Folha de S. Paulo
Se vencer, ainda que preso, ex-presidente
sairá de cabeça erguida para se sentar no Salão Oval
Os EUA não
têm lei da ficha limpa. Trump será
candidato a presidente mesmo com sua condenação
criminal, e nada poderá impedi-lo, nem mesmo se for preso quando o juiz
sentenciá-lo em julho. Mais do que isso: é o favorito e acaba de ficar mais
forte.
Primeiro, o lado técnico: os EUA já tiveram um candidato à Presidência preso. Era o socialista Eugene Debbs na eleição de 1920. Não tinha a menor chance, mas pôde concorrer e receber quase 1 milhão de votos em sua cela em Atlanta sem problema algum. O mesmo valerá para Trump. E, se pode ser candidato, pode vencer.
Uma vez eleito, a lei não prevê o que
acontecerá. O que significa que ficará a cargo da política. E com um governo
recém-eleito, um Congresso de direita, um Partido
Republicano fanaticamente trumpista e uma Suprema
Corte conservadora, qual a chance da política decidir barrar o vencedor de
uma eleição democrática na qual ele tinha todo o direito de concorrer? A
esperança em freios do sistema é vã. Biden,
realista, já vaticinou: "Há apenas um jeito de manter Trump fora do Salão
Oval: na urna." E, na urna, a
condenação pode ter efeito oposto ao esperado.
Ter tido relações com a atriz pornô em 2006 e
pago por seu silêncio dez anos depois não fere a lei. No entanto, ao reembolsar
o advogado que fez esses pagamentos, Trump os registrou como "despesas
jurídicas"; o que, aí sim, configura fraude. Mas esse tipo de fraude, na
lei estadual de Nova York, é
uma "misdemeanor", uma contravenção, um crime de menor gravidade.
Só foi elevado
à categoria de "felony", ofensa criminal mais séria, porque, na
interpretação do promotor, a fraude teria sido usada para ocultar outro crime.
O outro crime, no caso, seria contra a legislação eleitoral federal. Os
pagamentos do advogado à atriz deveriam, segundo a acusação, ser considerados
como doações de campanha, e eles violam o limite federal de doações. O
problema: na esfera federal, o Departamento de Justiça optou por não processar
Trump por esses pagamentos.
Usar um caminho tortuoso para aumentar a
gravidade das acusações, sendo que a acusação de contravenção era cristalina,
apenas fortalece a impressão de que a Justiça pesou a mão para punir Trump. E,
ao fazê-lo, dá ao campo trumpista a confirmação de que seu líder é um
perseguido político.
Na eleição
americana, que tem taxa de participação baixa se comparada à nossa,
persuadir seus apoiadores a saírem de casa para votar é tão ou mais importante
que converter indecisos. O sentimento
de perseguição, de luta contra uma injustiça, mobiliza o eleitorado.
Nas horas seguintes à condenação, a campanha
de Trump bateu um recorde ao receber US$ 34,8 milhões em doações de
pequenos doadores. Enquanto um lado comemora e —será possível?— volta a se
iludir, o outro está ainda mais convicto de que trava uma guerra de tudo ou
nada por sua própria existência contra um sistema que, esse sim, comete muitos
e maiores crimes impunemente. A urna é sua última chance de fazer valer a
justiça nessa guerra de teor apocalíptico.
Se vencer, ainda que preso, Trump verá as
portas da prisão abertas diante de si e de lá sairá de cabeça erguida para se
sentar novamente no Salão Oval. Os impactos
para a democracia americana e para a ordem mundial são imprevisíveis.
Uma coisa é certa: fortalecerá a direita
populista no mundo todo, inclusive no Brasil, independentemente de seus crimes.
Por isso, aprendamos a lição: a Lei de Ficha Limpa e outros dispositivos
formais são um freio temporário; no longo prazo, a urna é soberana.
O colunista frequentemente exagera pra criar polêmica e chamar atenção. Acho que é o caso deste texto, novamente. Não há análises convergentes nos EUA que concluam que a condenação de Trump tenha deixado mais forte o candidato republicano. Mas a pretensão do colunista faz com que ele queira ser mais capacitado que os analistas estadunidenses. Acho desnecessário este tipo de arrogância, e realmente não gosto do seu estilo.
ResponderExcluirJoel Pinheiro.
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