sexta-feira, 7 de junho de 2024

Joseph Stiglitz, Nobel de Economia, defende limites para a liberdade e condena a defesa do Estado mínimo

Célia de Gouvêa Franco / Valor Econômico

Em vez de o excesso de governo levar à tirania, a mudança para o neoliberalismo reduziu a liberdade e ‘forneceu um terreno fértil para os populistas’, escreve o ex-economista-chefe do Banco Mundial em seu mais recente livro

O novo livro de Joseph Stiglitz, economista americano que ganhou o Prêmio Nobel em 2001, joga ainda mais lenha na fogueira do debate, já incendiário, sobre liberdade e a necessidade — ou não — de estabelecer limites para ela. Desde o início da obra, ainda no prólogo, ele deixa claríssimo em que time joga, ao citar uma frase do filósofo Isaiah Berlin, professor da Universidade de Oxford: “Liberdade para os lobos tem significado, com frequência, morte para as ovelhas”.

Além de defender que haja limitações para o exercício da liberdade para que não prejudique outros, Stiglitz condena, com igual veemência, quem defende um Estado enxuto, mínimo, como a bandeira de muitos liberais. As duas questões estão indelevelmente ligadas, escreve ele.

Na sua opinião, em vez de o excesso de governo levar à tirania, a mudança para o neoliberalismo reduziu a liberdade e “forneceu um terreno fértil para os populistas”. A social-democracia, ao dar ao Estado um papel maior, gera sociedades mais livres e robustas que são resilientes a autoridades autoritárias, como o ex-presidente americano Donald Trump.

Neste contexto, são citados o Brasil, numa referência implícita ao ex-presidente Jair Bolsonaro, além dos Estados Unidos e da Hungria. Nesses países, autoritários e populistas ganharam poder graças às falhas dos governos em não fazer o suficiente, escreve Stiglitz, contrariando a tese de que esse gênero de governantes é resultado de Estados que atuam demais.

Nos últimos anos, o mundo viu a ascensão de estadistas populistas e antidemocráticos em várias nações, nos quais governos anteriores tinham feito pouco para minorar as desigualdades, defende Stiglitz.

“The Road to Freedom - Economics and the Good Society” (O caminho para a liberdade - Economia e a boa sociedade, em tradução livre, ainda sem previsão de publicação em português) foi lançado em abril nos países de língua inglesa. Stiglitz tem um currículo de dar inveja — além de ter recebido o Prêmio Nobel de Economia, foi economista-chefe do Banco Mundial e chefe do conselho econômico durante a presidência de Bill Clinton. Hoje, aos 81 anos, é professor da Universidade Columbia, em Nova York. É também um autor best-seller — ao menos um dos seus livros vendeu mais de 1 milhão de exemplares mundialmente.

É um livro que guarda um tom apaixonado ou, em determinados trechos, até panfletário, como poderia esperar quem conhece ao menos um pouco do economista. Stiglitz ganhou fama internacional quando lançou o livro “A globalização e seus malefícios”, em que criticava duramente o Fundo Monetário Internacional, em especial sua atuação nos países em desenvolvimento ou pobres. Diferentemente de muitos economistas que primam pela cautela nas suas argumentações, Stiglitz não mede palavras e é explícito nas críticas aos liberais ou neoliberais.

Em reportagem do “Financial Times”, é lembrado que, no livro, Stiglitz demonstra seu desgosto moral pelo “egoísmo”, “materialismo” e “desonestidade” do capitalismo neoliberal. “Stiglitz reclama das companhias aéreas que perdem bagagens, das redes telefônicas não confiáveis, de call centers que mantêm as pessoas na espera por horas. É algo claramente pessoal”, escreveu o jornalista do “FT”.

Pode-se também considerar pessoal a permanente “batalha” de Stiglitz contra Friedrich Hayek e Milton Friedman, os mais notáveis defensores, em meados do século passado, dos mercados sem restrições, um “oxímoro” para Stiglitz, já que sem regras aplicadas por governos haveria poucos negócios — como confiar nos parceiros, nos clientes, nos empregados, nos fornecedores, nos bancos sem regulamentação?

As falhas de um mundo em que os mercados reinassem sem regras incluem concorrência limitada (onde a maioria das empresas tem algum poder para definir os seus preços); mercados ausentes (não é possível, por exemplo, comprar seguros para a maioria dos principais riscos que enfrentamos); e informações imperfeitas (os consumidores não conhecem as qualidades e os preços de todos os bens no mercado, as empresas não conhecem as características de todos os seus potenciais empregados, os credores não sabem a probabilidade de um potencial mutuário pagar o empréstimo, e assim por diante).

Economistas conservadores como Friedman estavam tão empenhados na sua ideologia que se mostraram relutantes em aceitar estes resultados teóricos fundamentais, argumenta Stiglitz.

Ele se lembra de uma conversa com Friedman num seminário no fim da década de 1960 na Universidade de Chicago, em que Stiglitz procurou demonstrar o fracasso dos mercados em lidar com o risco de forma eficiente — um resultado que, afirma ele, foi apresentado numa série de artigos que não foram refutados no meio século desde que foram lançados.

“A nossa conversa começou com a sua afirmação de que eu estava errado e que os mercados eram eficientes. Pedi a ele que me mostrasse as falhas em minhas provas. Ele voltou à sua afirmação e à sua fé no mercado. Nossa conversa não levou a lugar nenhum.”

The Road to Freedom Joseph E. Stiglitz. W.W. Norton & co. 374 págs., R$ 93,99 (Kindle)

Um comentário:

  1. O desgosto do autor com o “egoísmo”, “materialismo” e a “desonestidade” do capitalismo neoliberal é até reação muito moderada, diante da leviandade dos economistas que aderem à defesa de tal sistema, cada vez mais problemático para o futuro da economia mundial, e mesmo para a sobrevivência humana.

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