Valor Econômico
Na mesma semana que Lula critica renúncias fiscais, governo apoia prorrogação de incentivos por mais cinquenta anos
Na quarta (18/06), em entrevista à rádio CBN,
o presidente Lula se declarou “perplexo” diante do volume de renúncias fiscais
no Brasil, que passaria da casa dos R$ 546 bilhões, e anunciou seu compromisso
de rever esses benefícios, para que o ajuste das contas públicas não seja
aplicado somente sobre os pobres.
Nem bem a fala de Lula deixou de ecoar, a Câmara dos Deputados aprovou, com o apoio do PT e demais partidos da base do governo, o PL nº 13/2020 que amplia e estende renúncias fiscais para os setores de semicondutores e de tecnologia da informação até o ano de 2073, mesmo prazo de vigência da Zona Franca de Manaus.
Segundo estimativas da Receita Federal, a
soma dos benefícios concedidos pela Lei de Informática e pelo Programa de Apoio
ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis) gira em
torno de R$ 8 bilhões anuais.
Na mesma semana em que a produtora de chips
Nvidia ultrapassou a Microsoft e a Apple e se tornou a empresa mais valiosa do
mundo, a princípio parece razoável o Estado brasileiro conceder incentivos para
o desenvolvimento de empresas ligados aos setores mais dinâmicos da economia
mundial.
Esse movimento, aliás, vem sendo feito pelos
países mais avançados do mundo, principalmente após a crise de semicondutores
ocorrida durante a pandemia e diante do progresso avassalador da utilização da
inteligência artificial. Os governos dos Estados Unidos, China, União Europeia,
Coreia do Sul, Japão e Índia anunciaram nos últimos dois anos centenas de
bilhões de dólares em incentivos para a promoção de uma indústria local que
produza semicondutores, chips e memórias.
Após a aprovação do PL que estende os
benefícios para a indústria de semicondutores no Brasil, o secretário de
Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do Ministério do
Desenvolvimento, Uallace Moreira, comemorou nas redes sociais: “Esse projeto
vai alavancar os investimentos do setor de semicondutores no Brasil”, anunciou
triunfante.
Com mestrado e doutorado pela Unicamp,
Moreira tem fértil pesquisa na área de política industrial, inclusive com uma
carreira internacional em entidades como BID, Cepal e Korean Institute for
Economic Policy. Nas suas publicações, fica evidente a crença na estratégia de
países em desenvolvimento superarem a armadilha da renda média por meio de
saltos tecnológicos em setores dinâmicos, como o de tecnologia.
A experiência brasileira com a promoção da
indústria de semicondutores, porém, mostra que esse processo é muito mais
difícil do que se imagina.
Lançado em janeiro de 2007, o Padis concede
uma série de isenções de tributos para a aquisição de insumos e bens de
capital, inclusive importados, destinados à produção de chips e memórias no
país, além de zerar a cobrança de Pis/Cofins, IPI e imposto de renda e
contribuição sobre o lucro dessas empresas. Como contrapartida, os
beneficiários devem investir pelo menos 5% de seu faturamento em P&D.
Passados dezessete anos, as empresas
beneficiadas pelo programa deixaram de recolher mais de R$ 4,7 bilhões em
tributos para os cofres públicos, com uma renúncia da ordem de R$ 360 milhões
ao ano atualmente.
É difícil estimar qual o retorno do
investimento estatal nessa iniciativa. O último relatório trienal que o
Ministério do Desenvolvimento publicou sobre o programa, relativo a 2021, tem
parcas cinco páginas, sendo que trechos inteiros são mera cópia das edições
anteriores, de 2015 e 2018.
Por ele sabe-se que há quatro empresas
produzindo chips ou memórias no país (Smart, Unitec, HT Micron e a estatal
Ceitec), em diferentes estágios de desenvolvimento, com um investimento em
pesquisa e desenvolvimento de R$ 90,2 milhões em 2019 como contrapartida para a
renúncia fiscal.
Tampouco o Tribunal de Contas da União, o
Ipea ou mesmo a academia se debruçaram seriamente sobre o programa. Num dos
raros estudos sobre o Padis, Flávia Filippin, em sua premiada dissertação de
mestrado na Unicamp, entrevistou executivos de empresas de semicondutores que
afirmam que dificilmente as empresas produziriam no país sem os benefícios do
programa. Ainda assim, um relatório de técnicos do BNDES (Rivera et al., 2015)
classifica o setor como em estágio embrionário e dependente de incentivos.
Não há, porém, nenhuma avaliação séria sobre
o retorno que o programa traz para a sociedade, a efetividade dos investimentos
feitos em contrapartida ou os erros e acertos do programa.
Mesmo sem essas avaliações, o secretário
Uallace Moreira, num artigo que escreveu antes de entrar para o governo na
coletânea Bidenomics nos Trópicos, defendia o apoio do BNDES, o uso de compras
públicas para criar demanda local e mais incentivos tributários como o Padis
para impulsionar a produção de semicondutores no Brasil.
E assim, sem estudos técnicos prévios ou
debates junto à sociedade, o governo patrocina, em parceria com o Congresso, a
renovação de renúncias fiscais bilionárias, com benefício social de valor
desconhecido, com previsão de durarem por mais cinco décadas.
É realmente para se ficar perplexo.
Perfeito.
ResponderExcluirMarcos Lisboa assinaria abaixo.
Pois é.
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