O Globo
A troca de cadeiras não poderia ser mais
auspiciosa para os aliados de Bolsonaro. Xandão deixa não só a presidência do
TSE, como o próprio colegiado
A direita celebra o que considera uma mudança
do vento na disputa de narrativas que trava com o ministro Alexandre de Moraes
em duas frentes: na Justiça Eleitoral, onde Jair Bolsonaro foi cassado e outros
bolsonaristas enfrentam processos, e no Supremo Tribunal Federal (STF), onde se
desenrolam os muitos inquéritos que podem levar a condenações do ex-presidente
também na seara criminal.
A avaliação — fruto de gestos captados entre ministros das duas Cortes superiores e de pesquisas de opinião— é que Moraes perdeu parte do apoio que angariou na sociedade graças às investidas dos golpistas de Bolsonaro contra as eleições e seu resultado e, sobretudo, depois do 8 de Janeiro.
Num de seus sermões mais célebres, ao tratar
da eficiência da confissão para sanar os pecados, o padre Antônio Vieira faz
uma analogia com a medicação dos enfermos e acaba produzindo uma filosofia de
aplicação ainda mais ampla: “Grande mal é não sarar com os remédios; mas
adoecer dos remédios ainda é mal maior. E, quando se adoece dos remédios, que
remédio? O remédio é curar-se um homem dos remédios, assim como se cura das
enfermidades”.
Os bolsonaristas têm sido eficazes ao, em
diferentes meios, difundir a versão segundo a qual Moraes, investido da
autoridade de ministrar os remédios para curar a democracia, exagera na dose e
coloca o paciente em risco.
A vitimização de Bolsonaro, em manifestações
na Avenida Paulista e em Copacabana ou em jogadas como a entrada em cena do
bufão Elon Musk, trombeteando a abolição das liberdades do Brasil por meio de
sua rede social, acabou atraindo Moraes e o Supremo para uma briga de rua em
que só quem tinha a perder é quem tem alguma responsabilidade —e não era Musk.
A gritaria foi deflagrada, não por acaso,
justamente quando Moraes preparava, com calma, o desfecho da maioria dos
inquéritos que comprometem com provas robustas Bolsonaro numa trama para
suprimir a democracia, que só não avançou porque alguns (não todos) os
convocados por ele para o golpe não aceitaram embarcar.
Também foi favorecida pelo calendário: em um
mês, Xandão, como o ministro passou até a se autorreferir em tom de
brincadeira, mas num sinal inequívoco da hipertrofia de poderes que passou a
desfrutar, deixa não só a presidência do TSE, como o próprio colegiado.
A troca de cadeiras não poderia ser mais
auspiciosa para os aliados de Bolsonaro. Seu assento será assumido por André
Mendonça. Cármen Lúcia assume a presidência do TSE agora, mas em 2026 quem
estará no comando da Corte nas eleições gerais será Kassio Nunes Marques.
E se os remédios amargos e com altos efeitos
colaterais prescritos a rodo por Moraes em resoluções e noutras decisões do TSE
forem usados também por seus sucessores na cadeira, mas com sinal trocado?—
questionam aliados do ex-presidente. Isso poderia levar à exclusão em massa de
influenciadores de esquerda das redes sociais e a processos de cassação e
inelegibilidade de parlamentares de partidos aliados a Lula.
Não que esses bolsonaristas acreditem que a
dança das cadeiras do TSE possa reverter a inelegibilidade de Bolsonaro. Os
recursos serão julgados pelo Supremo, e, lá, a correlação de forças não mudará
a tempo de beneficiar o ex-presidente.
Mas a pressão toda tem por objetivo fazer a
Corte recuar da disposição, até aqui majoritária, de manter indefinidamente a
carta branca para Moraes conduzir os inquéritos contra Bolsonaro e, sobretudo,
a tendência a condená-lo nas múltiplas ações em que tende a virar réu.
Até aqui, nada leva a crer que haverá êxito
na estratégia, mas o próprio ministro parece ter percebido o ataque em
múltiplas frentes e promover um “desmame” de alguns remédios tarja preta.
Resolveu ser ele mesmo a modular a medicação para não perder o paciente que
ajudou a salvar.
Muito bom! Os julgamentos de Jair Bolsonaro estão demorando muito a sair. Enquanto isto, o canalha se vitimiza, depois da sua criminosa condução da pandemia e da tentativa de golpe, além de tantos outros CRIMES de menor violência (como corrupções e apropriações de patrimônio público).
ResponderExcluirNivelar bolsonaristas e lulistas é um erro crasso,enquanto os segundos cometem erros humanos,os primeiros fazem coisas sub-humanas.
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