do Executivo são um estímulo ao ativismo de um Congresso sensível às dificuldades do setor privado.

Não se trata mais de uma questão meramente trabalhista. Projeções sobre a Previdência mostram não haver alternativa que não seja a revisão de políticas que comprometem sua sustentabilidade. Será preciso enfrentá-las, por mais impopulares que essas pautas sejam, a não ser que o governo prefira assistir de camarote ao colapso do sistema de proteção social.

Paraguai 2 x 0 Brasil

O Estado de S. Paulo

Acordo sobre tarifa de Itaipu penaliza consumidor brasileiro, mas beneficia governos

O acordo selado entre Brasil e Paraguai sobre a tarifa de energia elétrica de Itaipu Binacional desafia a lógica. Ao invés de cair 30%, como seria o correto diante da quitação integral do financiamento para a construção da usina, o valor subirá 35%. Permanecerá no mesmo patamar até o fim de 2026, não por acaso o último ano do governo Lula da Silva, que prevê queda a partir daí, empurrando o problema para a próxima gestão federal.

A correlação de forças entre os dois parceiros é, no mínimo, curiosa. Pelo Tratado de Itaipu, firmado em 1973, Brasil e Paraguai dividem meio a meio o controle da usina, os custos financeiros e operacionais e a energia produzida. Uma equivalência mais teórica do que prática, já que o Brasil pagou mais pela obra e compra de volta do Paraguai a energia que o parceiro não utiliza.

Itaipu não foi idealizada para dar lucro, mas para prover de energia barata os dois países. A dívida de US$ 13 bilhões da obra, com financiamento de 50 anos, foi integralmente quitada em 2023, eliminando o principal componente do custo, o que levaria à redução automática da tarifa. Com o aumento acordado entre os parceiros, o Brasil perde duas vezes: em vez de reduzir a tarifa, incorpora um custo que não existe mais e ainda arca com um aumento desnecessário.

Para evitar o vexame de ter de explicar ao consumidor o aumento, justamente num momento em que anuncia aos quatro ventos estar em busca de fórmulas para baratear a conta de luz, o governo Lula da Silva inventou um “cashback” que nada mais é do que um subsídio brasileiro para o aumento paraguaio. O Brasil vai renunciar à receita de US$ 900 milhões prevista para os três anos de vigência do aumento para neutralizar nacionalmente o reajuste.

O interesse do governo brasileiro em financiar benesses para o lado paraguaio é um mistério. O fato é que Itaipu funciona para os dois governos como um orçamento paralelo de gastos socioeconômicos e ambientais. Para a economia paraguaia o ganho é infinitamente maior, pois abastece integralmente o país usando somente 17% da energia que lhe cabe, e pode vender o excedente de volta ao Brasil (agora com o aumento que o governo Lula da Silva aceitou).

Mas o governo brasileiro não fica atrás no uso indiscriminado da receita de Itaipu. Inicialmente os programas socioambientais ficavam restritos à área de influência da usina, no oeste do Paraná. Mas já que a hidrelétrica tem status jurídico próprio, que não a submete à Lei das Estatais nem à fiscalização de órgãos de controle, o governo Lula da Silva decidiu inovar e usar a usina no patrocínio de gastos sem distinção.

Logo após o acordo fechado pelo Paraguai, foi anunciado que Itaipu bancará R$ 1,3 bilhão em obras de infraestrutura em Belém (PA), a 3.352 quilômetros de distância, para preparar a cidade para a Conferência do Clima (COP-30). Seria prudente que o Congresso, que terá de aprovar o acordo entre Brasil e Paraguai, cobrasse a revisão do tratado de Itaipu que, ao menos, dotasse da transparência necessária o uso dos recursos da usina.

Responsabilidade e segurança ambiental

Correio Braziliense

A necessidade de adaptação às mudanças tecnológicas da estrutura produtiva e seu impacto nas relações de trabalho leva à subestimação do efeito dessas mudanças na relação com a natureza

É ponto pacífico na ciência o entendimento de Charles Darwin de que o meio ambiente atua como um selecionador das características evolutivas, ou seja, possibilita aos seres mais aptos sobreviver em determinadas condições. Os organismos menos adaptados apresentam menor chance de sobrevivência e, consequentemente, de reprodução.

Os seres humanos distinguem-se por terem maior e mais flexível capacidade de adaptação. Os avanços tecnológicos e as novas formas de pensar e agir na sociedade, que passa por transformações radicais e aceleradas, exigem o aperfeiçoamento dessa nossa capacidade de adaptação. 

Como muitas pessoas têm dificuldades de conviver com as mudanças e medo de experimentar o novo, o debate sobre a adaptação está focado no desenvolvimento de habilidades para transitar à nova economia e suas tecnologias. Entretanto, a necessidade de adaptação às mudanças tecnológicas da estrutura produtiva e seu impacto nas relações de trabalho leva à subestimação do efeito dessas mudanças na relação com a natureza.

A catástrofe ambiental no Rio Grande Sul exige que essa questão da adaptabilidade volte ao leito de origem, ou seja, as novas situações, circunstâncias e necessidades decorrentes da relação dos seres humanos com o planeta. As mudanças climáticas são provocadas pela ação humana, em especial a emissão de gases do efeito estufa, liberados com a queima de combustíveis fósseis. As chuvas torrenciais no Rio Grande do Sul são uma de suas consequências.

Cientistas do ClimaMeter, liderado por pesquisadores do centro especializado em ciências climáticas da Universidade Paris-Saclay, financiados pela União Europeia e pela Agência Francesa de Investigação (CNRS), em março passado, advertiram que as ondas de calor estão 1ºC mais quentes. O grupo examinou os dados meteorológicos dos últimos 40 anos, comparando padrões climáticos semelhantes no fim do século 20 (de 1979 a 2001) com os observados nas décadas mais recentes (de 2002 a 2023), quando as mudanças climáticas se intensificaram.

Descobriu-se que as depressões atmosféricas, regiões com sistemas de baixa pressão atmosférica, como a que provocou as chuvas que afetaram o Rio Grande do Sul, agora são cerca de 15% mais intensas. O El Niño, que influenciou fortemente o clima nos dois últimos anos e aumenta a precipitação no Sul do Brasil, segundo os cientistas, não é suficiente para explicar a intensidade das chuvas deste ano.

A Defesa Civil gaúcha contabilizou 116 pessoas mortas por causa dos temporais; há 756 feridos e 143 desaparecidos. Dos 497 municípios gaúchos, 437 foram atingidos pelas chuvas. Cerca de 1,9 milhão de pessoas foram afetadas, principalmente nas comunidades mais vulneráveis. A infraestrutura existente para lidar com precipitações extremas e inundações mostrou-se insuficiente neste evento, resultando no deslocamento de milhares de famílias, especialmente aquelas com menor status socioeconômico.:00/00:00correiobrazilienseTruvid

Há duas maneiras de encarar a mudança climática: o "darwinismo social", segundo o qual os mais adaptados sobreviverão, mesmo que tenham que se mudar para outro planeta, ou mitigar as mudanças climáticas em escalas regional e global, para proteger vidas humanas e limitar a frequência e intensidade de eventos extremos.

Isso exige uma redução imediata das emissões de combustíveis fósseis e medidas proativas para proteger áreas vulneráveis de padrões de precipitação cada vez mais erráticos, bem como aumentar a capacidade de socorrer suas vítimas. Ou seja, discutir em termos globais e agir localmente, o que coloca a responsabilidade e a segurança ambiental no centro do debate nas eleições  municipais deste ano, sobretudo naquelas cidades onde desastres naturais são recorrentes.

 

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