quinta-feira, 27 de junho de 2024

Cora Rónai - A dialética do caos

O Globo

Soprar as chamas de uma situação já tensa com uma ameaça de guerra civil, como Macron está fazendo, realmente não é coisa de adulto responsável

É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que fica impossível prestar atenção a tudo. A França, por exemplo. A jogada de Macron, que até pareceu ousada num primeiro momento, agora parece inconsequência pura e simples. Adultos responsáveis não fazem apostas loucas quando estão no governo porque, ora, são adultos responsáveis, e vida de adulto responsável é mais Angela Merkel do que James Dean, mais trilha do que escalada, mais quarteto de cordas do que rock’n’roll.

Os eleitores do país votaram em massa na extrema direita para o Parlamento Europeu. O que faz um adulto responsável? Qualquer coisa, menos dissolver a Assembleia, convocar novas eleições e pagar para ver: “É direita mesmo que vocês querem?”

Sim, inteligência rara, é direita mesmo que eles querem, eles acabam de votar dizendo isso.

A França é muito mais do que os bairros instagramáveis de Paris. Boa parte dos eleitores se sente traída pela globalização e pelas políticas econômicas que favorecem as grandes cidades e as elites urbanas. Assim como os eleitores de Trump nos Estados Unidos, os eleitores franceses também estão preocupados com o desemprego e com a desindustrialização, e entendem que o governo — o “sistema” — está pouco se lixando para os trabalhadores.

Eles se ressentem da atitude de arrogante superioridade de um mundo que se supõe mais sofisticado e os trata com condescendência.

Há também — e talvez sobretudo — a questão da imigração, que põe em xeque a própria identidade francesa, ou aquilo que parte dos franceses entende como identidade nacional.

Aliás, a guinada à direita, não só da França mas de toda a Europa, tem a ver, essencialmente, com a imigração, e com a percepção de que os imigrantes, em sua maioria africanos e muçulmanos, estão vivendo às custas dos europeus, conquistando os seus empregos, subvertendo o seu modo de vida e acabando com a sua paz.

Entra tudo no mesmo caldo: fato, fake, emoção, racismo, xenofobia, violência.

Agora imaginem o inferno astral do eleitor razoável, imprensado entre a extrema esquerda de Mélenchon (nojenta) e a extrema direita de Le Pen (asquerosa), a três dias das eleições, a uma semana das férias, no meio de uma onda de calor jamais vista, com as Olimpíadas ali na esquina e todos os transtornos decorrentes — multidões de turistas, preços na estratosfera, segurança redobrada, cidade lotada, o medo constante de atentados.

Para piorar, dando entrevista a um podcast no começo da semana, Macron alertou para o risco de guerra civil caso os extremistas se saiam bem. Guerra civil, só isso. É a dialética do caos para se garantir no poder — se está ruim agora, imagine depois, com eles.

Soprar as chamas de uma situação já tensa com uma ameaça de guerra civil realmente não é coisa de adulto responsável.

A França está por aqui com Macron.

Eu entendo a França.

O que eu não entendo é uma Olimpíada em Paris. Uma Olimpíada em tese é para chamar a atenção do mundo, para atrair turistas que nunca pensaram naquele destino: cidades com potencial, que podem lucrar com a visibilidade e com massas de gente. A Seul de 1988, por exemplo; Sydney, que fica longe para todo mundo; Atlanta. Mas Paris? Para a próxima sugiro Veneza.

 

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