terça-feira, 11 de junho de 2024

Eliane Cantanhêde - Quem planta colhe

O Estado de S. Paulo

Governo e entidades discordam da necessidade da medida, uso de marca do governo gera debate político e três empresas que ganharam o leilão não são do ramo

Nem tudo o que começa errado vai errado até o fim, mas essa história de importar arroz para compensar as perdas no Rio Grande do Sul, que é o maior produtor, responsável por 70% do abastecimento do País, começou mal, continua mal e vira mais uma fonte de ataques ao governo e de dor de cabeça para o presidente Lula. Como vai acabar?

O primeiro erro pode ser econômico. O governo gaúcho e entidades do setor anunciaram e mantêm que, mesmo com as inundações no Estado, o abastecimento nacional está garantido e não seria necessário importar. O governo federal, porém, decidiu comprar um milhão de toneladas no mercado internacional, para “evitar especulação financeira e estabilizar o preço em todo País”. Afinal, é ou não importante importar, a um custo alto e subsídio interno? Se confirmado que a medida conteve aumentos e garantiu arroz na mesa dos brasileiros pobres, aplausos para Lula. Se não foi e se confirmou um excesso caro e desnecessário... Bem, vaias para Lula.

O segundo erro é político. O rótulo dos sacos de cinco quilos de arroz importado, com preço máximo de R$ 20, vai ter um aviso em letras maiúsculas e vermelhas: “Produto adquirido pelo governo federal”. Depois vêm os logotipos do governo Lula e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), mais os créditos dos ministérios do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura. Afinal, é ou não propaganda política, num ano de eleições municipais, com a popularidade de Lula rateando?

O terceiro erro tem cara, cheiro e sabor de confusão. Concluído o primeiro leilão, para importar 263 mil toneladas de arroz, no valor de R$ 1,31 bilhão, eis a surpresa: o distinto público ficou sabendo que, das quatro vencedoras, só uma é do ramo, a Zafira Trading, que abocanhou apenas 28% do total. As três outras são uma mercearia de bairro, uma fabricante de sorvetes e uma locadora de carros. Uma coisa não é uma coisa e outra coisa é outra coisa? Afinal, o que mercearias, sorvetes e carros têm a ver com importação de arroz?

A principal vencedora foi uma mercearia de bairro em Macapá, a “Queijo Minas”, com 147,3 mil toneladas de arroz, por R$ 736,2 milhões, e segundo o Estadão, com base na Junta Comercial do Amapá, deixou de ser microempresa e registrou patrimônio de R$ 5 milhões... no dia do anúncio do leilão.

Bem, o partido Novo já acionou o Tribunal de Contas da União (TCU) para suspender e apurar direitinho que história é essa e que vencedores são esses, enquanto os produtores, que já eram contra a importação, agora cobram explicações sobre o leilão. O agronegócio é forte no Sul e ambos, agronegócio e Sul, são refratários a Lula, se tornaram uma ameaça à sua vitória em 2022 e têm peso no Congresso. E o pior é que a discussão sobre o arroz está tirando o foco da tragédia, da ajuda e das cobranças para a reconstrução do Rio Grande do Sul.

Agora, é esperar as respostas às perguntas que não querem calar: era ou não importante importar? É ou não campanha política, é ou não legítimo usar os sacos de arroz importado com destaque em vermelho e logotipos do governo? O que mercearia de bairro, fabricantes de sorvetes e locadoras têm a ver com compra internacional de arroz? E, afinal, é normal uma empresa deixar de ser micro e passar a registrar patrimônio de R$ 5 milhões da noite para o dia? Essa história começou mal e continua mal. Como vai acabar?

 

Um comentário:

  1. A corrupção campeia em todos os setores desde que o homem é homem.

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