quinta-feira, 6 de junho de 2024

Assis Moreira - Eleição na Europa e mais protecionismo

Valor Econômico

Pesquisas de opinião apontam que partidos de direita mais dura poderiam conseguir até um quarto dos 720 assentos do Parlamento Europeu

A eleição para o Parlamento Europeu nos 27 países do bloco comunitário ocorre desta quinta-feira (6) até domingo (9). Pesquisas de opinião apontam que partidos de direita mais dura poderiam conseguir até um quarto dos 720 assentos do Parlamento, portanto mais numerosos e mais potentes.

Isso significaria pressões maiores por endurecimento de regulações de imigração, por preferência comercial nacional reforçada e também hostilidade a reformas na área ambiental, por exemplo.

A prudência recomenda esperar o resultado das urnas. Mas, pelo tom das campanhas na Europa, parece claro que, com mais ou menos direita, o agronegócio brasileiro não terá a vida facilitada nesse que é um de seus principais mercados compradores. O risco é de aumento do protecionismo, e não de menos barreiras, na Europa.

De um lado, o Acordo Verde (Green Deal) pode até mudar um pouco, também pela pressão esperada da direita em geral, mas vai ser difícil a Europa desmontar toda sua agenda ambiental, que é amplamente defendida por partidos de centro-esquerda, da sociedade civil, da mídia. Além disso, a direita não atuou junta até agora no Parlamento Europeu.

De outro, o “protecionismo verde”, para proteger os agricultores europeus, tem espaço aberto e é reivindicado com ênfase, na esteira das contestações de rua de produtores. Também prosperam argumentos de que a Europa precisa ser “menos ingênua” em meio a guerras de subsídios e conflitos comerciais que minam cada vez mais as regras comerciais globais.

Em vários países é difícil dizer qual partido, de esquerda ou direita, é o campeão na demanda de aplicação de “cláusulas espelho” pela UE. As “cláusulas espelho” visam impor a obrigação para produtos importados de fora da UE, para ter acesso ao mercado comunitário, cumprirem com as mesmas exigências feitas aos produtores europeus em termos de processo produtivo, independentemente das suas diferentes realidades produtivas e capacidades. Esse mecanismo é mencionado por alguns produtores europeus para frear concorrência de importações vindas do Mercosul.

Uma questão é se o novo Parlamento Europeu vai agir rapidamente na área ambiental. Por exemplo, numa revisão da lei antidesmatamento, que visa interditar acesso ao mercado comunitário de sete commodities - soja, carne bovina, café, madeira, óleo de palma, borracha e cacau, além de alguns de seus produtos derivados como couro, chocolate, pneus ou móveis - produzidas em zonas desmatadas após o final de 2020.

Essa legislação é uma das preocupações brasileiras, porque afeta 34% das exportações brasileiras para os 27 países do bloco europeu, representando embarques de US$ 17,5 bilhões em 2022, pelos dados do Ministério da Indústria e Comércio (Mdic).

Oficialmente, essa lei deve começar a ser implementada em 30 de dezembro deste ano. Mas as pressões continuam de todos os lados para a UE flexibilizá-la, até porque o bloco não está pronto tecnicamente. A própria UE reconheceria que seu sistema de satélite Copérnico, apresentado como o programa de observação da Terra mais ambicioso da história e desenhado para proporcionar informação precisa, ainda assim apontaria em certos casos desmatamento onde isso não existe.

Nos meios europeus, uma especulação é de que a Comissão Europeia levaria uma flexibilização na lei antidesmatamento ao novo Parlamento Europeu em regime de urgência já em julho. Como já publicamos nesta coluna, isso incluiria retardar o controle mais estrito das importações dessas commodities, mudando o plano sobre classificação de países ou regiões em função do risco de desmatamento. Mas o plano de alguns europeus e outros parceiros desenvolvidos é de eles, sobretudo, se beneficiarem.

No momento da montagem do novo Parlamento, com formação de comissões e outras escolhas, será difícil esperar os parlamentares com espaço para lidar rapidamente com revisão de uma lei antidesmatamento que nem sequer foi implementada ainda. O foco inicialmente pode ser em tema como imigração, preponderante no interesse de votar de bom número de europeus.

Indagado sobre o impacto de nova configuração no Parlamento Europeu e na Comissão Europeia sobre a relação bilateral, o embaixador brasileiro junto à Comissão Europeia, Pedro Miguel da Costa e Silva, respondeu: “Há muita especulação sobre a composição e a agenda do novo Parlamento Europeu. É preciso ver os resultados das eleições, ver como as grandes famílias políticas se organizam e ver o que realmente vai mudar nas relações com países como o Brasil. Num primeiro momento, o foco será interno e de organização da casa. Só depois é que os parlamentares terão tempo de pensar no resto do mundo. Vamos trabalhar com os novos parlamentares pelo aumento do diálogo bilateral, pelo aprofundamento da parceria estratégica, pelo acordo de associação e por uma melhor compreensão da realidade brasileira”.

Sobre os desafios que a negociação final do acordo Mercosul-UE terá, numa nova paisagem política em Bruxelas, o embaixador respondeu: “O principal desafio é fazer com que as pessoas entendam o acordo e o que ele realmente significa para as relações entre os dois blocos. Muitos dos que criticam as negociações não têm a menor ideia do seu conteúdo. Opinam a partir de chavões e de preconceitos”.

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