Folha de S. Paulo
O nacionalismo está passo a passo colocando
em risco a continuidade da União Europeia
Se você quiser, dá para sustentar que nada
mudou na mais recente eleição do Parlamento Europeu. A centro-direita aumentou
seu já confortável poder e deve manter a coalizão com a centro-esquerda e com
os liberais, embora estes tenham perdido espaço. A presidente da Comissão
Europeia, Ursula Von
der Leyen, provavelmente continuará no cargo.
Na França e na Alemanha, os dois maiores países do grupo, a direita nacionalista teve um desempenho muito forte. Isso levou Macron a dissolver a Assembleia Nacional francesa e anunciar eleições antecipadas. O eleitor francês votou nos nacionalistas para o Parlamento Europeu apenas como protesto ou realmente os quer no poder em casa também? Em breve saberemos. A eleição francesa é em dois turnos, o que favorece partidos centristas como o de Macron. Então é provável que ele mantenha a maioria do Parlamento. E, novamente, poderemos dizer que nada está mudando.
Ou podemos parar de tapar o sol com a peneira
e reconhecer que, entre perdas e ganhos, o nacionalismo está passo a passo
colocando em risco a própria continuidade da União
Europeia. Se Macron tiver calculado mal e sair das eleições como um
presidente manco de um país cujo Parlamento foi entregue à oposição, então,
esse risco será incontornável.
Macron é, dos líderes europeus, o grande
defensor de uma visão comum para o continente. E a Europa está
precisando desse tipo de visão. Mesmo que siga como o continente símbolo de
qualidade de vida, dos índices de bem-estar, e do equilíbrio entre lazer e
trabalho, é difícil não vê-la como decadente. População envelhecendo e, logo
mais, em queda; PIB que há tempos foi deixado para trás por EUA e China;
ausência de novas grandes empresas que inovem no mundo.
O continente depende de líderes como ele para
formar uma frente militar determinada a se opor a Putin;
liderar a discussão para combater o aquecimento global; e se modernizar para
fazer frente ao dinamismo econômico de EUA e China.
O fim da UE, ao contrário, não só não ajudaria em nada disso como também
colocaria em risco algo que hoje parece um fato natural, tão óbvio que nem
merece nossa atenção: a paz na Europa. Não esperamos que França, Alemanha,
Itália e companhia peguem em armas uns contra os outros. Parece até absurdo,
surrealista. E, no entanto, era a coisa mais normal do mundo até 1945.
Há muito de desinformação e má-fé na ascensão da direita nacionalista. Mas ela
se aproveita de falhas reais do sistema. Tanto a esquerda quanto a direita
mainstream deixaram de lado preocupações reais dos eleitores. A entrada maciça
de imigrantes e refugiados da África e do Oriente Médio traz
sim uma série de questões culturais e de segurança pública —impensável décadas
atrás—, e o cidadão não é de forma alguma "nazista" apenas por se
preocupar com isso, por querer menos imigrantes e por exigir medidas duras no
combate ao crime.
Se os problemas que importam para milhões de
pessoas não podem sequer ser reconhecidos pelas forças democráticas e
institucionais, então é claro que serão abraçados por movimentos populistas que
não estão nem aí para democracia e direitos
humanos.
Ou a Europa encontra motivos para um
engajamento confiante com o mundo ou ficará mais fragmentada e mais fechada até
que sua própria estrutura de bem-estar social desmorone. Sim, a União Europeia
está em risco e, com ela, muito do que marcou os últimos 80 anos nas relações
internacionais: a esperança de que a humanidade pode se unir para enfrentar
problemas em comum. Por enquanto, nada muda, mas o mundo está se transformando.
Pois é!
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