O Globo
O Parlamento não só é conservador, mas vive
mergulhado numa outra dimensão
Os últimos acontecimentos me fizeram pensar
na necessidade de conexão entre Congresso e opinião pública. Muita gente acha
que não há esperança de obter algo ali. Alguns congressistas, por seu lado,
reclamam da passividade social. Apesar de todo o desgaste, existem temas que
interessam diretamente e precisam ser vividos por todos nós.
Um deles é a PEC das Praias. Hoje, a maioria esmagadora da população, a julgar pelas pesquisas, rejeita o texto em discussão no Senado. Mas ele foi aprovado na Câmara e ninguém protestou. Cerca de 90 deputados votaram contra. Não tiveram a iniciativa de buscar apoio fora do Congresso para equilibrar as forças. Certamente pensaram que a sociedade não se moveria. Em alguns momentos, ela não se move mesmo. Mas é preciso sempre tentar.
Da mesma forma, a decisão dos planos de saúde
de abandonar contratos de milhares de pessoas, principalmente idosos, não
motivou uma ação articulada entre Congresso e sociedade, e isso daria muito
mais segurança ao acordo para demover os planos de saúde dessa crueldade.
Por mais que se critiquem Congresso e
governo, a verdade é que precisamos deles, e não é possível seguir com uma
indiferença silenciosa. Reconheço que o panorama não é muito animador. O
governo foi discreto na questão das praias e dos planos de saúde. O Congresso
não só é conservador, mas vive mergulhado numa outra dimensão da política.
No passado, o senador Arnon de Mello matou um
colega a tiros no plenário. Hoje isso é mais difícil porque pelo menos há
detectores de metal. No entanto armas de fogo não são mais o grande perigo. O
problema central hoje são os telefones. Os conflitos são armados com a intenção
de ganhar seguidores nas redes sociais. Os contendores se enfrentam com os
celulares em punho, gritam, xingam e filmam.
Essa imensa cortina de fumaça não dá espaço
para grandes temas serem debatidos em profundidade. É um sinal dos tempos que o
Congresso seja tomado por influenciadores digitais.
Além disso, como dependemos de líderes
carismáticos, as bancadas se formam sem luz própria, são apenas pessoas coladas
na figura do candidato majoritário. Um bom exemplo foi a bancada eleita com
Bolsonaro em 2018. Foi incapaz de realizar algo e se dilacerou em lutas
fratricidas.
Deputados deveriam levar em conta a
sociedade, mesmo quando sabem que perderão. O caso das saidinhas poderia ter
sido mais bem debatido. Perdeu-se uma grande oportunidade de revelar o estado
de nosso sistema penitenciário.
Outro problema que precisa ser vencido talvez
resida nas próprias características da comunicação em tempos de redes sociais.
Ao contrário do que escrevi aqui na semana passada (e depois corrigi na versão
on-line da coluna), o texto da PEC das Praias não fala diretamente em
privatização, da mesma forma que o projeto que regula as redes sociais não fala
em censura. Mas a luta política se dá em torno de imagens, os memes tornam-se o
discurso político mais eficaz.
A taxação de blusinhas é um tema popular que
ofuscou totalmente o projeto Mover, que estimula a transição energética no
transporte. Mas também, para variar, prevê estímulos bilionários à indústria
automobilística. O jabuti escondeu a árvore.
Se não houver tentativa de conexão entre
política e sociedade e esforço para que os temas importantes sejam discutidos
em toda a sua dimensão, o futuro nos reservará apenas confusões amplamente
documentadas pelos celulares.
Se a PEC das Praias fosse aprovada, o acesso
popular a elas seria dificultado pelo modelo concentrado de propriedade. De
certa forma, mudaria a face do Brasil. Se os planos de saúde não fossem
precariamente contidos, muita gente poderia morrer por falta de assistência
médica especializada.
Apesar do circo montado no Congresso, é o
único espaço de que o povo dispõe para resolver alguns problemas e evitar
alguns desastres.
Essa é uma questão importante em tempos de
hegemonia das redes sociais. É preciso buscar conexões, abrir clareiras,
construir algumas pontes para que a democracia, ainda que sofrivelmente,
funcione.
Concordo.
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