sexta-feira, 28 de junho de 2024

Bernardo Mello Franco – Tempestade no Altiplano

O Globo

País andino não é o único a conviver com tentativas de tutela militar sobre o poder civil

A ação se deu à luz do dia, com transmissão ao vivo na TV. Tanques do Exército cercaram a Praça Murillo, sede do poder político na Bolívia. Um blindado avançou contra o palácio presidencial e arrombou o portão, abrindo caminho para a invasão fardada.

A quartelada de quarta-feira deixou o governo de Luis Arce por um fio. Após horas de tensão, o general Juan José Zúñiga foi preso, e a tentativa de golpe foi derrotada. Mas o episódio expôs os fantasmas que ainda rondam a democracia na América Latina.

No início da semana, Zúñiga disse estar “atento aos maus bolivianos” e ameaçou prender o ex-presidente Evo Morales para impedi-lo de voltar ao poder pelo voto. “Somos o braço armado do povo”, justificou.

Destituído, o general organizou um levante para emparedar Arce. Após ocupar o palácio, sentiu-se à vontade para anunciar mudanças no governo. Não contava com a resistência do presidente, que rejeitou o ultimato, nomeou novos chefes militares e conseguiu sufocar o motim.

A Bolívia tem um longo histórico de golpes, mas não é o único país da região a conviver com a tutela militar sobre o poder civil. Desde o tuíte do general Villas Bôas, em 2018, o Brasil assiste à volta do protagonismo político dos quartéis. O fenômeno resultou na ascensão de Jair Bolsonaro e no 8 de janeiro, que tentou reverter a derrota do capitão nas urnas.

A falta de apoio internacional contribuiu para o fracasso das duas intentonas. Enquanto Zúñiga punha seu plano em marcha, líderes sul-americanos deixaram claro que rechaçariam uma quebra da legalidade. Isso não ocorreu em 2019, quando o Brasil celebrou a derrubada de Morales e foi o primeiro país a reconhecer Jeanine Añez, que se autoproclamou presidente interina.

Na quarta, os deputados bolsonaristas Bia Kicis e Ricardo Salles chegaram a celebrar a nova quartelada em La Paz. Desta vez, os golpistas bolivianos não tiveram sorte. Ontem o país anunciou a prisão de mais 17 participantes da insurreição, incluindo militares da ativa.

 

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